Jovens algarvios brilham no prémio de arquitetura Archiprix Portugal 2020

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Pedro Brito, 26 anos, venceu a 8ª edição do Archiprix Portugal, com o seu trabalho «Vila da Fuzeta, Entre o mar e a terra. Revelar Arquiteturas, Percursos e Horizontes Lagunares», um prémio que distingue anualmente, a nível nacional, as melhores dissertações na área de arquitetura, urbanismo e arquitetura paisagista. Em entrevista ao barlavento revela como vê a profissão e a terra que estudou.

barlavento: Ficou surpreendido com o prémio?
Pedro Brito: Sim, fiquei. Sabia que o trabalho tinha qualidade e que o tinha feito com o cuidado necessário, quer na consulta das fontes, quer no tratamento dos dados recolhidos, para poder conhecer a Fuzeta de uma forma diferente da que habitualmente se conhece, turística ou de histórias fantasiadas. Quis perceber a origem e saber como evoluiu. A orientação do trabalho por parte dos professores na universidade foi também bastante presente e assertiva, portanto, estava à espera de ter um bom resultado. Mas não esperava ser o trabalho vencedor.

Qual a sua relação com a vila?
Vivo a meio caminho entre a Fuzeta e Olhão. O meu pai viveu ali durante muitos anos. Sempre tive curiosidade e me despertou a atenção, qual a origem de um amor tão grande por parte da população quando falam nesta «branca noiva do mar». Tentei perceber o que isso significa. Porquê todo este amor por uma terra que aparentemente está degradada, ou pelo menos, muito alterada. Foi engraçado fazer uma certa arqueologia na malha urbana e na arquitetura, falar com as pessoas que ainda sabem coisas que estão perdidas no tempo. Foi interessante encontrar uma Fuzeta que ainda existe, embora esteja muito tapada com a evolução das últimas décadas, o que a descaraterizou e não foi sensível aos seus valores identitários. Felizmente, tal como Olhão, não foi tanto atrás do que se passou no resto do Algarve. Por isso, hoje ainda temos algo de original para encontrar, ainda que se esteja, de novo, a continuar numa evolução rumo ao progresso, perseguindo os mesmos erros e sonhos do passado.

Como assim?
Muitas vezes não se valorizam coisas que parecem do passado, de um tempo em que se vivia muito do mar, da pesca, do campo, por vezes de modo precário. Muito disso, e falo do caso da arquitetura, que é o reflexo de como as pessoas vivem e habitam um lugar, com a acentuada alteração do modo de vida, acaba por ser esquecido, ainda que reflita formas inteligentes de viver com pouco e de forma sustentável.

Que aspetos particulares descobriu na dissertação?
Inicialmente, houve uma grande pesquisa de informação documental, histórica e cartográfica. No início da investigação deparei-me com uma dissertação de mestrado da arquiteta Mafalda Pacheco sobre a evolução urbana e arquitetónica Fuzeta, que originou já a sua tese de doutoramento defendida em 2018 pelo Instituto Superior Técnico. Neste aspeto, já me facilitou um pouco o trabalho, porque fez uma pesquisa muito profunda sobre a origem do aglomerado urbano, os primeiros bairros, e alguns aspetos arquitetónicos relevantes, o que ajudou a recentrar um pouco o foco do meu trabalho. Na universidade de Évora, no final do curso, é normal fazer-se um trabalho de investigação pelo projeto – research by design – um olhar crítico sobre um local, sobre os seus problemas e valores, por forma a originar uma proposta arquitetónica como ensaio de uma possível solução. Este trabalho propõe uma forma de fazer arquitetura neste lugar, muito relacionada com a identidade e os arquétipos ainda presentes na arquitetura da vila. Mais até do que solucionar um problema porque a Fuzeta tem vários. Seria sempre infrutífero tentar resolver apenas um ou todos. Propõe-se resgatar técnicas construtivas e materiais que aqui existem, como o junco e a madeira. Hoje em dia ninguém pensa naturalmente em voltar a viver numa cabana, mas a verdade é que isso foi uma técnica que construiu o Algarve litoral quase na totalidade. Propõe-se voltar a usar materiais e técnicas vernaculares na construção de um observatório da paisagem. Um sistema territorial composto por três estruturas implantadas em lugares específicos que põem o visitante em confronto com o que é a realidade atual da vila, com a sua dinâmica evolutiva, e num olhar de fora. Pretende-se despertar a consciência e sentido crítico do visitante face ao contexto, ou apenas convidar a um percurso contemplativo da paisagem com a vila em plano de fundo.

O que pode vir a ser o futuro?
A Fuzeta tem um futuro que hoje é presente em quase todo o litoral. É uma vila que assentou cobre uma colina sobranceira à ria. Criou-se uma arquitetura especial e única, que é interessante, dita até cubista. Criaram-se umas estruturas torreadas – os mirantes – que não são defensivas, mas que tinham por função vigiar o mar, antecipar a meteorologia, e até como forma de controlar os movimentos das embarcações. Essa arquitetura única é um sistema, que com todas estas construções recentes nos últimos 30 anos acaba por ficar muito comprometida e até vazia de sentido.

Como arquiteto da nova geração como olha para o que aqui foi feito?
Penso que foram feitos muitos erros, até porque na altura já se falava em património. No caso do aglomerado urbano nada foi classificado e ainda hoje não há um plano de pormenor que o proteja, as suas casas ou as suas ruas, que diga que uma alçado ou cobertura é importante ser preservado, ou que esta relação visual com a frente de mar é importante e portanto não se pode construir em altura na frente. Esse tipo de pormenor, que eu tenha conhecimento, não existe, trabalhado ou legislado. Eu acho que à época, nos anos 1970/1980, era possível pensar na construção em altura para resolver os problemas da vila, se bem que muitos daqueles apartamentos são turísticos. Considero que foram um erro e há muitas pessoas que têm essa mágoa porque tapa as suas vistas, mas algumas acham que foi um mal necessário ou sem alternativa. Talvez pudesse ter sido feito noutro sítio e o centro histórico estaria a salvo.

Em frente ao Bairro dos Pescadores fez-se um resort moderno e de elevada volumetria. Como vê isso?
Acredito que quem viabilizou aquele projeto acredita que a frente de mar possa vir a ser construída por resorts e outros empreendimentos turísticos de maior escala. É uma ideia antiga, estamos fartos de ver isso no Algarve. Percebo aquilo como a continuidade de uma política. Se é errada ou não, podemos olhar para os princípios que enumerei e avaliar o seu impacto na manutenção destes valores identitários. O bairro dos pescadores é um bairro moderno, com um interesse histórico e arquitetónico extraordinário.

E agora, o que gostava para a Fuzeta?
Gostava que houvesse um esforço de pensá-la de forma mais integrada. É preciso olhar para a história para recentrar o nosso olhar presente e projetar o futuro. Olhão, Fuzeta e Tavira têm um valor cultural muito forte. Penso que a população vive isso, embora muitas vezes, como a sua voz não chega mais longe, acaba por não conseguir defender nada e vai-se resignando um pouco àquilo que vai acontecendo. Gostava que existisse um plano de pormenor que defendesse a Fuzeta. Que houvesse um olhar sobre todas estas construções que se vão fazendo, sem uma lógica de massificação, de pensar isto para o turista. O turismo é muito importante, claro. Faz parte da nossa economia e faz parte das nossas vivências. O turista quando está cá passa a ser um habitante no tempo durante uns dias. É importante integrá-lo e não fazer dele alguém que vem de outro sítio, que não conhece nada, e portanto vamos só mostrar o bom que temos. A tal expressão para inglês ver. Mas na verdade, temos coisas que o turista quer ver e que nós tapamos porque achamos que não tem valor. Na realidade, se calhar, é o que ele vem mais à procura, porque é isso que faz a identidade da Fuzeta ou de Olhão ser diferente do sítio de onde ele vem.

Como é que um jovem recém-formado vê a arquitetura hoje?
Vejo a arquitetura como uma área multidisciplinar muito abrangente, muita mais do que aquilo que se pensa ou diminui. Muitas vezes temos a tendência de compartimentar as profissões, porque a nível histórico era o que se fazia. A arquitetura evoluiu muito nos últimos anos, integra muitos conhecimentos e lida com outras profissões. Não é especialista, é generalista. E por isso tem sempre que integrar o pensamento de outros profissionais. É uma área onde se trabalha muito em equipa. É preciso pensá-la como um gesto na paisagem, no território, na economia, na sociedade e na vida.

Alguma obra que gostasse de fazer no futuro?
Falando como arquiteto, embora em início de carreira, nós temos sempre muitas ideias e vontade de fazer coisas. Gostaria de fazer algo na Fuzeta, talvez como se fazia há 100 anos, na medida em que se integra social e arquitetonicamente. Se esses gestos forem dissonantes, se calhar, não fazem parte deste conjunto e serão marginalizados como acontece com muito do património construído recentemente à nossa volta.

Muita da reabilitação urbana que se faz, sobretudo municipal, é assim. Falo do largo da igreja de Querença, ou da Praça da Pontinha de Faro…
Acho que esses exemplos, pode-se gostar mais, ou menos. Mas há uma diferença entre a faze de desenvolvimento do projeto de arquitetura e a construção. Às vezes há regulamentos e legislação que vedam e direcionam a maneira de fazer e pensar o espaço. Por vezes, o arquiteto pensa de uma forma, mas depois tem de se confrontar com a lei, ou com a encomenda da obra, que muitas vezes integra outras ideias e ambições. As instituições públicas muitas vezes querem chegar a muitos sítios ao mesmo tempo, querem introduzir a tecnologia por exemplo, inovar, e agradar a todos. E como em muitos destes casos, os projetos não são pensados por equipas multidisciplinares, com arquitetos, antropólogos, economistas, arquitetos paisagistas, engenheiros de várias especialidades, o resultado acaba por ser uma manta de retalhos mal cozida. E acabam por dar os tais elefantes brancos, que o Algarve tem muitos bons exemplos. Mas respondendo concretamente, sempre tive um encanto e desejo por vir a desenhar um teatro. Como pensar o que está por detrás do que se vê durante um momento de fruição como uma peça ou um concerto. E aqui na Fuzeta temos um exemplar extraordinário, o cinema Topázio.

Entre o mar e a terra

A dissertação «Vila da Fuzeta, Entre o mar e a terra. Revelar Arquiteturas, Percursos e Horizontes Lagunares», de Pedro Brito, vencedor do Archiprix Portugal 2020, teve a orientação do professor João Dias Soares e Daniel Jiménez, da Universidade de Évora – departamento de arquitetura⁣. O anúncio do vencedor e a cerimónia de entrega de prémios, decorreu no sábado, 4 de julho, em Porto Brandão, Almada. O trabalho, nas palavras do jovem arquiteto «reflete sobre o território, o urbanismo e a arquitetura da vila simultaneamente tão excecional e em risco. Sensível e potente, este lugar nasce e desenvolve-se numa dependência vital de um profundo conhecimento das dinâmicas e recursos existentes no território onde se encontra intermitentemente o melhor de dois meios: o mar e a terra. Uma fronteira que ganha espessura e desenha o sistema lagunar da ria Formosa».

Maria Filipa Rabaça, 25 anos, mestre pela Universidade do Algarve, venceu a Menção Especial Arquitetura Paisagista na 8ª edição do prémio Archiprix Portugal, com uma dissertação sobre «Contributos para o inventário de jardins históricos no Algarve – Faro», que obteve 18 valores.

barlavento: Porque escolheu o curso de Arquitetura Paisagista?
Maria Filipa Rabaça: Sempre gostei muito de ciências e de arte. Encontrei a opção de arquitetura paisagista que é o conjunto de ambos, tanto da morfologia das plantas como o desenho técnico. Tirei a licenciatura e depois o mestrado na Universidade do Algarve, pela Faculdade de Ciências e Tecnologia⁣. Podia ter ficado só pela licenciatura, mas escolhi continuar os estudos porque senti que ainda tinha mais para aprender. Agora tenho a certeza absoluta que vou continuar e trabalhar para o doutoramento.

Que pode dizer sobre o tema para a dissertação?
No meu ano existia uma lista de vários temas possíveis, uma das sugestões era sobre os jardins históricos. Falei com a minha orientadora (Sónia Talhé Azambuja) e foi assim. O título da dissertação é «Contributos para o inventário de jardins históricos no Algarve – Faro». Já existe um inventário europeu que abrange alguns países, e Portugal já está inscrito, mas apenas com jardins no centro e no norte, Madeira e Açores. Do Algarve, apesar de existirem três pontos, não havia história sobre cada um deles. Peguei nisso e como sou farense, optei por escolher alguns do concelho. Estudei jardins desde o século XVI ao XX. Aprendi muito sobre a história da cidade. Nós conhecemos o património cultural, os edifícios e os arruamentos, mas o património natural não estava investigado. Acho que fez a diferença, e talvez por isso tenha sido vencedora nacional da minha área. Escrevi com muito gosto.

O que descobriu?
A Câmara Municipal de Faro cedeu-me atas de sessões e livros de correspondência. Havia excertos que mencionavam o Coreto da Alameda. Quase ninguém sabe que existiu. Há fotografias que mostram pessoas ao redor do coreto a ler e a tocar piano. Estudei cinco jardins de Faro e apresentei seis posters. Explico a evolução e a história de cada jardim, com a proposta de um passeio/roteiro cultural. No final consegui conciliar a parte teórica com a prática. Faro tem bons jardins, mas têm de ser requalificados. Sei que há projetos para a Alameda e para a Mata do Liceu. Quando alguém visita outra cidade gosta sempre de conhecer jardins, passear por lá. Acho que Faro tem falta dessa opção.

Estava à espera de ganhar?
Defendi a tese em dezembro. Em janeiro, a minha orientadora ligou-me. Até achei estranho porque a defesa já tinha sido. Disse-me que a direção de curso me tinha escolhido e a mais outra colega, para participarmos no concurso, porque fomos as que tivemos melhores notas. Candidatei-me e depois, devido à COVID-19, atrasou muita coisa, mas em março saiu a lista dos 29 finalistas e vi logo que tinha ficado. Éramos 80 concorrentes dos três cursos (Arquitetura, Arquitetura Paisagista e Urbanismo), a nível nacional. Os vencedores foram anunciados no momento. Ou seja, os 29 estavam à espera de saber. Não estava a contar vencer, mas claro que se já tinha chegado até ali, tinha aquela esperança que chamassem por mim. Estava muito nervosa, mas fiquei tão contente. Ouvir chamarem o nosso nome para receber um prémio nacional é incrível. Acho que o objetivo do concurso deste ano foi o de nós, arquitetos paisagistas, percebermos o que são as outras áreas (arquitetura e urbanismo) e os colegas perceberem também os nossos pontos de vista. Espero que nos próximos anos seja igual.