Lavrar o Mar traz Novo Circo, um avô «diabólico» e noites mágicas em Casais

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«Campana» é o espetáculo de circo contemporâneo que estará em cena dois fins de semana, em São Teotónio e Aljezur, já a partir de sábado, pela mão do Lavrar o Mar/Mira.

A ideia de projeto interregional, no Alentejo e Algarve, já está a acontecer, no triângulo Odemira, Monchique e Aljezur. A Cooperativa Lavrar o Mar (ex-Cosanostra), está de volta para mais programação, até maio. E será o novo circo a abrir o calendário, segundo explica a diretora artística e coreógrafa Madalena Victorino.

«A Trottola é uma companhia histórica. Tem, no fundo, um papel inventor, inicial nesta linguagem incrível que é o circo contemporâneo. Faz um trabalho muito singular de relação entre a acrobacia e a música para criar um ambiente extremamente poético e muito especial», descreve.

Em «Campana», são «quatro as personagens que se misturam entre músicos e acrobatas, em busca de um terreno. Pode ser o ar, no cume das montanhas, que na verdade é o espaço da tenda, como podem avançar e romper para diferentes direções. A Trottola é uma das matrizes de várias das companhias que nos têm visitado» ao longo dos últimos anos.

«Há vários criadores que tiveram um papel muito importante neste movimento. Na verdade, esta é a primeira vez que trazemos um coletivo com esta maturidade e com esta história. Estamos muito contentes», sublinha. Em São Teotónio, estará entre os dias 25 de fevereiro e 5 de março, no recinto superior da FACECO – Feira das Atividades Culturais e Económicas do Concelho de Odemira.

Depois, a tenda será montada em Aljezur, no Parque Industrial da Feiteirinha, «com uma vista belíssima sob os campos agricolas dos lavradores locais. É para meninos a partir dos oito anos que podem vir com os pais e para os adultos».

Victorino revela ainda um pouco sobre o que se segue. Em abril, por altura das celebrações do Dia da Liberdade, será a estreia de «Emídio», uma peça de teatro a solo protagonizada pelo escritor Sandro William Junqueira, no papel de protagonista (e autor do texto), numa encenação de Giacomo Scalisi.

«É um espetáculo pequenino, uma experiência nova para o Sandro William Junqueira, um escritor algarvio muito talentoso que tem colaborado conosco em vário projetos e que desta vez será ator. É um monólogo que conta a história do seu avô, que era um homem extraordinário, diabólico, incrível», descreve.

«O que posso dizer é que a pessoa que inspira esta história era supra-humano. E é essa condição incrível que compõe a matéria deste espetáculo que, na minha opinião, acho que vai ser muito bonito», revela.

«Tinha capacidades de fazer coisas incríveis que nenhum de nós consegue que envolveu viagens, negócios, transformações e transfigurações da sua profissão e uma personalidade muito cativante, muito sedutora», adianta.

«Será algo muito potente, contado pelo Sandro, a partir de alguém do seu próprio sangue e que tinha esses dons que achamos que apenas os anjos e os demónios têm», descreve. Se o argumento é intrigante, também não deixa de ser curioso que o ponto de partida começou numa conversa à mesa, ao jantar.

Por mero acaso, Sandro W. Junqueira começou a contar a narrativa do avô. Surpreendido, Giacomo Scalisi terá, segundo a coreógrafa, afirmado: «mas isso é um espetáculo maravilhoso, tudo o que acabaste de contar». E assim será.

Outro projeto na calha, que tem a ver com a criação comunitária, uma das fundações identitárias do Lavrar o Mar/Mira, chama-se «Casais» e irá acontecer na aldeia homónima, escondida entre Marmelete e Monchique.

«Campana» é o espetáculo de circo contemporâneo que estará em cena dois fins de semana, em São Teotónio e Aljezur, já a partir de sábado, pela mão do Lavar o Mar/Mira.

«Tem 90 habitantes e uma história muito própria das aldeias entaladas na serra. Era totalmente agrícola e muito pobre, mas com uma riqueza humana muito grande», explica.

Esta peça insere-se num ciclo que se chama «Povoado». A ideia é criar projetos multidisciplinares de artes performativas, capazes de usar pontos de contacto entre a população de um local isolado e um núcleo de artistas que vem de fora e se instala por algum tempo, para construir uma experiência em conjunto. Diálogos com as memórias dos habitantes e dos lugares, instantes performativos que se lançam para o vento para ir tecendo. Uma fórmula que já deu frutos. Primeiro no Cercal, com o espetáculo «Nós de vós», que teve encenação de Ricardo Machado e Pedro Salvador, e depois, mais recentemente na aldeia de Abela, próximo de Santiago do Cacém, pela própria Madalena Victorino e Rémi Gallet.

«No fundo, há um coletivo de artistas que pede autorização para entrar numa ideia, por norma, durante seis semanas, para poder levantar com a população aquilo que é a identidade ancestral, atual e futura desse mesmo lugar. E constrói-se uma ficção que é feita por todos», detalha.

Em «Casais», além do elenco, que neste caso será um quarteto, Victorino trabalhará com Alice Duarte, «que é uma jovem bailarina e coreógrafa de Monchique que já está no ativo e a desenvolver o seu trabalho artístico e com quem vou contracenar». Estarão na serra também os músicos Pedro Salvador, que há muito acompanha o trabalho da coreógrafa e Alexandre Moniz, também ele a representar uma nova geração.

«Formamos um grupo criativo nuclear que irá convidar mais pessoas, sobretudo performers da voz, do canto e do movimento. E haverá muita ação e também a elaboração de textos a partir das histórias incríveis que nos contam. Estamos agora a começar as nossas visitas e a nossa entrada naquele mundo rural». O espetáculo em vias de germinar será apresentado na cumplicidade da noite serrana, de 12 a 14 de maio.

«Queremos continuar porque sentimos que é uma ideia muito bonita e que pode ir muito longe, para quebrar o isolamento cultural». Por falar em isolamento, desde que o Lavar o Mar passou também a Lavar o Mira e a Lagoa, mais a norte, dedicou dois anos a ir ao encontro da das culturas hindu, nepalesa e sikh, entre as estufas de plástico que invadem o território da costa Alentejana, no âmbito do programa PARTIS & Art for Change, da Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação «la Caixa».

Daí resultaram os espetáculos com aquelas comunidades, Bowing e Bowing Back. O projeto está fechado, mas não terminado, pois segue para um terceiro ano. «Sim. Foi uma grande experiência e uma grande proximidade entre a comunidade asiática e a população ocidental. Correu tão bem que tivemos, por parte de ambas as fundações, a oportunidade de começar agora a desenhar uma plataforma digital que se chamará Bowing Dock. Será um repositório de todas as experiências mas num formato de work in progress. Vamos rever todos os processos e formas de trabalhar, as metodologias, os assuntos e as várias linguagens com as quais trabalhamos. Terá imagem, texto, vídeo, ilustração e e fotografia para se comunicar este projeto a uma escala global».

Tal como estava previsto, vai iniciar uma nova residência artística do Hotel Europa, companhia formada por André Amálio (Portugal) e Tereza Havlíčková (República Checa) que «estão a trabalhar a urgência climática. Estão a criar um espetáculo em parceria com diversas localidades em Portugal e no estrangeiro. Fizemos uma residência de 12 entrevistas a vários ativistas e profissionais que estão a trabalhar neste território, em áreas como a reflorestação, a conservação da natureza, a questão dos eucaliptos, dos rios e dos oceanos».

No dia 9 de março, a Moagem, em Aljezur, acolhe um workshop de teatro documental com esta dupla, aberto à comunidade. «Será um momento labat, uma alínea de programação do Lavar o Mar que está entre o laboratório e o atelier, em que o público vem colocar a mão na massa dos próprios projetos», neste caso, com o Hotel Europa. «Cruza-se aí o lado artístico, o lado científico e o lado do ativismo», conclui.