José António Martins estreia-se na ficção contemporânea

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Pandemia inspirou José António Martins, historiador e investigador algarvio, a escrever e publicar, a sua primeira obra ficcional.

A apresentação pública de «Diário de um 40tão em Quarentena» está marcada para sábado, 30 de outubro, às 16 horas, na Biblioteca Municipal Júlio Dantas com a presença do jornalista Paulo Lavadinho. Em entrevista ao barlavento, José António Martins revela um pouco do seu novo livro.

barlavento: Enquanto autor acumula uma vasta experiência na investigação histórica, na edição de monografias e ensaios. Como surge a estreia na ficção?
José António Martins: Na realidade, desde 1982 temos vindo a publicar estudos, ensaios e artigos em revistas da especialidade e em órgãos de comunicação social locais, regionais e nacionais centrados na temática histórica, sobretudo ao nível da investigação. Há muito que tentava fazer uma incursão na área da ficção ou do romance histórico. A opção recaiu na ficção, género de contos, como sabemos e por definição, trata-se de uma narrativa que tende a criar universos de fantasia, de acontecimentos. Como todos os textos ficcionais, também este apresenta um narrador, personagens (a principal é um homem com pouco mais de 40 anos) e um discurso expositivo que nos leva a acompanhar o quotidiano de um cidadão que passou a cumprir um isolamento em virtude de ter testado positivo à COVID-19. Não enveredámos pelo romance histórico atendendo que este tem a particularidade de ir sempre ao encontro de factos reais misturados com a imaginação, num cruzamento que nem uma ou outra área se autonomizam. A grande dificuldade de um investigador (ou mesmo de um historiador) é que tem sempre por perto, no momento do ato criador da escrita, os documentos e a tendência de se socorrer das fontes (manuscritas ou impressas) para escrever sobre uma realidade que domina, sendo esta uma das grandes dificuldades de quem redige um texto associado ao romance histórico. Perante este (hipotético) condicionalismo e porque desejava criar algo totalmente diferente do que me tinha habituado há dezenas de anos, a escrita de um texto de ficção sem associações à História, no seu todo, constituiu um autêntico desafio.

Se não tivesse acontecido o confinamento, possivelmente não haveria este livro, ou já havia uma história na gaveta?
A existência da pandemia foi, de facto, o grande motor de uma nova escrita baseada em muitos fatores. A solidão e a vivência singular de milhares de pessoas em quarenta; a (re)descoberta dos seus espaços habitacionais e do(s) espaço(s) da sua própria casa; a noção de que tínhamos, finalmente, tempo para nos reencontramos conosco e os balanços existenciais que tínhamos oportunidade de experienciar, constituíram a engrenagem de uma nova escrita que resultou num texto estruturado nos dias cronológicos de uma quarentena e de um conjunto de respostas a perguntas de um homem de meia idade.

Há pontos de contacto com a realidade? Quais?
Ao longo deste livro, procuramos dar a conhecer, com base nas observações, visualizações mediáticas, por diversas vias, do quotidiano das vivências de muitos que estiveram em confinamento, o dia a dia de quem vive sozinho por motivos de saúde pública. Muitos dos que tiverem a oportunidade de ler o livro vão-se identificar com muitas das facetas do João (o protagonista desta vivência em confinamento) e com a realidade que apenas, quem experienciou esta vivência, poderá sentir- se identificado com a do nosso protagonista. Todos, de alguma forma, aprendemos algo com a pandemia.

No seu caso, que conhece tantos episódios da nossa História coletiva, que aprendeu?
A aprendizagem, os ensinamentos que poderemos retirar desta pandemia são múltiplos. Hoje vivenciamos algo que, dentro da nossa realidade contemporânea, muitos dos nossos antepassados também tomaram conhecimento de grandes epidemias e das consequências nefastas para a sociedade e para cada um dos que sobreviveram. Não se trata de algo novo enquanto doença que mortifica quem tem de lidar com ela e que é mortífera para quem não tem os cuidados devidos em proteger-se a si e aos outros. As ilações que devemos retirar destes quase dois anos de pandemia é que unindo-nos no que é essencial para a vida de cada um de nós e de nós para com os outros, a solidariedade (sempre presente em períodos de grande calamidade) e a fraternidade (algo que deveremos perspectivar cada vez mais), devem sempre nortear o nosso quotidiano. Em tempos de pandemia como a vivemos, a sua implementação será ainda mais um bem a fomentar.

Este livro, contudo, não acaba aqui e que há uma ideia muito especial para lhe dar continuidade…
A minha intenção é continuar com mais um livro de contos. Terei de esperar pelo interesse manifestado (ou não) pelo público na aquisição deste primeiro livro e depois (se o impacto for positivo) continuar com um seguinte, mas agora eventualmente alternando o género do protagonista e as suas vivências em tempo de confinamento como aquele que vivemos nos inícios de 2020. As vivências serão, necessariamente, diferentes e as experiências também muito singulares.

E enquanto historiador, que mais tem na calha para 2022?
Em termos de projetos para o futuro, mas associados à investigação histórica, para o ano quero terminar o estudo da Biblioteca de D. Fernando Martins Mascarenhas (Bispo do Algarve entre 1594-1616) que se encontra em Oxford, cujo trabalho foi iniciado em 2019. Do conjunto deste trabalho será realizada uma exposição itinerante a iniciar.

O irreal quotidiano

Em «Diário de um 40Tão em Quarentena » o protagonista é João, um homem do norte, que se mudou para Lisboa onde vivia há mais de vinte anos. Solteiro, jardineiro de profissão no Palácio dos Condes de Oeiras, tem como único membro do seu «agregado familiar» um gato oferecido pela namorada. Habituado a sair de casa cedo e a regressar no final da tarde, no último dia de mais uma semana de trabalho testou positivo à COVID-19. Assintomático, foi colocado em quarentena sanitária em casa. Conhecer a vida diária, as problemáticas inerentes a um confinamento obrigatório de um homem com mais de 40 anos de idade que vivia o seu quotidiano da forma singular como um homem sozinho vive e que, a partir de um certo momento e durante duas semanas, além de tentar gerir o seu dia a dia, passaria a receber todos os dias uma chamada telefónica do delegado de saúde da sua área de residência com vista a tomar conhecimento da evolução do seu estado de saúde. Começa assim um percurso vivencial, em que as mudanças que este homem pretendia realizar para a sua vida futura, ficariam comprometidas após o fim deste período.

O autor

É investigador na área da História local e regional, com formação académica em História, Direito e Letras pelas Universidades de Lisboa, Porto, Beira Interior e pela Universidade de Nova Iorque, em Gestão dos Centros Históricos/Marketing em Turismo do Património Cultural. É autor de mais de 50 livros publicados em Portugal, alguns editados com traduções em vários idiomas, cujas apresentações se realizaram no Brasil, Espanha e Japão.

Ficha Técnica

«Diário de um 40tão em Quarentena»
1ª Edição – outubro 2021
Edição – Booksfactory/Letrasímpares
Nº de Páginas – 42
PVP – 8 euros