INEM de Faro, 15 anos a salvar vidas

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Primeira equipa de técnicos de emergência pré-hospitalar da região foi implementada na capital algarvia, em 2004. Mais do que uma profissão, é «um estilo de vida, paixão e altruísmo».

A equipa da Ambulância de Emergência Médica (AEM) do INEM de Faro, celebrou 15 anos, no sábado, 25 de maio, com um evento aberto à comunidade. O Parque de Lazer das Figuras foi o local escolhido para um treino coletivo de Suporte Básico Vida (SBV), que até incluiu uma vertente especial para os mais novos.

«O importante deste evento é transmitirmos à população o que é o nosso trabalho. Se o cidadão comum souber fazer Suporte Básico de Vida, isso vai fazer a diferença. Estamos aqui para educar as pessoas», explicou ao «barlavento» Carlos Baptista, técnico de emergência pré-hospitalar do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) de Faro.

Em 15 anos de profissão, o caso que mais o marcou aconteceu em 2006, na Praia de Faro. Ao chegar ao local, deparou-se com uma cidadã estrangeira em trabalho de parto. «Foi em pleno areal e só tivemos tempo de transportar a grávida até à ambulância. A criança nasceu mesmo junto à praia porque já não havia tempo. O que sei é que o recém-nascido teve alta do hospital, em perfeitas condições de saúde», relembra.

O técnico, de 43 anos, que começou por prestar serviço nos Bombeiros e na Cruz Vermelha Portuguesa, é da opinião que nenhuma situação é difícil, uma vez que «tenho muitos anos de experiência. Claro que o que custa mais são situações com crianças ou aquelas em que nós não conseguimos fazer nada. Há lesões incompatíveis com a vida. Quando isso acontece, vou sempre com um sentimento de impunidade e frustração para casa».

Uma opinião semelhante partilhada por Marlene Veloso e Nádia Lopes, de 36 e 31 anos, respetivamente.

As únicas mulheres, numa equipa composta por 11 homens, referem que «não é fácil» explicar a parte mais difícil da profissão.

«Acabamos por criar mecanismos de defesa e tentamos não carregar essas emoções, para não sofrermos com o utente. Essa barreira de proteção tem de ser criada e depois torna-se algo mecânico. Se formos muito emocionais, acabamos por não ser profissionais» responde a técnica Nádia Lopes, ao serviço do INEM há 10 anos.

A sua colega Marlene, com 15 anos no currículo, é ainda mais objetiva: «estamos a lidar com situações de emergência. Se não formos frias e se não formos profissionais, não conseguimos fazer um trabalho bem feito. Temos de deixar as emoções de lado, independentemente da idade ou sexo da vítima».

Segundo Marlene Veloso, o caso que ainda hoje recorda, aconteceu há mais de uma década. «Lembro-me de uma criança com 4 ou 5 anos, que caiu de um segundo andar e estava inconsciente. Talvez essa situação me tenha marcado mais porque o cenário, em termos visuais, foi muito dramático, apesar de ter feito uma preparação mental até à chegada da vítima. A criança estava gravemente ferida, mas conseguiu sobreviver, o que era quase impossível», recorda.

Para Marlene, o colega que estava com ela naquela ocorrência teve um papel fundamental. «Ele foi extremamente tranquilo e assertivo comigo e ajudou a que ambos lidássemos com a situação. Este é um trabalho de equipa e o nosso estado de espírito emocional e profissional depende muito da pessoa com quem estamos nesses momentos», sublinha. Nádia Lopes tem a memória ainda fresca. «No ano passado socorri um recém-nascido com uma paragem cardio-respiratória».

Jorge Laranjeiro é filho de pais imigrantes e nasceu na Venezuela, veio para Portugal e começou logo em 2004 a desenvolver funções como técnico de emergência pré-hospitalar no INEM de Faro.

A história que recorda ao «barlavento» envolve também um menor. «Era um rapaz com 12 anos que tinha sido atropelado por um comboio. O pai perguntou-me o que se tinha passado e eu não soube responder. Marcou-me muito porque tinha um filho naquela altura com a mesma idade». Apesar disto, Jorge caracteriza a sua profissão como «um estilo de vida, paixão e altruísmo».

Aprender Suporte Básico de Vida «deveria ser obrigatório» nas escolas

Carlos Baptista, técnico de emergência pré-hospitalar há 15 anos explicou ao «barlavento» que o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) considera que as comemorações do aniversário, abertas ao público, fazem sentido, uma vez que «todos os dias damos um bocadinho de nós à comunidade. Por isso, estamos aqui dispostos a ajudar e a transmitir conhecimento naquilo que é a salvaguarda da vida humana», sublinhou.

Segundo referiu ao «barlavento», «90 por cento das paragens cardio-respiratórias ocorrem em ambiente não hospitalar» e por isso, acredita que «nas escolas, deviam-se formar as crianças, logo desde o primeiro ciclo, a saberem como agir em casos de emergência. Conheço alguns modelos na Europa, em que os alunos têm contacto com manobras de reanimação logo no primeiro ano. À medida que vão progredindo na escola, aprendem mais técnicas. Qualquer criança pode saber Suporte Básico de Vida, porque salvar uma vida pode ser iniciativa de qualquer pessoa que tenha esse conhecimento».

Também Nádia Lopes, de 31 anos e técnica do INEM há 10, concorda com o colega. «Deveria ser uma formação obrigatória. Às vezes, há movimentos simples, como virar uma pessoa de lado, que podem salvar uma vida». Por fim, Jorge Loureiro, técnico de emergência pré-hospitalar da base do INEM, em Faro, desde 2004 corrobora ambas as opiniões.

«Um pequeno gesto faz a diferença entre a vida e a morte e penso que a população deveria ser educada, desde idade precoce. Até porque as coisas acontecem quando menos se espera».

Técnicos polivalentes

De acordo com Carlos Baptista, «antigamente a formação dividia as pessoas em dois grupos: técnicos operadores de telecomunicações, que tinham a função de atender e encaminhar as chamadas 112, e técnicos de emergência das ambulâncias. A nova carreira do INEM veio uniformizar essas duas posições. Ou seja, agora todos nós somos técnicos de emergência pré-hospitalar com a valência de operador de telecomunicações», informa.

«O curso em si tem 210 horas. Cabe ao INEM a formação contínua e protocolos de formação, que totalizam as 400 horas. As valências são muito ecléticas, vão desde condução defensiva, a Suporte Básico de Vida e assistência ao parto. A escolha é feita por profissionais, que reúnem com a própria Ordem dos Médicos, para decidirem o calendário formativo dos técnicos de emergência». Para Carlos Baptista as mudanças foram positivas.

«Acho que o sistema está muito melhor. A rede de transporte pré-hospitalar foi muito bem elaborada. O INEM deu a oportunidade às pessoas de terem um socorro digno com técnicos vocacionados, treinados e devidamente formados para esse efeito».

A evolução dos meios de socorro, antes e depois de 2004

A primeira Ambulância de Emergência Médica (AEM) do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) chegou a Faro em 2004. Antes disso, o INEM apenas tinha os parceiros do Sistema Integrado de Emergência Médica (SIEM), na altura, os Bombeiros Municipais de Faro, que na sua base possuíam um posto de emergência dado pelo INEM.

Hoje, a base da AEM de Faro fica no Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA) e possui «uma ambulância de emergência médica, ambulância de emergência pediátrica e uma viatura de catástrofes. Esta última está equipada com um hospital de campanha, gerador próprio e uma central de emergência com comunicações nacionais e internacionais. Fora isso, existem outras duas viaturas de suporte intermédio, um carro e uma mota, que apenas são acionadas quando necessário», contabiliza o técnico. No que toca aos recursos humanos, a base de Faro, atualmente possui 13 técnicos de emergência pré-hospitalar.

10 ocorrências por dia, via 112

«Trabalhamos oito horas em turnos de 24, ou seja, das 8h00 às 16h00, das 16h00 às 00h00 e das 00h00 às 8h00. Desde que entramos ao serviço, o telefone não para de tocar. Por dia, em média, são feitas 10 saídas por turno, ou seja, temos 10 ocorrências», contabiliza Carlos Baptista, técnico de emergência pré-hospitalar em Faro desde 2004.

Segundo conta ao «barlavento», a gestão do 112 tem vindo a sofrer alterações. «No início funcionava tudo por telemóvel. Com o avançar das tecnologias, o INEM recebe a chamada, cai posteriormente na PSP e cabe àquela entidade transferi-la para o nosso Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU). Nesse momento, os colegas fazem a triagem para perceberem o que se passa. A localização é a primeira coisa em questão. Independentemente de o operador continuar a fazer perguntas para perceber mais detalhes, já uma viatura de emergência vai a caminho. Essa decisão cabe ao médico regulador, que determina todos os serviços de emergência médica em Portugal. Os técnicos, que se encontram já na viatura a caminho da ocorrência, recebem toda a informação da triagem e da vítima num tablet. Depois, com o resto das perguntas do operador, determina-se se são precisos mais meios de socorro».

Questionado sobre as ocorrências nas ilhas-barreira da Ria Formosa, Carlos Batista explica o processo. «Vamos muito ao núcleo do Farol, na Ilha da Culatra e também à Deserta. Quem nos transporta é a Autoridade Marítima Nacional com meios do Instituto de Socorros a Náufragos (ISN). É uma coordenação de meios».