Sexta edição do Festival encontros do DeVIR aguça o lado crítico e político e propõe uma ligação direta entre o resgate de um planeta em emergência climática e o resgate de algumas obras marcantes da dança contemporânea das últimas décadas em Faro, Lagos e Loulé. Maioria das propostas surge em dose dupla. José Laginha, diretor artístico, explica o cartaz ao barlavento.
Não é apenas para bater palmas, embora isso seja inevitável, dada a qualidade do cartaz que a sexta edição do Festival encontros do DeVIR apresenta, entre 13 de março e 30 de maio, em Faro, Lagos e Loulé. Quem o diz é o diretor artístico José Laginha, ouvido pelo barlavento.
«A programação de espetáculos resulta de uma seleção, de um resgate de algumas das melhores criações da dança contemporânea nacional e internacional das últimas três décadas.
Desde o início que este festival foi concebido para pensar o território [Algarve], e isso não significa olhar apenas para ele. Significa sobretudo olhar para fora, de forma a podermos entender melhor aquilo que temos, a nossa realidade. É esta a matriz, que continua a ter uma proposta política muito forte. E tem também a ver com a necessidade de resgatar o planeta, refletir sobre a situação local e a problemáticas das alterações climáticas», explica. «Tem o propósito de aliar o social ao cultural, o ecológico, o científico e político ao artístico, recorrendo ao trabalho de investigadores e cientistas e a encomendas de criação a escritores, a artistas das artes visuais e a criadores das artes do espetáculo», acrescenta.

Desta vez, tudo começa com uma autêntica «bomba», ou seja, um dos pontos mais altos do programa é apresentado logo no início, na sexta-feira, 13 de março, no Centro de Artes Performativas em Faro (CAPa).
Serão presentadas duas versões de «A Sagração da Primavera», tema do compositor russo Igor Stravinsky. Uma pelo coreógrafo francês Xavier Le Roy, cuja estreia decorreu na Bienal de Veneza em 2018; e outra pelo criador espanhol Roger Bernat.
A primeira «é uma criação que exige um esforço enorme logístico nosso e da companhia porque se trata da reprodução de uma orquestra. E portanto, o que vai acontecer é que vamos criar um dispositivo que permite ao público ter a sensação de que ele próprio está a produzir som», descreve.
Para isso serão instaladas 91 colunas de som (cerca de uma por pessoa) na plateia da black box do CAPa, uma instalação áudio que teve de vir do exterior, já que em Portugal não havia material suficiente para dar voz a este trabalho.
Mas não é só o aspeto técnico que conta. «Xavier Le Roy é um grande nome da dança contemporânea mundial. Tem a particularidade de ter formação em biologia e de ter criações completamente inusitadas. Esta transforma os espetadores em músicos», detalha Laginha.
E porque a maioria dos espetáculos são apresentadas em dose dupla, no final, o público será convidado a subir ao segundo andar do CAPa, para participar no na versão de Roger Bernat.

«São os espetadores que fazem a criação. À entrada recebem um par de auriculares e durante o espetáculo são conduzidos através de informação que vão recebendo. Isto significa que vai-se fazer a Sagração da Primavera com todas as personagens, mas sem bailarinos. É uma abordagem muito particular», descreve.
O ciclo sobre a obra de Igor Starvinsky fica completo com a apresentação no sábado, dia 2 de maio, no Teatro Municipal de Faro, de «SACRE», uma versão atípica do coreógrafo israelita Emanuel Gat, que prova que é possível dançar salsa com a música de Stravinsky e ainda três duetos.
Ciclo Pina Bausch
«Considero que esta sexta edição do festival é a mais equilibrada e a que tem o nível mais elevado em termos de qualidade. Quando lancei a questão do resgate tive a possibilidade de andar para trás três décadas e de escolher algumas coisas que conheci e que foram fundamentais, inclusive para mim, enquanto espetador. Permitiu-me elevar a qualidade porque foi uma escolha de trabalhos que já foram eles próprios, sucesso, quando foram apresentados». É nesse sentido que José Laginha propõe um olhar à obra da coreógrafa alemã Pina Bausch.
Por isso, o festival tem vindo a dinamizar o ciclo de workshops abertos à comunidade «Nelken Line», uma ação realizada em espaços públicos de Faro, Loulé e Quarteira, que aproveita as paisagens urbanas, transformando-as em cenários de criação. Culminará com uma apresentação no 21 de março em Faro.

«É uma homenagem que está a acontecer um pouco por todo o mundo, até maio, e que dá a oportunidade às pessoas de experimentarem o movimento de Pina Bausch», diz Laginha.
«Destaco também a criação de Raphaëlle Delanay, ex-bailarina da Tanztheater Wuppertal, que vem ao Algarve apresentar o seu trabalho e dar uma palestra, onde irá falar sobre a sua relação com a Pina Baush». Este encontro terá lugar no Palácio Gama Lobo, em Loulé, já no sábado, 14 de março.
À noite, Delanay mostra «Debout!», uma obra com claras referências ao trabalho com Bausch enquanto sua intérprete, no palco do Cineteatro Louletano. Para melhor conhecer o trabalho da coreógrafa alemã desaparecida em 2009, vão ainda ser exibidos os filmes «Sagração da Primavera» e «Pina», realizado por Wim Wenders.
Portugueses, brasileiros e um libanês
Vera Mantero regressa para apresentar «Talvez ela pudesse dançar primeiro e pensar depois», um espetáculo de 1991 que marcou decisivamente o percurso da coreógrafa portuguesa, no dia 27 de março no Teatro das Figuras, em Faro.
«Além de ser uma das maiores criadoras do nosso país, é também uma pensadora. Fez já vários projetos sobre a questão das alterações climáticas», refere o diretor artístico.
Será na mesma noite em que o festival mostra «Under the flesh» do libanês Bassam Abou Diab.

Segundo José Laginha, «o tema desta criação é a guerra. A proposta é fazer os espetadores sentir um pouco o que é estar num bombardeamento. É uma peça muito forte e impactante que terá tradução em simultâneo do árabe para o português», revela.
Na verdade, o espetáculo narra as vivências de um povo em guerra desde 1993 e questiona os movimentos migratórios que têm como destino a Europa.
Mais tarde, a 18 de abril, o festival leva ao Cineteatro Louletano «Entre contenções», um solo de Eduardo Fukushima, um dos mais premiados coreógrafos da dança contemporânea brasileira atual.
Após esta apresentação, Francisco Camacho, outro nome conhecido do panorama nacional apresentará o remake de «O Rei no exílio».
«É um trabalho de 1991, muito interessante porque mistura uma figura histórica de D. Manuel II, o último Rei de Portugal, com dados autobiográficos. Ele resgata esta criação que é também uma das mais importantes da sua obra», explica o diretor.

Jerôme Bel, exemplo artístico e ecológico
Outro dos destaques da sexta edição do encontros do DeVIR poderá não impressionar pelo formato, mas contém uma mensagem que serviu de inspiração a esta sexta edição do encontros do DeVIR.
José Laginha explica: «Jerôme Bel é um dos maiores criadores do nosso tempo ao nível internacional. Vamos apresentar um filme chamado restrospective, no qual apresenta alguns dos seus espetáculos mais importantes dos últimos 20 anos».
O filme estreou no Festival de outono 2019, em Paris e é um manifesto contra as alterações climáticas. E porquê?
«Bel não quer continuar a poluir o planeta devido ao seu trabalho. Então, tomou a decisão de, em todos os espetáculos que faz, os bailarinos e interpretes, ou viajam de comboio, ou então, apresentam-se em vídeo», caso o transporte coletivo mais amigo do ambiente não seja uma opção viável.

«Esta é a maneira que encontrou para reduzir a sua pegada ecológica. É uma posição profundamente política. É, aliás, desta criação que surge a matriz desta sexta edição», revela o diretor artístico.
O filme será exibido no sábado, dia 21 de março no Centro de Artes Performativas do Algarve (CAPa), em Faro.
Na ocasião será lido um texto inédito de Jacinto Lucas Pires sobre o tema do festival com ilustração de Marc Parchow e leitura em tempo real pelo ator algarvio João de Brito (do LAMA Teatro).
E porque se trata de um exemplo, haverá também uma exibição exclusiva para os alunos do curso de dança da Escola Secundária Tomás Cabreira, na véspera.
Um grand finale
Doze anos depois da sua primeira apresentação em Portugal, e de ter passado por Faro, o festival resgata «Beautiful Me», um solo do coreógrafo e bailarino sul-africano Gregory Maqoma, que partilha palco com quatro músicos.

Este espetáculo conta ainda com a leitura de um texto inédito de João Tordo sobre o resgate em resposta a uma encomenda destes encontros, com ilustração de Bruno Mantraste e leitura em tempo real pelo jovem ator algarvio Miguel Ponte.
«Beautiful Me» é um espetáculo para ver nos dias 3 de abril em Loulé e no dia 4 de abril em Lagos. Já na reta final do encontros do DeVIR, é apresentado «Animale», no dia 9 de maio, no Cineteatro Louletano.
É uma obra que estreou no Festival de Veneza em 2018 e com a qual Francesca Foscarini recebeu o prémio de coreógrafa emergente.
«É um dos trabalhos mais incríveis que vi nos últimos anos, interpretado por um bailarino extraordinário», sintetiza José Laginha.
«Animale» é sobre o resgate da natureza e do ser humano no que tem de sublime e de animalesco, «é a dança no absoluto».

No mesmo dia, a coreógrafa suíça Tabea Martin apresenta «Dueto para dois bailarinos», uma criação sobre a liberdade de escolha, onde dois homens procuram encontrar-se nas muitas perguntas que assaltam os intérpretes de dança contemporânea.
A organização da sexta edição do festival encontros do DeVIR é da responsabilidade da DeVIR/CAPa estrutura financiada pelo Ministério da Cultura/Direção-Geral das Artes. É uma iniciativa cofinanciada pelo programa de animação turística e cultural em época baixa 365 Algarve, Turismo de Portugal, e pelas Câmaras Municipais de Faro, Lagos e Loulé. A programação completa e as informações de bilheteira e reservam podem ser consultadas aqui.

Mapear a Culatra pelo olhar de Vasco Célio
A 6ª edição dos encontros do DeVIR, que se realiza entre 13 de março e 30 de maio, apresenta 24 atividades, entre espetáculos, exposições, colóquios e performances em vários espaços dos concelhos de Faro, Loulé e Lagos.
Em paralelo à apresentação de espetáculos, serão desenvolvidas um conjunto de ações de formação, encontros e conversas com criadores, colóquios, percursos e visitas acompanhadas.
Uma das visitas de «mapeamento e resgate» terá lugar a 30 de maio, segundo explica ao barlavento José Laginha, diretor artístico do festival.

«Vamos resgatar um trabalho chamado Ilhas 2000 que o fotógrafo Vasco Célio fez nas ilhas-barreira da Ria Formosa há 20 anos. Pedi-lhe que olhasse para as fotografias da Culatra. O desafio aqui é trabalhar com investigadores da Universidade do Algarve, que tem qualidade, ganha prémios, mas muitas vezes não sabemos o que lá se faz. Procurámos projetos científicos recentes (do CCMAR e do CIMA), e ou em execução, que têm a ver com as alterações climáticas para fotografarmos esse trabalho. A ideia é apresentar pelo menos cinco imagens desses projetos, em conjunto com as fotografias registadas há 20 anos. Ou seja, mostrar o que se faz hoje em confronto com o passado», explica.
Esta exposição será apresentada no Teatro Municipal de Faro, entre 27 de março e 15 de maio. Será também feita uma mostra na Culatra e uma visita guiada, a 30 de maio, com saída de Olhão, às 11 horas. A participação custará 15 euros e também inclui almoço.

«Vamos ter um representante de cada um dos projetos científicos connosco. Gosto muito da ideia de pôr em diálogo, criadores com os cientistas e o público», remata.
Resgatar a Serra do Caldeirão com Luís da Cruz
A Serra do Caldeirão volta a merecer a atenção do Festival encontros do DeVIR. Estão previstas duas saídas de campo, a 16 e 24 de maio, com partida de Loulé. «Nestes dois dias, iremos fazer dois percursos diferentes», explica José Laginha, diretor artístico. O fotógrafo louletano Luís da Cruz irá acompanhar ambas e é também a chave para este resgate.
«Há cerca de 15 anos ele andou pela serra a fotografar. É um projeto que está na gaveta desde então. Ele queria publicar a obra e até agora não conseguiu. Então, a minha proposta foi editarmos o livro e fazer duas exposições de fotografia. Lancei-lhe o desafio de regressar e fazer algumas imagens exatamente dos mesmos sítios que fotografou, porque o tempo na serra é diferente, é muito mais destrutivo», explica.

Assim, este material dará origem a uma exposição, a apresentar na Galeria da Praça do Mar, em Quarteira, de 18 de abril a 31 de maio.
«A ideia é mostrar este confronto entre o material antigo e o novo. E por outro lado, queremos levar as pessoas à serra, fazendo uma outra exposição de campo. Iremos a alguns dos sítios que Luís da Cruz fotografou no passado». A mostra está neste momento a ser produzida. O livro será lançado, se tudo correr conforme o previsto, a 18 de abril, durante a inauguração. Terá 78 páginas, sem texto, nem títulos. Imagem, pura e dura, numa tiragem de 750 exemplares.

Nestas saídas, os interessados poderão ir de autocarro que a organização irá disponibilizar ou em transporte próprio. A participação, em ambas as datas, terá um custo de 20 euros, com almoço incluído.
A era do Antropoceno
Por fim, outro ponto alto será o colóquio «A era do Antropoceno: caminhos de transformação para o resgate do Planeta» que terá lugar no dia 23 de maio, às 15h30, na Galeria da Praça do Mar, em Quarteira.
Segundo José Laginha, diretor artístico do encontros do DeVIR, estarão presentes Francisco Ferreira (Zero), Vera Ferreira (Universidade de Coimbra), a coreógrafa Vera Mantero e André Pacheco (a confirmar) do projeto Culatra 2030.