Lagoa pede «empenho» para resolver o impasse da Marina de Ferragudo

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Luís Encarnação, presidente da Câmara Municipal de Lagoa, mantém-se cético em relação à intervenção na foz do Arade, agora autorizada, com vista a receber grandes navios de cruzeiro.

Defende, ao invés, uma marina moderna e mais sustentável do ponto de vista ambiental em Ferragudo e pede igual empenho por parte das entidades para que o projeto possa avançar.

barlavento: O aprofundamento e alargamento do canal de navegação do Porto de Portimão tem luz verde. Mantém as suas preocupações?
Luís Encarnação: Sim. Houve palavras proferidas, publicamente, por várias entidades e gostava de clarificar o seguinte: aquando da primeira Declaração de Impacte Ambiental (DIA), o município de Lagoa deu parecer desfavorável, tal como várias outras entidades. Entre a primeira e a segunda fase de discussão, o município de Lagoa participou em várias reuniões no sentido de contribuir, de forma positiva e construtiva, para a melhoria desse projeto. Foram garantidas algumas das condições para que Lagoa tivesse assinado o memorando de entendimento que permitia que o projeto fosse revisto. Por exemplo, a salvaguarda do património arqueológico do Arade; que fosse reduzida a baía no anteporto; que fosse reduzido o canal; que fosse reduzido o cumprimento total das embarcações; que fossem salvaguardadas as questões ambientais no porto e nas deposições dos dragados ao longo da nossa costa. Contudo, e por isso voltamos a dar novo parecer desfavorável, continuamos a achar que este projeto não é adequado ao Arade. O tamanho daquelas embarcações não é adequado à dimensão da foz do rio e não vemos qualquer benefício para as margens. É a opinião que vamos continuar a manter até que nos demonstrem o contrário.

Mas não acredita que os cruzeiros podem ajudar a combater a sazonalidade e trazer benefícios para a economia do concelho?
Todos os estudos que temos e sobretudo a nossa experiência do dia a dia e destes últimos anos, demonstram que esse projeto não acrescenta qualquer mais-valia para o município de Lagoa. Mas temos uma postura e um lema com o qual nos orientamos e que faz parte da nossa estratégia de governança: o que é bom para o Algarve, é bom para Lagoa e o que é bom para Lagoa, é bom para o Algarve. Aceitamos que o projeto possa ter algum interesse para a região. Talvez alguns passageiros queiram visitar zonas como Sagres ou Silves. Mas não nos parece que tenha qualquer relevância para o desenvolvimento económico de Lagoa. É certo que assinámos o memorando de entendimento na expetativa que a Praia da Angrinha fosse requalificada. Já percebemos que não. Essa responsabilidade foi remetida para a autarquia, portanto, trataremos disso. Há muitos anos que alertamos, nós e a Junta de Freguesia [de Ferragudo], as entidades com competência na matéria para a necessidade de requalificar toda aquela margem. É uma zona com um potencial enorme, num concelho que vive, essencialmente, do turismo. Tínhamos a expetativa, gorada, que a obra pudesse ajudar a resolver o problema. Portanto, registamos a satisfação das entidades e dos responsáveis regionais para com este projeto que é apresentado como fundamental para a região. Esperamos que tenham a mesma satisfação, disponibilidade e empenho para resolver o problema da Marina de Ferragudo.

Ainda está em cima da mesa a construção da Marina de Ferragudo?
Sim. O projeto ainda não morreu. É sabido que a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve declarou a caducidade da DIA, considerando que o promotor não tinha iniciado as obras no prazo. Por sua vez, o promotor contesta e diz que iniciou parte das obras e só não avançou na totalidade porque não lhe foram dadas as condições por parte das entidades competentes para o poder fazer. Numa primeira fase, o município de Lagoa seguiu a orientação da CCDR Algarve e declarou também a caducidade do projeto. Entretanto, suspendemos essa decisão por força da reclamação e da contestação que foi feita pelo promotor. O processo corre os seus trâmites no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé. Aguardamos pelo desfecho. O município de Lagoa já fez saber a todas as partes envolvidas que está disponível para ajudar a resolver a questão, porque acreditamos no projeto da Marina de Ferragudo adaptado aos dias de hoje (e não o projeto original que tem mais de 15 anos) e àquilo que são as preocupações ambientais e urbanísticas de hoje, da segunda década do século XXI. Sabemos que o promotor também tem disponibilidade para rever o projeto e para se sentar à mesa com todas as entidades competentes e resolver esta questão.

O projeto original. Outdoor colocado em 2008.

Qual seria o desfecho ideal?
Consideramos que a marina é fundamental para o crescimento e desenvolvimento da vila de Ferragudo, que é uma pérola do concelho e do Algarve. O município de Lagoa quer que, do ponto de vista arquitetónico e urbanístico, essa pérola se mantenha. A marina é para desenvolver num espaço que foi completamente artificializado há mais de 30 anos. Não há vida debaixo daqueles milhões de metros cúbicos de areia que ali foram colocados e que artificializaram por completo toda aquela zona. Hoje estamos habituados a ver aquele espaço assim, mas não era. Surgiu com as grandes dragagens que foram feitas na foz do Arade, no final da década de 1980. O projeto da marina é retirar toda a areia e aproveitar a potencialidade de Ferragudo. Consideramos que a dimensão do Arade é mais adequada a embarcações de recreio do que a grandes navios de cruzeiro. Não percebemos porque é que há um empenho tão grande para resolver a questão do Porto de Portimão e se colocam obstáculos a um projeto que tem maior exequibilidade.

Estamos a aproximar-nos de mais uma Feira de Artesanato, Turismo, Agricultura, Comércio e Indústria de Lagoa (FATACIL). Quais as novidades?
As expetativas são elevadas por dois motivos. Primeiro porque em 2019 tivemos a maior e a melhor edição de sempre. Foi a que teve mais expositores, mais visitantes e a maior receita de bilheteira. Foi um enorme sucesso. Por força da pandemia e de todas as restrições sanitárias que daí advieram, tivemos dois anos sem poder organizar a feira. Infelizmente, ainda não temos o novo picadeiro, mas posso dizer que o sector equestre vai ter um incremento e até mais espetáculos. A razão para tal prende-se com a necessidade de termos os pareceres favoráveis de várias entidades, nos termos da legislação. Neste momento, ainda falta o do Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Foram colocadas questões que temos vindo a responder e isso também tem ajudado a melhorar o nosso projeto, que queremos lançar ainda este ano.

FATACIL

Em termos de recinto muda alguma coisa?
Sim, há uma ampliação do recinto porque o palco irá mudar, de novo, de posição. Será instalado no espaço de um dos parques de estacionamento. É uma área que, no futuro, poderá vir a ser da autarquia, mas no imediato temos um protocolo de utilização com o proprietário. Isto permitirá receber mais expositores, sobretudo os relacionados com a indústria automóvel e maquinaria industrial. Havia uma grande procura por parte destes sectores e os 50 mil metros quadrados de área da FATACIL não eram suficientes para responder. Estamos também a oficializar, por escritura pública, a aquisição das antigas instalações da Mitsubishi, que permitirá acrescentar mais um hectare de área útil ao recinto.

E em relação ao projeto do Parque Urbano?
Abandonámos essa ideia e é uma decisão do meu executivo. Lagoa terá um Parque Urbano, mas será noutra zona. Aquilo que definimos, ainda no mandato anterior, é ter um verdadeiro Parque Municipal de Feiras e Exposições de Lagoa, além dos 10 dias da FATACIL, que realize muitos outros eventos ao longo do ano. Para isso, estamos a expandir o espaço até aos sete hectares de área.

O que se passa com o Centro de Congressos do Arade?
Estamos no processo de aquisição do mesmo. Há um princípio de acordo estabelecido com o representante do credor hipotecário. Neste momento, fechámos o negócio por 2,5 milhões de euros. A proposta de aquisição, bem como o financiamento bancário que irá suportar essa operação, já foi aprovada em reunião de Câmara e na Assembleia Municipal. Temos o contrato de compra e venda e toda essa documentação em apreciação no Tribunal de Contas (TC), nos termos da lei, para obtenção do visto prévio. Após isso, faremos a escritura pública daquele espaço. Teremos ainda de fazer um grande investimento na recuperação do imóvel, que foi totalmente vandalizado de forma premeditada, sobretudo no interior. Não há um único vidro intacto. O que pretendemos no futuro é devolver-lhe a pujança que já teve. O município de Lagoa foi sempre o principal cliente e impulsionador do Centro de Congressos do Arade. Acreditamos no projeto, conhecemos bem as suas potencialidades e acreditamos que com a gestão autárquica, terá uma nova vida e ao longo de todo o ano.

Também há questões no seu território. Por exemplo, a concentração de autocaravanistas em Benagil e no Algar Seco. Está preocupado com isso?
Sim, bastante preocupado. Nessa matéria trabalhamos em articulação com o Clube Autocaravanista Algarvio (CCA), que tem sede em Lagoa, e segue as nossas preocupações. O que acontece no concelho de Lagoa é absolutamente abusivo. Não temos nada contra o autocaravanismo, achamos que é um nicho que pode ajudar a mitigar a sazonalidade, mas tem de ser feito com regras. É preciso perceber que Lagoa tem 17 quilómetros de costa de enorme beleza e de grande sensibilidade. Temos uma preocupação acrescida na zona entre Albandeira e a Praia do Vale de Centeanes pela pressão de visitação que tem. O município de Lagoa está disponível, em conjunto com as demasiadas entidades que têm jurisdição na orla costeira, para encontrar uma capacidade de carga para estas áreas. E não é apenas em terra. Todos os dias temos centenas de embarcações a entrar na gruta de Benagil. Isto não pode continuar. É preciso estabelecer uma capacidade máxima de carga, à semelhança do que acontece noutras regiões, para a salvaguarda das questões ambientais e patrimoniais. Essa medida traria vantagens a todas as partes. Regulamentava e acrescentava valor e qualidade às experiências que os turistas procuram e traria enormes benefícios às populações que ali vivem. Não temos dúvidas que o verão é um verdadeiro inferno para os residentes de Benagil, Praia da Marinha e áreas circudantes.

O que pode fazer, por exemplo, no Algar Seco, onde as pessoas sujam tudo ao redor?
Uma solução poderá ser reposicionar a placa de proibição de autocaravanas em direção ao Forte de Nossa Senhora de Encarnação. Mas isso é resolver uma ínfima parte dos problemas que temos. É preciso garantir que não haja autocaravanas em cima das falésias. Sei que é fantástico acordar pela manhã e ver o nascer do sol numa falésia do concelho de Lagoa, mas é preciso perceber que o veículo é para ficar num espaço próprio.

Onde?
Estamos a trabalhar em algumas soluções em conjunto com o Clube Autocaravanista Algarvio. Já temos uma estação de autocaravanas no Parchal e vamos ter outras, eventualmente até no Parque Municipal de Feiras e Exposições, que poderia acolhê-las durante grande parte do ano.

E em relação à marca «Algarve Golden Terroir»?
Infelizmente, não fomos contemplados na candidatura a Cidade Europeia do Vinho 2023. A escolha do júri foi para a região do Douro. O trabalho que fizemos foi muito sério e muito importante, na medida em que foi possível juntar os municípios de Albufeira, Lagoa, Lagos e Silves, que à data, eram os associados da Associação de Municípios Portugueses do Vinho (AMPV). Mas era uma candidatura para toda a região. Não estávamos preparados para o combate sobretudo na apresentação final. Respeitamos a decisão tomada em Bruxelas, no dia 15 de junho, mas a marca está registada e tem futuro. Vamos entrar numa fase de conversações com os nossos parceiros. Não vou dar já uma garantia, mas penso que os meus colegas autarcas querem continuar a trabalhar neste projeto e há condições para voltarmos a apresentar uma nova candidatura em 2025.

Uma última questão sobre a Casa da Cidadania. Qual o ponto de situação?
Neste momento estamos a trabalhar na digitalização e recolha de informação. Vai ser um museu diferente, dedicado aos movimentos sociais, que numa primeira fase se irá centrar em figuras que consideramos marcantes da história de cidade de Lagoa, do seu crescimento enquanto concelho e comunidade com uma identidade própria. Estamos a falar, por exemplo, do Remexido, do General Vasco Rocha Vieira e de Hermínio da Palma Inácio, que marcaram um pouco a história do Algarve e a do país. Queremos apresentar novidades já em 2023, altura em que vamos assinalar os 250 anos da criação do concelho. É essa a nossa vontade. Estamos a trabalhar nos conteúdos há mais de dois anos, há também várias matérias e pesquisas que têm sido feitas e que fazem parte do arquivo que estará disponível quer no espaço físico, quer em formato digital, ao público.