ESCOLANOVA, espaço de partilha comunitária e de criação artística vai nascer na Bordeira, em Aljezur, âmbito do programa «Bairros Saudáveis», iniciativa do Lavrar o Mar.
O teto caiu e há muito que a antiga Escola Primária da aldeia da Bordeira, no concelho de Aljezur, só vive na memória da população. Um cenário que tem os dias contados graças a uma candidatura ao programa «Bairros Saudáveis», apresentada por Madalena Victorino e Giacomo Scalisi, diretores artísticos da Cooperativa Lavrar o Mar, com o apoio da Câmara Municipal de Aljezur e da Junta de Freguesia local.
«É uma escola pequena, só tem uma sala de aula, mas é muito bonita, pois está no campo, e tem um espaço exterior bastante amplo», descreve Madalena Victorino.
O plano passa por «restitui-la, tal qual era na origem em termos arquitetónicos, e convidar a população a participar num projeto comunitário que, integrará de forma muito clara e forte, vários aspetos da cultura local», acrescenta a coreógrafa.
Talvez um dos mais fortes é a ligação à terra e por isso, o antigo recreio dará lugar a uma horta-jardim. Mais tarde, quando estiver consolidada, os frescos ali cultivados, «podem dar vida a um novo mercado semanal ou mensal, de legumes e frutas». A ideia é criar um novo ponto de interesse para atrair visitantes.
Outro aspeto-chave é a instalação de uma cozinha comunitária, «aberta para que quando as pessoas cá vierem fazer as suas compras, possam comer uma sopa ou preparar algo prático e saudável». Isto permitirá que «a escola comece a ser vivida e utilizada de forma pragmática», descreve.
A reestruturação do espaço está a cargo dos arquitetos Ana Jara, Carlos Gomes e Patrícia Viegas do ateliê Artéria, sediado em Lisboa. «Na sala de aula vamos fazer uma biblioteca-roupeiro que tem livros, pois estamos a falar de uma escola, mas que também tem roupas, figurinos e tecidos do quotidiano porque há muitas senhoras que gostam de costurar», diz ainda Madalena Victorino.
O projeto inclui a realização de um filme sobre a história da escola e as memórias dos habitantes da aldeia, cruzando-as com o presente, e que dará também visibilidade à comunidade estrangeira que tem vindo a crescer nos últimos anos. Ficará a cargo do cineasta belga Thomas Ortegat-Traen, residente na Costa Vicentina e que colabora com o Lavrar o Mar. Deverá estrear após a inauguração das primeiras atividades.
A iniciativa foi apresentada à população numa sessão que teve lugar na sexta-feira, dia 28 de janeiro, que contou com a presença dos autarcas José Gonçalves e José Francisco Estêvão, além dos promotores.
Os arquitetos mostraram uma maqueta 3D que destaca a recuperação da traça original, com o alpendre e a arcada principal. No interior, a entrada de alunos e professores, transformar-se-á na cozinha comunitária (que também dá acesso às traseiras), ao lado da biblioteca-roupeiro.
«Foi um momento muito intenso e muito tenso. Porque as pessoas não nos conhecem bem, foi a primeira vez que ouviram falar neste projeto, houve receios, dúvidas e desconfianças, mas penso que no final compreenderam que não queremos tirar nada a ninguém, pelo contrário. Esta ideia vai promover um aspeto muito enraizado do Lavrar o Mar que é o diálogo direto e muito próximo das populações e da cultura local com as artes e a criação artística. Até aqui, temos feito as nossas atividades no campo, onde quer que se encontre um vínculo dramaturgo» para a programação. Em breve, esta será a casa para um conjunto de atividades artísticas regulares. E não só.
Para o futuro, está pensada uma segunda fase do projeto que contempla a construção de um anexo ao edifício da escola, pensado pela Artéria para ser o menos intrusivo possível.
«Terá uma sala de trabalho para ensaios teatrais, sessões de canto, trabalhos complementares» ou atividades da terra, como o «debulhar dos feijões», antevê a coreógrafa. Terá ainda um «grande salão de festas que a aldeia precisa, e uma black box» para pequenos espetáculos e ensaios. Esta segunda fase estará sujeita a aprovação e a novas candidaturas para se conseguir o financiamento necessário.
Aconteça ou não, a matriz é que será sempre um espaço comunitário que preste homenagem à antiga escola, aos seus ex-alunos, à sua história e à população da Bordeira.
O programa «Bairros Saudáveis», coordenado por Helena Roseta, tem por objetivo apoiar intervenções em locais de promoção da saúde e da qualidade de vida das comunidades em todo o país, contando para isso com 10 milhões de euros de dotação, verba que praticamente esgotou com a procura.
Câmara Municipal de Aljezur satisfeita
Outro passo fundamental foi a assinatura do protocolo de cedência do edifício, propriedade da Câmara Municipal de Aljezur, à cooperativa Lavrar o Mar, por um período de 10 anos, que entretanto também já está assinado.
Ouvido pelo barlavento, o autarca José Gonçalves mostrou-se entusiasmado. «A escola da Bordeira estava desativada há muito tempo, um pouco degradada e sem solução. Agora surge uma oportunidade. Não é apenas uma intervenção física mas também uma intervenção na comunidade. Haverá uma primeira fase de recuperação do edifício para pôr a escola quase no estado original e depois seguir-se-á uma segunda fase em que teremos de ver como se poderá executar. Pensamos que este é um protocolo profícuo para todas as partes, inclusive para a Junta de Freguesia e sobretudo para a população da Bordeira, que não é muita, mas que será envolvida e chamada a participar. Será um espaço que se quer com pluralidade, participado e uma mais-valia para a aldeia e para o concelho», resumiu.
«A Bordeira tem um encanto muito particular. Com as intervenções que ali têm sido feitas e com a Rota Vicentina que passa próximo, e com todo o espaço envolvente à escola, penso que tudo isso vai permitir criar várias dinâmicas», acrescentou.
Em relação à extinção do 365 Algarve, José Gonçalves considera que «é pena» e espera agora que o novo governo «seja sensível à criação de algum programa especial, porque não se faz cultura apenas nos grandes centros. Os pequenos também têm vindo a encontrar formas muito interessantes de dar um salto qualitativo nas suas atividades. É isso que o território precisa», concluiu.
Um teatro de palha
Madalena Victorino e Giacomo Scalisi têm também em mãos a programação do Lavrar o Mira e a Lagoa – As Artes Além Tejo, no eixo Odemira – Santiago do Cacém. Começou o ano passado, embora tenha realizado apenas metade do que estava previsto por causa da pandemia. Retoma agora o fôlego.
«É claro que sem o 365 Algarve, a programação do Lavrar o Mar não tem a força que tinha no início. Esperamos agora com a nova candidatura à Direção-Geral das Artes (DGArtes) recuperar essa pujança. Mesmo assim, a nossa vontade sempre foi não deixar cair o trabalho que começou neste território. Ir contra esta ideia que quando acaba o dinheiro, acabam os projetos», e para isso tem sido fundamental o suporte das Câmaras Municipais de Aljezur e Monchique, recorda Scalisi.
No verão, de 25 de junho a 17 de julho, haverá uma programação «intensa e diversa» ao longo de cinco semanas num local especial. «Vamos construir um teatro feito de palha» na Várzea de Aljezur. Está a ser desenhado por Pedro Quintela, um arquiteto que segundo Madalena Victorino tem a sensibilidade para compreender «o espírito do lugar».
Imaginou forma de «ouvido, olho e concha», cujo interior terá palco, plateia, bancada, camarins, bilheteira, e capacidade para 200 pessoas.
«Chamou-lhe escultura habitável ou Cineteatro Lavrar o Mar. No fundo, é uma escultura que estará patente durante um mês e em cada fim de semana poderá ter programação de música, cinema, dança e novo circo», revela o diretor artístico. No final, tudo será reciclado. A estrutura poderá vir a servir de alimento a animais e parte da palha devolvida aos produtores dos concelhos vizinhos.