Ferox Surfboards cria pranchas exclusivas para surf adaptado

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Ferox Surfboards, marca de São Brás de Alportel, criou um design que pode ser usado por qualquer pessoa com necessidades especiais ou limitações físicas.

Numa antiga fábrica de cortiça, em pleno barrocal algarvio, Octávio Lourenço, 45 anos, especializou-se na criação e fabrico de pranchas de surf por medida e de elevada qualidade.

A marca Ferox Surfboards é já bem conhecida nos circuitos da modalidade. É a eleita, por exemplo, do surfista profissional algarvio Alex Botelho em provas na Nazaré, África e até no Havai.

Apesar da pandemia, Lourenço foi contactado por Nuno Vitorino, o quarto melhor atleta de surf adaptado do mundo e fundador da SURFaddict – Associação Portuguesa de Surf Adaptado.

Isto porque o surfista tinha sido desafiado pela marca de café Buondi para produzir duas pranchas ecológicas.

Foi assim que Alex Botelho, Nuno Vitorino e Octávio Lourenço se juntaram para criar algo único. Além dessa vertente ambientalista, as pranchas podem ser usadas por qualquer pessoa com necessidades especiais.

«A preocupação foi a de criar um produto, a nível de design e função, que permitisse a pessoas com algum tipo de problema ou limitação física, usufruírem do desporto. Apesar de o surf adaptado já existir, o que acontece é que têm sido as pessoas a adaptarem-se às tábuas. Personalizam-se pranchas de outras modalidades e colocam-se algumas peças. Ou seja, não são materiais desenhados para essa função do surf adaptado. Houve até quem já tivesse colocado cadeiras fixas em pranchas de stand up paddle (sup). Agora pranchas para surf adaptado, desenhadas de raiz para essa função específica, não tenho conhecimento e foi por aí que começámos», revela ao barlavento, o criador da Ferox.

O foco principal foi desenhar uma prancha apta a abranger qualquer tipo de limitação. «Fosse cegueira, paralisia localizada, amputação, ou qualquer outra», explicita Octávio Lourenço.

Nasceram assim as duas primeiras pranchas, uma de sete pés e outra de oito pés, que «em nada se assemelham às pranchas tradicionais. Estas estão desenhadas para levar o monitor e o desportista, que tanto podem estar em pé ou deitados.

Por exemplo, no caso de uma pessoa cega, será o monitor a controlar a prancha e ambos a usufruírem das ondas». Tudo isto foi criado com a ajuda de Alex Botelho, incluindo até o ingrediente secreto.

«Usámos nestas pranchas o mesmo conceito que usamos nas que enfrentam as ondas grandes da Nazaré. Tem a ver com o fundo. Quando um surfista começa a remar, a tábua levanta, a onda apanha-se com facilidade e ao mesmo tempo consegue um equilíbrio de sucção em que a prancha está colada à água. São tábuas muito robustas. Esse é um dos grandes segredos que o Alex levou algum tempo a desenvolver», revela.

Outro dos grandes desafios da equipa foi a escolha dos materiais, que teriam de ter uma componente de sustentabilidade ambiental. O que não é, de todo, tarefa fácil.

Octávio Lourenço explica porquê. «O uso de materiais mais ecológicos resulta, por norma, em peças mais mais pesadas. No surf, tentamos sempre reduzir peso, embora a matéria-prima também tenha de ser robusta porque é preciso encontrar um equilíbrio entre leveza e robustez». A cortiça poderia ser uma hipótese, ou não estivesse a Ferox em São Brás de Alportel. No entanto, não foi possível, devido às complicações resultantes da pandemia, arranjar a quantidade necessária.

«A verdade é que queríamos utilizar metodologias, técnicas e materiais antigos. Recorremos a esferovite reciclado, com várias camadas de linho, serapilheira e resinas com base não petróleo».

«Nos pigmentos de cor usámos a terra e a cal. Tudo com o intuito de usar materiais naturais, dentro dos padrões que a indústria consegue executar», aponta. A sustentabilidade não é uma preocupação recente da marca, que está certificada. Não se produzem resíduos na oficina e aqueles que existem, são reciclados.

O desafio resultou em duas pranchas que, na opinião do responsável, têm um modelo e conceção que as tornam pioneiras no mundo. Foram apresentadas, pela primeira vez, na terceira edição da Buondi Surf Sessions, no dia 27 de agosto, na Praia de Matosinhos.

Encomendas de todo o mundo

A prancha de surf moderna é um objeto leve, resistente e flexível. Mas não basta deslizar bem nas ondas. Se possível, deve adaptar-se ao estilo e à experiência do surfista e ter uma imagem personalizada. Construir estes objetos é um processo delicado e complexo. Uma curiosidade é que os cálculos são feitos em polegadas, segundo as normas americanas. Ferramentas como plainas, réguas, esquadros e lixadeiras são importadas dos Estados Unidos da América. À arte de construir artesanalmente as pranchas dá-se o nome de «shapear» (neologismo importado do verbo inglês to shape, que significa dar forma).

Lourenço prefere trabalhar com resinas e materiais de alta tecnologia. Tudo é feito à mão, desde a moldagem aos acabamentos, à pintura em aerógrafo. Não admira por isso que Ferox Surfboards seja hoje a preferida de muitos atletas, que se deslocam de todo o país e até do mundo, para pedirem a Octávio Lourenço as suas pranchas de sonho.

Há encomendas de todas as idades, «desde adolescentes com ideias muito engraçadas e muito específicas» aos profissionais da modalidade. «Tentamos concretizar tudo. Já tive um rapaz norueguês que me pediu uma prancha com um bacalhau desenhado dentro da bandeira da Noruega. Um dia fiz uma truta cuja cauda era uma borboleta. Já me pediram a Mona Lisa e até Picasso. Encaro essas coisas malucas como desafios, mas há grande um trabalho em perceber o que é que cada pessoa procura. Tentamos sempre superar as expetativas. Esse é o nosso critério», garante.

«Os clientes gostam de ver o fabrico. Querem seguir a evolução da prancha e tirar fotografias. Não me incomoda. É uma mais-valia, pois a ideia é que tenham oportunidade de acompanhar todo o processo», diz. A fábrica é também ponto de encontro para amigos e amantes deste desporto de culto, que tem um vocabulário visual, roupas e códigos muito próprios. Octávio Lourenço conta a história de um americano, hoje amigo, que merece ser partilhada.

«Ele trabalhava no Aeroporto de Faro e agora é residente no Algarve. A primeira vez que cá veio trouxe pranchas muito boas de grandes marcas. Começou por vir aqui repará-las. Estava muito satisfeito com o material que tinha. Mas ficou curioso e quis experimentar uma das nossas tábuas. Foi aí que percebeu o quão errado estava em surfar com aquele equipamento que não se adequava ao nosso meio. O engraçado é que hoje em dia só tem as nossas pranchas. Diz que mesmo fora de Portugal, funcionam de forma irrepreensível. Ficou rendido!».

Os preços da Ferox começam nos 400 euros e há vários modelos à escolha, sendo que a marca opta por não fazer exportações.

Antiga corticeira vai ser museu

Octávio Lourenço é natural de São Brás de Alportel e apesar de só ter começado a praticar surf com 20 anos, no final do curso de Artes Plásticas escolheu a prancha de surf como objeto de arte, em 1995. Nasceu assim a marca Ferox Surfboards, que é hoje a escolha de muitos atletas da modalidade, como o big rider de Lagos, Alex Botelho. A sua oficina foi em tempos uma corticeira que agora pretende restaurar.

«Queremos manter as caraterísticas da identidade deste espaço e como deixamos que as pessoas venham ver o nosso trabalho e como o fazemos, vamos transformar isto numa fábrica-museu. Ainda tenho a caldeira de cobre onde se cozia a cortiça e a prensa. Vamos organizar tours e otimizar este lugar para que as pessoas percebam a cultura local. Tudo isto ligado ao surf, à história da modalidade e à nossa identidade. Vamos ter exposição de pranchas, fotografias, os nossos modelos, entre outras curiosidades», revela.

Questionado também sobre quando poderá inaugurar o espaço renovado, Octávio Lourenço afirma que será, «em princípio» ainda durante o ano de 2020.