Em Balurcos recriam-se as tradições da arquitetura sustentável

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Curso em Balurcos, no concelho de Alcoutim, teve por objetivo transmitir saberes ancestrais e inovadores em torno da utilização da cana em elementos como tetos falsos, paredes ou estores. Até 2022 haverá mais formação na área da construção sustentável.

Na pequena aldeia de Balurco de Cima, um curso sobre o uso da cana e da terra na arquitetura sustentável terminou no domingo, 1 de agosto.

Uma organização da QRER – Cooperativa para o Desenvolvimento dos Territórios de Baixa Densidade, sediada em Querença. João Ministro, responsável pela iniciativa, chamou a cooperativa catalã Voltes, especializada em bioconstrução e sustentabilidade, e também os coletivos catalães puraterra e orígens – escola taller de bioconstrucció, conquistou o apoio da Câmara Municipal de Alcoutim e teve 10 participantes, quase todos com ligações ao Algarve.

Formadores e participantes, e também João Ministro e diversos visitantes, que aproveitaram o dia aberto para conhecer o curso.

Durante uma semana aprenderam ou aprofundaram os seus conhecimentos sobre técnicas e materiais de construção que já quase caíram no esquecimento e agora são recriados com um olhar contemporâneo, muito atento à sustentabilidade ecológica e energética cuja necessidade se vai afirmando pelo mundo.

O ritmo da formação foi intensivo e o antigo lavadouro público da aldeia foi convertido num novo espaço de estadia e convívio para locais e visitantes.

As duas aldeias dos Balurcos são atravessadas pela Via Algarviana e não tinham um espaço para os caminhantes descansarem. «Agora vão passar a ter», afirmou João Ministro.

No exterior amassava-se uma argamassa feita de argilas, areia e palha, destinada a tabiques e a alguns acabamentos na cobertura do teto.

«Com este curso fica feita uma cobertura interior do teto, que vai ajudar ao conforto térmico, uma parede completa coberta com cana e terra, esteticamente muito acolhedora, e também uma exposição e alguma informação temática sobre a cana e a terra na arquitetura sustentável. A Câmara Municipal de Alcoutim, por sua vez, vai recuperar o chão, colocar mesas e instalar um pequeno balneário que permitirá, por exemplo, tomar um duche».

No sábado, 31 de julho, quando o curso estava prestes a terminar, a QRER convidou os habitantes dos Balurcos para virem conhecer o novo espaço que lhes é destinado. Pairava no ar um ambiente de satisfação e, a par da curiosidade, surgiam nas conversas as memórias do tempo em que recursos locais como a cana e a terra eram muito utilizados na construção.

«Queremos fomentar novos projetos e novas iniciativas para este território interior algarvio, com base nos seus recursos endógenos», explicou ao barlavento João Ministro.

«A cana é muito abundante no baixo Guadiana e, no passado, tinha grande utilização. Chegava mesmo a escassear, Curso no concelho de Alcoutim teve por objetivo transmitir saberes ancestrais e inovadores em torno da utilização da cana em elementos como tetos falsos, paredes ou estores», disse ainda.

«Até 2022 haverá mais formação na área da construção sustentável tal era a procura. Todo esse passado já desapareceu, mas a cana continua a ser utilizada com sucesso fora do Algarve. Por isso surge este curso que procura formar e incentivar gente jovem a aproveitar a cana como matéria prima em projetos que tenham algum impacte económico na região e que, no fundo, ajudem a fixar novas gerações no Algarve interior. Este é mesmo o objetivo fundamental e os arquitetos da Voltes têm vindo a mostrar que estas artes de utilização da cana não estão, de forma alguma, condenadas. Pelo contrário, estão cada vez mais revitalizadas e estes arquitetos têm até vindo a inovar na utilização da cana. Eles são um exemplo vivo e inspirador de que, havendo conhecimentos antigos e introduzindo-lhes alguns conhecimentos modernos, é possível aproveitar com sucesso estes recursos. Podem, assim sendo, dar-nos uma ajuda importante, porque trabalhar com recursos locais, gerar emprego e criar riqueza, e assim fixar gerações mais jovens no interior algarvio é o mais importante de tudo isto», descreveu.

A Voltes «está-nos a mostrar que as oportunidades existem e que as podemos agarrar. Neste curso, que é já o segundo, trouxemos uma outra vertente, a da utilização das argilas, igualmente com grandes tradições e com novas formas de utilização. As argilas surgiam, muitas vezes, associadas às canas, na construção de paredes. Hoje podem ser fundamentais na construção sustentável e ajudar a cumprir os objetivos do carbono zero».

Marta Arnal Estapé, da Voltes, destacou a experiência da cooperativa de arquitetos catalães, na recuperação da cana e na formação sobre sustentabilidade.

«A utilização da cana está atualmente limitada à cestaria e queremos mostrar e ensinar o seu potencial para a arquitetura. O que estamos a fazer aqui no Algarve é uma explicação e uma demonstração de como fazer, começando no aproveitamento do material recolhido nas margens do rio até o converter num elemento arquitetónico», explicou.

A catalã Marta Arnal Escapé, da Cooperativa Voltes.

«Fizemos isso tudo aqui, nos Balurcos, e mostrámos formas distintas de aplicação da cana e também da argila num espaço interior, tanto em tetos como em paredes. Os participantes tiveram a oportunidade de fazer e ver os resultados finais, o que é para eles muito estimulante, para continuarem e avançarem com as suas próprias iniciativas».

Por sua vez, Martí Ferrer, da orígens – escola taller de bioconstrucció, tem também anos de experiência quer na formação, quer na construção.

Em equipa com Oriol Balliu, da puraterra, atravessaram toda a Península Ibérica e vieram apresentar as melhoargilas na arquitetura sustentável, matérias primas que considera válidas não apenas no passado e no futuro, mas também no presente.

«O que estamos aqui a mostrar e ensinar é como construir casas sem impactes ambientais, quer para as pessoas, quer para o ambiente! Os resultados estão a ser excelentes e nós estamos muito contentes com toda esta experiência. Para os participantes, e também para os habitantes dos Balurcos, creio que estamos a ajudar a imaginar futuros e, especialmente, a que os jovens percebam que afinal é possível viver nos territórios interiores, não apenas em grandes cidades como Lisboa ou Barcelona», disse.

Os trabalhos finais na cobertura interna do teto foram executados no sábado de manhã.

«Aqui também há oportunidades, diferentes das dos centros urbanos, mas muito viáveis. Estamos agora no momento certo para resgatar do esquecimento os conhecimentos antigos e revitalizá- -los com as novas abordagens do presente e da nova sustentabilidade».

Este curso não vai ser apenas uma «gota no oceano de esforços necessários para revitalizar o interior algarvio».

Uma das habitantes de Balurco de Cima veio trazer uns figos acabados de apanhar, para o lanche dos participantes.

Segundo João Ministro, a QRER, o Magallanes_ICC e a QRIAR – Incubadora do Interior Algarvio, vão dinamizar mais cursos ainda em 2021, como um de esparto, em Sarnadas, Alte, no concelho de Loulé, que começará já no final de setembro, um outro de pedra seca e taipa, muito virado para a recuperação de casas antigas, e ainda um focado no turismo criativo.

«A nossa expectativa é que estes cursos transmitam conhecimentos e mostrem que há diversas oportunidades. Depois, em 2022 vão ser apoiadas pessoas a estruturar as suas próprias ideias para o interior algarvio, na sua formação, de acordo com as suas necessidades específicas, e também na formação de empresas e arranque de negócios, equipamentos, divulgação nacional e externa, entre outras iniciativas».

João Ministro destacou ainda a necessidade dos municípios do interior criarem condições que facilitem a fixação de novas gerações.

«O alojamento é um estrangulamento sério. Se estes jovens quiserem vir para o interior com ideias e expectativas, mas não conseguem casas para viver, tudo isto que estamos agora a fazer e planear pode ir facilmente água abaixo e perder-se completamente! », concluiu.

Ouvido pelo barlavento, Osvaldo Gonçalves, presidente da Câmara Municipal de Alcoutim, explica que «estas iniciativas ocorrem no âmbito de uma parceria em que o município aposta fortemente na formação virada para a revitalização de artes tradicionais, onde a cana assume um papel relevante naquilo que são as técnicas ancestrais de uso muito diversificado deste elemento que abunda em qualidade e em quantidade nas margens do Guadiana e nas ribeiras, por todo o concelho».

Ainda segundo o autarca, «a sua realização no concelho de Alcoutim aconteceu por via dessa mesma parceria, onde a Cooperativa QRER tem um know-how muito interessante e com provas dadas na dinamização desta tipologia de ações que visam, sobretudo, a valorização do território naquelas que são as suas potencialidades, a sua história e as suas artes tradicionais».