Vice-presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE), Hugo Vieira, defende Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) mais atento às necessidades das empresas.
barlavento: O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) está a chegar à empresas?
Hugo Vieira: Nao, não está a chegar às empresas. Desde o início que dizemos que o PRR pode ser uma bazuka efetivamente importante ou uma mão cheia de nada. No âmbito nacional, até ao final de novembro, chegaram, sobretudo às grandes empresas, cerca de 44 milhões de euros. Um dos problemas é a demasiada burocracia. O outro problema tem a ver com o nosso tecido económico. Estamos a falar de Pequenas e Médias Empresas (PME) cuja capacidade de assegurarem uma candidatura não é viável. O PRR, e bem, tem uma estratégia que não estou a condenar, mas que é sobretudo direcionada para a transição digital, para a transição energética e para a transição de modelos de negócio. Muitas destas empresas, simplesmente não estão preparadas para isso. Não é esse hoje o seu foco. E por isso, o PRR não está a ser utilizado.
E no caso do associativismo empresarial?
O PRR não apoia a recuperação do Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA) e os recursos humanos têm de ser dedicados aos projetos candidatados. Se eu, enquanto empresário, não posso alocar os recursos que já tenho, qual é a vantagem de fazer uma candidatura? O PRR pode ser um grande instrumento de apoio, mas até agora, os avisos que têm saído são muito tipificados e por isso não está a chegar às empresas. É um problema que terá de se resolver em 2023.
Que dizem os vossos sócios?
Dizem que o PRR está desajustado da nossa realidade. Na verdade, não temos instrumentos de apoio às empresas. As PME não têm condições técnicas para fazer candidaturas. E se têm de recorrer a entidades externas, qual é o benefício? O PRR é um pouco como os quadros comunitários. Fica de fora quem não tem know-how interno para fazer as candidaturas e para submeter as ordens de pagamento.
Não devem as entidades associativas como a ANJE prestar esse apoio?
É uma grande discussão. Será que ao fazermos isso não estamos a desvirtuar o mercado? A fazer concorrência às empresas que prestam esses serviços? Nós já prestamos consultadoria, fazemos uma análise inicial às intenções das empresas, ajudamos a perceber a que fundos podem concorrer e dirigimo-las a quem faz as candidaturas em condições especiais para os nossos associados. Esse é o trabalho que, pessoalmente, acho que as associações empresariais devem fazer. Penso que devem juntar empresas, oportunidades de negócio, eventos para fazer levantamento de capital e tirar partido de todo esse networking. Acho que o mercado deve regular-se e acho que não devemos entrar em concorrência direta com associados que prestam esse tipo de serviços.
Então, como poderá o PRR chegar às empresas?
O processo dos avisos tem de ser ajustado. Os avisos têm de estar ativos, sempre. Tem de haver uma call sempre ativa. Não deveria haver slots de tempo em termos de períodos de candidatura. Seria também importante que as linhas orientadoras para os próximos novos avisos fossem mais claras sobre que tipos de empresas e que projetos se podem candidatar. Acho que têm de ser mais abrangentes e de olhar melhor para aquilo que é o nosso tecido empresarial.
O que seria desejável que o PRR desse oportunidade?
Não sei se ainda é possível, porque tudo isto foi negociado com uma visão, em Bruxelas, mas o que a generalidade das empresas quer é ter capacidade de olhar para o mercado global e vender mais. Há ainda outro problema. Há dias falava com um hoteleiro que me questionou: para quê concorrer ao PRR se já fiz um projeto para eficiência energética? Ou seja, o PRR entra em conflito com os objetivos de fundos europeus anteriores?
Nalguns casos, sim. Isso é notório na hotelaria. Houve empresas que já reduziram os consumos de energia e de água há dois anos. E, por isso, não vão recorrer. Acho que há uma necessidade urgente de haver uma estrutura de missão, na altura chamámos de task force, ao exemplo do que aconteceu com as vacinas da COVID-19, para o PRR. Falámos sobre isto ao governo.
Mas há uma brecha?
Em janeiro, a StartUP Portugal – Apoios ao Empreendedorismo, da qual a ANJE faz parte, vai lançar em janeiro uma call para a possibilidade das novas empresas poderem recorrer a uma linha de apoio do PRR. Foi anunciado no início de novembro, no Web Summit, em Lisboa. É uma brecha. Mas só em burocracia, estamos a falar de meses até que as empresas possam pensar em candidatar-se. Primeiro, é esperar pela publicação do aviso que tem de ser carregado na plataforma do balcão único, que demora três meses.
E não é assim que tudo isto funciona?
É, mas não devia. Cabe-nos dizer, enquanto associação, que a burocracia em Portugal é um dos fatores que levam as empresas a sair do país. Hoje já criamos uma empresa na hora, mas daí para a frente, tudo é uma dificuldade. O processo que se segue é todo muito lento, sobretudo se quiser recorrer a fundos. Costumo dar este exemplo: uma empresa de tecnologia decide candidatar-se a uma call que está aberta durante dois meses. Faz o projeto e segue para a análise. Ao fim de oito meses, se tiver sorte, assina o contrato. Ora, decorrido esse prazo, a tecnologia à qual se candidatou já está obsoleta. Isto não pode continuar a acontecer. Os processos têm de ser mais ágeis.
Isso vai acontecer com o aviso da StartUP Portugal?
Espero que não. Já temos uma equipa de consultores contratada, em outsourcing, para tentarmos que o processo seja mais rápido. Mas na realidade, temos de passar pelas várias fases do processo…
Vamos falar do próximo quatro 2030, no qual a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve tem estado muito focada. Qual a vossa expetativa?
Honestamente, face aos últimos quadros comunitários, acho que estão todos numa linha muito semelhante e acho que isso dá estabilidade à região e uma perspectiva de evolução. Temos uma questão importante, que é o facto de o Algarve estar, desde 2007, em Phasing Out do chamado Objetivo de Convergência da União Europeia. Isso cria dificuldades estruturais no acesso a fundos e na taxa de cofinanciamento dos fundos. Penso que este novo quadro não é diferente e que se está a fazer o melhor trabalho possível em perceber as brechas, que tipo de fundos podemos recorrer e qual a capacidade a acesso aos mesmos. Penso que não será muito diferente do anterior. Isso significa que as empresas do Algarve devem olhar para candidaturas específicas a nível europeu, para outros programas, para colmatar algumas deficiências que o 2030 possa vir a ter.
Como assim?
Há quadros específicos para as artes, para a ciência e tecnologia, para a inovação e conhecimento, geridos diretamente pela União Europeia, com candidaturas diretamente a Bruxelas, das quais podemos recorrer. E, tipicamente, não o fazemos, porque é preciso as empresas associarem-se em consórcios. E porque são candidaturas mais difíceis em termos de procedimentos. Mas acho que é um caminho que teremos de trilhar. Não é não deixar de apostar nos programas operacionais regionais, que serão quase 1000 milhões de euros. Ao invés, é olhar para outras possibilidades. Porque, infelizmente, o 2030 terá lacunas devido a esta questão de região em Phasing Out. E depois há outros aspetos. É preciso que os fundos regionais tenham uma importância global e isso passa pela estratégia a implementar. Sabemos que a maior parte destes fundos vai para entidades públicas. Se calhar, no passado não fui muito a favor da regionalização, mas hoje penso que é preciso ter uma estratégia regional em mecanismos de apoio como estes. Daquilo que tenho absorvido lá fora, nós, tendo um governo regional, com automomia, com estratégia e com capacidade de implementação, podemos ter um benefício enorme na diversificação da nossa economia.
Então, considera que o 2030 será dirigido sobretudo a autarquias e entidades públicas?
Sim. Da análise global que uma entidade externa nos fez, as associações são quem ficará menos beneficiado. O próximo quadro está mais dirigido a entidades públicas e privadas. O associativismo poderá perder alguma capacidade e alguma base para os seus projetos. O caminho é realizar ações conjuntas entre associações, empresas e associações, que têm um défice de execução porque, por norma, as empresas só conseguem ter 50 por cento de elegibilidade das despesas. E como tal, preferem fazer uma candidatura única ao invés de entrar numa sinergia. Temos vários exemplos disso nas missões empresariais. Acho que no 2030, isso poderá ser uma dificuldade.
Na sua opinião, porque não temos mais relações empresarias com os vizinhos da Andaluzia?
Se nós Algarve, em termos de mercado, olharmos para a Andaluzia, é igual a olharmos para Portugal. A dificuldade está muito na questão aduaneira. O regime de IVA é diferente, a prestação de serviços é diferente. Um desafio que não está feito, é como é que as empresas que queiram abrir uma sucursal em Málaga ou Sevilha, o podem fazer. Se calhar, as associações ou grupos empresariais poderiam ajudar. É um trabalho que está por fazer. Como é que se pode exportar? Como é o processo de desalfandegamento? O idioma talvez também não ajude. Para nós, isso não é um problema, mas para os espanhóis, a questão linguística é uma barreira.
Se não conseguimos com Espanha, como vamos conseguir atrair empresários do Brasil, no outro lado do Atlântico?
O Brasil olha para nós como uma porta de entrada para a Europa. A recente missão, decorrida no âmbito do projeto Restart, foi realizada pela ANJE, pelo NERA – Associação Empresarial da Região do Algarve e pelo Divisão de Empreendedorismo e Transferência de Tecnologia (CRIA) da Universidade do Algarve (UAlg) e o município de Faro. Foi uma possibilidade de haver intercâmbio entre várias entidades. O Brasil é um dos ecossistemas mais interessantes em termos de empreededorismo. A UAlg é, a nível nacional, a primeira do ranking com mais alunos estrangeiros a fazer formação inicial, sendo mais de 60 por cento, estudantes brasileiros. A cidade de Florianópolis, onde estivemos, tem 450 mil habitantes. Há 15 anos, o primeiro sector de atividade era o turismo. Hoje, é o quarto. Desde então, apostaram no desenvolvimento tecnológico, na atração de startups e na captação e fixação de recursos humanos especializados. Dentro da ilha, proibiram a indústria em prol da conservação da natureza. Ou seja, estamos a olhar para uma região muito semelhante ao Algarve e ao que pode ser o futuro.
Incubadora de empresas vai mudar de instalações
Em breve, a delegação de Faro da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE) vai deixar as instalações, entretanto adquiridas pela Câmara Municipal de Faro, por outras mais adaptadas às atuais necessidades, na Praceta Azedo Gneco, que vão ser alvo de obras de adaptação. A ANJE tem, em conjunto com a Universidade do Algarve (UAlg), reforçado, através de várias iniciativas, a rede de incubação na região. O objetivo tem sido acelerar as empresas incubadas e dar novas ferramentas aos empresários.
«Temos 6500 associados em todo o país, dos quais cerca de 800 no Algarve, em quatro níveis: pessoas com intenção de criar negócios, os chamados aderentes, que passam sócios efetivos logo que tenham algum tipo de atividade», por norma, empresários em nome individual, diz o vice-presidente Hugo Vieira. «Temos os arcanjos, sócios com mais de 41 anos, mas que face à idade querem continuar a ter proximidade com a associação. E temos uma nova categoria, os sócios empresariais e corporativos», que ajudam a financiar a entidade. Estes últimos, não têm poder de decisão nem direito de voto nas assembleias «para não desvirtuar a essência» da ANJE. Têm, no entanto, acesso a outros benefícios, à rede de eventos e serviços, como as formações e pós-graduações em condições vantajosas.
Ecossistema regional é essencial
Hugo Vieira, vice-presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE) não esconde que a instituição passou «uma fase difícil» ao longo dos últimos seis anos. «A anterior direção distanciou-se de muitas entidades e isso fez com que tivessemos necessidade de as restablecer, muitas delas importantes para o ecossistema empreendedor. Foi um caminho dificíl porque a situação financeira não era muito boa. Conseguimos recuperar a credibilidade e quando isso acontece, entra a pandemia. Diria que hoje a associação está bem e tem uma estratégia mais abrangente», diz. «No Algarve, temos de olhar para as outras associações como parceiras e não como concorrentes. Temos a necessidade de criar um ecossistema regional e olhar para o Algarve como um todo».
Empresários debatem crise económica em Loulé
O NERA – Associação Empresarial da Região do Algarve realizará na sexta-feira, dia 16 de dezembro, às 16h00, nas suas instalações em Loulé, uma sessão dedicada ao tema «Resposta dos Empresários aos Novos Desafios da Crise Económica». Apesar dos sinais de evolução positiva dos últimos trimestres, são muitos os fatores de incerteza que permanecem, não só na evolução no campo económico (inflação, taxas de juro, riscos de recessão), como pela continuidade da Guerra na Ucrânia, sem fim à vista.
«Os empresários do Algarve, do turismo e dos outros sectores, conhecem por experiência direta os efeitos da crise e não podem deixar de olhar com preocupação para a evolução do quadro económico nos próximos meses e em particular para 2023».
Para refletir sobre estas questões, o NERA convidou para esta iniciativa de reflexão e debate os oradores António Saraiva, presidente da CIP – Confederação Empresarial de Portugal e o economista professor João Costa Pinto. A sessão tem entrada livre e contará também com a participação de responsáveis das instituições regionais e das associações empresariais da região.