Programa Crescimento Azul EEA Grants Portugal financia formação em geociências costeiras e marinhas em Tavira até abril de 2024.
O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), em parceria com a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), Centro Ciência Viva de Tavira (CCVT) e a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), está a avançar com o projeto «EDUCOAST – Uma Estação de Investigação em Geociências Costeiras para a promoção da educação baseada na natureza», iniciativa que ganhou o financiamento do Programa Crescimento Azul EEA Grants Portugal, na área da Educação.
O projeto, que conta com cerca de 225 mil euros, terá como epicentro a Estação Experimental de Moluscicultura de Tavira e vai durar até abril de 2024.
Teresa Drago, da Divisão de Geologia e Georecursos Marinhos do IPMA e responsável pelo projeto, explica ao barlavento que «vamos estender a investigação que fazemos a vários graus de ensino», através de várias atividades pedagógicas. Todas terão como mote «meter as mãos na massa», ou melhor, no terreno.
«Temos aqui um ambiente único que permite estudar processos costeiros. Podemos fazer sondagens no sapal e descobrir a história deste local, podemos medir as correntes e saber como a dinâmica do canal se processa, podemos ir para as ilhas-barreira da Ria Formosa e monitorizar a sua evolução», exemplifica.
Além disso, a Estação possui um laboratório equipado com instrumentos de última geração, dedicado ao estudo dos sedimentos, financiado sobretudo pelo Roteiro Nacional de Infraestutruras de Investigação (projeto EMSO-PT).
«Temos, por exemplo, um aparelho de Raios-X de sondagens que é único no país [Geotek MSCL-XCT]. Este financiamento vai permitir rentabilizar o laboratório, a nossa investigação e a dos parceiros, bem como aplicá-la na formação de alunos e professores», acrescenta.
Ouvido pelo barlavento, Rui Taborda, investigador e professor associado com agregação do Departamento de Geologia da FCUL, elogia o projeto.
«É uma grande oportunidade para termos atividades letivas, ao nível dos alunos de licenciatura, de mestrado e do programa doutoral do Instituto Dom Luiz». Para este último grupo alvo, o principal atrativo será a escola de verão, de 11 a 17 de setembro, para cerca de trinta universitários.
«Vamos dar formação avançada a estudantes de toda a Europa. A estação de Tavira está num sítio-chave. Estamos a falar de um sistema relativamente pequeno, mas com uma grande diversidade morfológica. Temos o mar, a Ria Formosa, dunas, praias e zonas de sapal, no raio de um quilómetro. É possível estudar tudo isto com uma logística simples».
Segundo Rui Taborda, a organização da escola de verão envolve também as universidades de Aveiro, Coimbra e Évora. «Existe uma massa crítica de alunos já suficientemente grande para lhe dar um grande dinamismo», prevê.
«Estamos a juntar o melhor de dois mundos. Por um lado, abordamos temas de investigação de uma estrutura do IPMA que também precisa de mão de obra e de atrair o interesse» dos futuros cientistas. «Por outro, temos todas as condições para alunos e professores viverem vários tipos de problemas da zona costeira», descreve.
E que tipo de trabalho se desenvolve hoje naquela estrutura? Responde Teresa Drago: «temos várias vertentes de investigação. Uma delas é a reconstrução paleoambiental com base em sondagens marinhas, as quais analisamos do ponto de vista sedimentológico: granulometria, carbonatos, matéria orgânica, entre outros parâmetros. Atualmente estamos a estudar cores da plataforma continental da zona entre Quarteira e Faro, locais onde os sedimentos são mais finos, registam melhor o ambiente e dão-nos mais informação» acerca dos últimos 18 mil anos.
A estação funciona desde 2000, na altura afeta ao Instituto de Investigação das Pescas e do Mar (IPIMAR). Aqui foram estudadas também sondagens do Minho e do Douro no âmbito de um outro projeto. Teresa Drago era, na altura, a única geóloga do serviço, até que em 2012 aquela instituição se juntou ao Instituto de Meteorologia e à Divisão de Geologia Marinha do Laboratório Nacional de Energia e Geologia para dar origem ao atual IPMA.
«Temos também uma componente de estudo costeiro», acrescenta. Por exemplo, está ainda em execução o projeto «ECOEXA – Caracterização do impacte da extração de areias e avaliação da taxa de recuperação do ecossistema», que tem por caso de estudo a alimentação artificial da Praia do Barranco das Belharucas, em Albufeira.
«Estamos a acompanhar desde 2017 o impacte nos organismos bentónicos», seres vivos que vivem no substrato, «quer seja na praia ou na plataforma, a 30 metros de profundidade onde a areia é extraída. Concluímos que neste caso, teve pouco impacte e que a recuperação é relativamente rápida».
Ainda em relação ao projeto «EDUCOAST», o programa de atividades previsto até 2024 não se esgota no mundo académico. Inclui atividades pedagógicas formais e informais dirigidas às escolas do ensino básico e secundário e associações, formação para empresas marítimo-turísticas e ainda formação acreditada de professores do ensino básico (3ºciclo) e secundário.
«Em breve, faremos a divulgação junto dos docentes da região», prevê Teresa Drago. Todas as atividades terão uma base de aprendizagem experimental, com base em trabalho de campo e de laboratório. O objetivo é promover o pensamento crítico e uma melhor compreensão da ciência e do processo científico.
A infraestrutura do IPMA de Tavira, junto ao Forte do Rato, é a primeira estação de campo em Portugal vocacionada para a formação baseada na natureza, na área das geociências marinhas e costeiras.
No entanto, em comparação com a Estação Piloto de Piscicultura de Olhão (EPPO), é menos conhecida do público.
«Sim. A de Olhão está mais ligada à biologia, tem uma maior projeção na sociedade», compara Rui Taborda.
«Por isso, em Tavira, o que interessa é criar sinergias com outras estruturas científicas que estão agora a iniciar um percurso semelhante nas geociências».
Por outro lado, «cada vez mais, o ensino hoje é virtual. As ferramentas computacionais permitem que não seja necessária tanta ligação ao terreno e ao laboratório», sobretudo em tempos de magros recursos financeiros.
«Por isso é que esta iniciativa é tão importante, porque nos permite dar outras experiências aos estudantes, no campo. Parece-nos muito acertado ganhar alguma notoriedade com todas estas componentes», conclui o investigador da FCUL .
Microplásticos na Ria, desde quando?
Um exemplo do trabalho que se desenvolve na Estação Experimental de Moluscicultura de Tavira do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), no âmbito da investigação em geologia, está nas mãos de Júlia Marques, aluna finalista de Licenciatura de Gestão Marinha e Costeira da Universidade do Algarve.
No âmbito do estágio final, está a analisar cores retirados do sapal da Ria Formosa, mesmo em frente às instalações.
«O trabalho dela é procurar, no primeiro metro de sedimentos, a existência de microplásticos. E determinar quando é que começam a surgir e qual a percentagem», explica a responsável Teresa Drago.
«Teremos de aplicar vários tipos de análise, de chumbo-210 para saber qual a taxa de sedimentação» e perceber que período de tempo representa um metro. «E podemos também experimentar datar conchas em posição de vida e saber a sua idade, através da análise do carbono-14».