Só entre Faro, Olhão e São Brás de Alportel estão sinalizados 914 seniores no programa «Idosos em Segurança» da secção de Prevenção Criminal e Policiamento Comunitário do Destacamento Territorial da Guarda Nacional Republicana (GNR). A presença regular dos militares é uma ajuda para muitos.
Maria tem 85 anos e vive com o irmão de 62 anos, as galinhas, cães e gatos em plena serra do barrocal algarvio. Pouco ouve, mas assim que se apercebeu que o carro da GNR estava a chegar, abriu o portão para cumprimentar a patrulha. Queria oferecer-lhes uma cesta com ovos.
E, enquanto conversava com o Cabo Palma, gestor do programa «Idosos em Segurança» do Destacamento Territorial de Faro da GNR, quis deixar claro que não tencionava ir para um lar, mesmo passando o Natal sozinha em sua casa, a vários quilómetros da residência mais próxima. «É uma joia esta senhora», descreve o militar. Foi a primeira visita do dia, que o barlavento acompanhou, todas no interior do concelho de São Brás de Alportel.
O programa nacional já não é novo. O Cabo Palma está presente desde o início e há quase 11 anos que acompanha os idosos sinalizados pelo Destacamento Territorial de Faro, que além de abranger parte do concelho farense, engloba também os vizinhos Olhão e São Brás de Alportel.
Na capital algarvia estão registadas 416 sinalizações, 286 em Olhão e 212 em São Brás, divididas em três categorias: idosos isolados, idosos sozinhos e idosos isolados e sozinhos. Foi com o objetivo de conseguirem estar mais próximos destas pessoas que a GNR criou a secção de Prevenção Criminal e Policiamento Comunitário, que todos os dias presta visitas domiciliárias a esta população.
Em Faro, a secção é composta por cinco militares que possuem apenas um propósito: garantir que os mais vulneráveis se sintam e estejam em segurança. Uma missão que que precisa de um perfil peculiar.
«Para se trabalhar nestes programas especiais é preciso gostar de conversar e conseguir compreender o outro. Temos de nos familiarizar com o cidadão e temos de conseguir compreender a outra parte porque aqui na GNR encontramos de tudo no dia a dia, sobretudo o inimaginável. Com os idosos é necessário compreender e respeitar a sua forma de viver. É preciso aceitar aquele não que dizem à ajuda que estamos a oferecer, mas que com certeza aquele cidadão precisa, apesar de a recusar. Não basta ser humano, é preciso ser o humano certo para estar a desempenhar esta função. E isso não se ensina, tem que se ter vocação», descreve o Cabo Palma.
Mais. É preciso ter capacidade para lidar com uma realidade que nem sempre é fácil.
«Às vezes até choro porque me comovo com a situação, mas com o passar do tempo e a experiência, aprendemos a defender-nos. No início, passava muitas noites sem dormir a pensar em estratégias. Isso mexia comigo e tive de aprender a aceitar a forma de viver das pessoas e que tinha de a respeitar», admite.
Ainda assim, a maior recompensa, «são os sorrisos. Ganho o dia quando isso acontece. A ligação que se cria com estas pessoas é inexplicável. Ao longo dos anos vai-se conseguindo ler a pessoa só pelo olhar», garante o militar.
O Alferes Teixeira completa. «Todos os militares da GNR têm de ter sensibilidade para lidar com os mais diversos assuntos e não tenho dúvidas que têm. Mas há aqueles que têm um pouco mais de sensibilidade. E depois o próprio gosto pessoal. O Cabo Palma e os outros militares da secção têm um gosto particular por este tipo de trabalho. Muitas vezes, sem terem formação técnica especializada, os militares têm de ser médicos, enfermeiros, psicólogos. Não estou a dizer que o somos. O que quero dizer é que nós, enquanto pessoas que dão a primeira resposta e chegam em primeiro lugar ao local, temos de dar um apoio quase multidisciplinar» em todo o tipo de cenários, muitas vezes, inesperados.
Mesmo com todas as dificuldades, para o Cabo Palma, o seu dia a dia é «fabuloso e digo-o do fundo do coração. Nunca mais me esqueço da pergunta que me foi feita quando me inscrevi para ingressar na GNR. Questionaram-me, em 1999, o porquê de querer ser guarda? Hoje mantenho a resposta que dei: para ajudar o povo. É onde me sinto bem e às vezes até fico triste porque não consigo fazer mais, mas temos 914 idosos. Por mais que queira, não é possível».
A maior preocupação destes militares é garantir que os idosos, sobretudo os mais vulneráveis, dada a sua idade e estado de saúde, estão em segurança e não se deixam envolver em burlas, roubos ou contos do vigário.
«Além de os visitarmos, de vermos se estão bem e se precisam de algo, damos-lhes alguma informação sobre esses assuntos porque como estão isolados, são alvos apetecíveis. Vamos chamando a atenção. Há burlões que se fazem passar por indivíduos da Segurança Social, dos CTT, da EDP e até por funcionários de bancos.
Essa é a nossa maior preocupação. É nesse sentido que são feitas, com regularidade, ações de sensibilização, além do patrulhamento e desse policiamento de proximidade», explicita o Cabo Palma. Mas não são as burlas que mais incomodam Idalina. É mesmo o sentimento de solidão, que é aliviado com as visitas regulares dos militares.
«Eu não tenho medo dessas coisas. Só gosto é que os guardas venham cá falar comigo porque é disso que sinto mais falta. Eles têm muito bom jeito para falar connosco e gosto muito que venham cá», relata ao barlavento.
Questionada sobre a sua idade, reponde em jeito de brincadeira: «faça lá uma ideia, nasci em 1935». Sempre foi doméstica e tem dois filhos. «Um vive em Almancil. Outro em São Brás. Querem que eu vá morar com eles, mas eu não quero ir porque aqui estou na minha casa», diz ao parapeito da varanda, enquanto observa o Cabo Palma e o alferes Teixeira a regressarem ao carro.
«Para muitos destes idosos, as únicas pessoas que têm para conversar são os militares da GNR. Passam muito tempo sozinhos e muitos dias sem falar com ninguém. Por isso a importância deste trabalho ser enorme», opina o gestor do programa.
O colega alferes concorda. «No fundo, trata-se de fazermos com que estas pessoas se sintam um bocadinho menos sozinhas. Fazer com que sintam que alguém se preocupa com eles. Se o conseguirmos, já é uma vitória. Estas pessoas viveram um período em que a GNR não tinha este contacto e onde a realidade do isolamento não era assim. A grande vantagem do nosso trabalho e a mais-valia é o apoio que lhes damos», diz.
O dia termina com a visita a Manuel que se aquecia à fogueira com uma vizinha. O tempo com os militares é passado a contar histórias da sua vida. Era agricultor e trabalhava com a cortiça. «Quantos anos tenho? Não sei, são 90 e alguma coisa», estima. Viveu naquela habitação toda a vida e é lá que irá passar o Natal.
O Alferes Teixeira pergunta-lhe se precisa de alguma coisa. «Só de saúde», responde. Quanto ao trabalho dos militares, Manuel mostrou-se agradecido «Então não hei de querer que cá venham? Deus queira que por bem continuem a vir porque isto é como ter um fato de cabras, se não se olhar por elas, elas fogem e corroem tudo. Há tantos indivíduos a roubar coisas. Sei bem o que é, todos os dias vêm três ou quatro aqui escondidos apanhar medronhos. Se não fossem os militares queria ver…»
Trabalho com peso «enorme na qualidade de vida dos idosos»
Para o Coronel Oliveira, comandante do Comando Territorial de Faro, da Guarda Nacional Republicana (GNR), o programa «Idosos em Segurança», é «um trabalho pouco divulgado, mas que tem um peso enorme na qualidade de vida desta população. Nem sempre é preciso ir ao local. Às vezes, basta um telefonema para nos dizerem como estão e se necessitam de algo. Outros, no entanto, precisam mesmo das nossas visitas. Enquanto estamos a deslocar-nos para visitar uns, estamos a ligar a outros. Depois vamos gerindo as visitas porque é importante para eles a nossa presença. Muitas vezes, não têm mais ninguém com quem falar e somos as únicas pessoas com quem têm oportunidade de conversar. Não podemos ir a todos ao mesmo tempo, por isso, tentamos perceber quem está mais vulnerável, quem precisa de ajuda mais rápida, qual o caso mais crítico. Todos já conhecem muito bem a equipa. Já são quase como família. Conhecem as histórias, quais os problemas, onde estão os familiares. É todo um conhecimento e um estabelecer de ligações» com os idosos.
Câmara de São Brás de Alportel destaca-se pela ação social
Durante o confinamento forçado pela pandemia de COVID-19, a Guarda Nacional Republicana (GNR) uniu forças com os alunos do 5º ano do Mestrado Integrado em Medicina da Universidade do Algarve (UAlg).
«Uma vez que as aulas estavam paradas, fizemos algumas ações conjuntas. Acompanharam-nos nas visitas, o que permitiu aos alunos organizarem os medicamentos dos idosos. Por norma, eram os familiares que iam às suas casas aos fins de semana e organizavam-lhes a forma de tomar a medicação. Com o tempo, os idosos foram- -se baralhando e chegou a um ponto que já não sabiam o que tinham de tomar e o que lhes faltava. Foi aí que os alunos ajudaram. Foi muito interessante. Depois, nós, com o apoio da Segurança Social, comprámos os remédios necessários. Foi importantíssima essa ajuda», sublinha ao barlavento o Coronel Oliveira, comandante do Comando Territorial de Faro da GNR.
Segundo o Cabo Palma, que lida diariamente com esta população, «nota-se que com a pandemia a sua rotina mudou. Alguns dizem que vão passar o Natal sozinhos e sentem tristeza, outros demonstram que têm consciência desta realidade. O que sinto, é que na sua maioria, as pessoas dentro da sua tristeza, entendem os motivos. Para mim, o que sinto mais falta são os beijinhos e os abraços» que davam aos militares.
Na opinião do Cabo Palma, gestor do programa «Idosos em Segurança», da secção Prevenção Criminal e Policiamento Comunitário do Destacamento Territorial de Faro da Guarda Nacional Republicana (GNR), «as entidades locais com que temos elos de ligação são as nossas grandes aliadas no sentido de resolver os problemas de cada um. Nada se conseguiria resolver se não fossem as câmaras municipais, através dos gabinetes de ação social. Quando sinalizamos uma determinada situação, reportamo-la de imediato ao município. Em São Brás de Alportel, por exemplo, temos reuniões mensais com a autarquia, Centro de Saúde, Santa Casa da Misericórdia e Segurança Social. Dentro deste grupo de trabalho debatemos os casos para chegar à melhor forma de resolução. Sinto que cada vez mais há uma sensibilidade por parte dos municípios que têm vindo a dar grande prioridade a esta questão».
Para o Coronel Oliveira, comandante do Comando Territorial de Faro da GNR, há ainda a destacar a forte parceria com a Cruz Vermelha Portuguesa. «Sobretudo no Sotavento onde temos vindo a organizar giros complementares ao nosso serviço. Tem corrido de uma forma bastante positiva. Em relação às autarquias, como já tínhamos feito o levantamento dos idosos, juntaram-se a nós e temos trabalhado em parceria. Há umas mais proativas , outras menos, mas o que importa é que estamos a chegar a quem realmente se precisa».