Descobertas novas espécies de mosca na Carrapateira em Aljezur

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Descobertas novas espécies de mosca na Carrapateira. Têm menos de dois milímetros e a sua origem é um mistério.

Jorge Almeida, entomologista amador e Rui Andrade, trabalhador independente na área da entomologia, descobriram quatro novas espécies de moscas em Portugal, duas das quais que, até hoje, foram apenas observadas na Carrapateira, no concelho de Aljezur.

Descritas em março último num artigo da revista científica Bishop Musem Occasional Papers assinado por ambos e pelo entomologista americano Neal Evenhuis, as duas espécies algarvias têm menos de dois milímetros são diferentes entre si na coloração.

A Empidideicus carrapateira é preta e o nome científico que recebeu é uma homenagem ao local onde foi encontrada. A segunda, chama-se e a Empidideicus inesae e é amarelada. O nome é um tributo à filha de Jorge Almeida, Inês, que faz 20 anos em 2023.

«A Carrapateira é um local privilegiado de extenso areal e de flora endémica, que pode contribuir para que haja espécies únicas. Mas que fique claro que as duas novas espécies podem estar em mais locais, mas até agora só as conhecemos aí. Não sabemos a razão. Já tentámos ver se havia mais a norte, e, até hoje, não há quaisquer registos. Não sabemos sequer sobre a sua origem», explica Almeida, contactado pelo barlavento.

Empidideicus carrapateira.

«Há centenas de espécies de moscas na Carrapateira, outras que só foram lá encontradas até há pouco tempo, e veio a descobrir-se que afinal existem em mais sítios. O próximo passo será conhecer até onde estas duas novas espécies existem noutros locais e tentar, dentro do possível, saber algo mais sobre os seus papéis no ambiente, além do de polinização das flores que já sabemos que o fazem», acrescenta. 

Segundo disse ao barlavento Jorge Almeida, que já esteve ligado à Universidade de Coimbra, a primeira vez que observou, com Rui Andrade, moscas Empidideicus em Portugal, foi nas dunas da Apúlia, no concelho de Esposende, em 2008. Na altura, contactaram Neal Evenhuis, especialista que trabalha no J. Linsley Gressitt Center for Research in Entomology, em Bishop Museum, no Havai, para as identificar. Desde então, têm mantido a colaboração. Foi também a primeira vez que a família Mythicomyiidae foi detetada no nosso país.

Empidideicus carrapateira.

Segundo Jorge Almeida, Portugal tem 3.200 espécies de moscas conhecidas, mas estima-se que haja, ao todo, perto de 6.000 espécies de moscas no país, que têm vindo a sofrer grande pressão devido às alterações climáticas e à ação do homem.

«Uma coisa é já certa: a economia, tal como está hoje desenhada, não é compatível a prazo com a ecologia. E já temos à vista os sinais visíveis do abuso desenfreado dos recursos que são escassos. Os insetos tenderão a desaparecer se a tendência consumista e gasto de combustíveis fósseis continuar. Numa altura em que seria importante proteger a biodiversidade e conhecê-la, esta é precisamente a altura na qual há um total desinvestimento na natureza. Espero que as tecnologias de fusão nuclear, de combustível hidrogénio, avancem quanto antes (irrealisticamente devia acontecer já antes de 2030), para impedir a catástrofe climática (caso se mantenham as coisas como estão exatamente agora), e por consequência o declínio acentuado dos insetos e, em última instância, a da nossa sobrevivência», sublinha.

Por outro lado, o entomologista amador lamenta que a curiosidade pela entomologia em Portugal se tenha vindo a extinguir, sobretudo no meio académico, assim como uma «crescente desconexão com a natureza».

Jorge Almeida.

«Não há interesse da parte dos reitores para este tipo de conhecimento.  Os investigadores atualmente estão mais virados para a genética e afins, e não tanto a história natural das espécies.  Isto também acontece a nível mundial. Está a acontecer um decréscimo no número de especialistas em taxonomia das moscas (e de outras ordens de insetos), porque simplesmente não é algo que dê lucro como é agora senda de quase toda a atividade. Se não dá lucro, não interessa», lamenta.

Uma tendência, repete, tal como a perda de biodiversidade.  «É transversal em todo o mundo. As possíveis principais causas são o aquecimento global (podem baralhar o ciclo de vida normal dos insetos), a perniciosa agricultura intensiva, que é capaz de ser a principal e mais grave causa pelo uso excessivo de pesticidas, mas pior que isso, é a agricultura baseada numa única planta com todos os agravantes que daí advêm. E depois vem a destruição maciça de habitats, muitas vezes, por culpa de lobbies turísticos. Sou liminarmente contra destruição de habitats protegidos, mas isso não acontece apesar de regulamentado», destaca.

A entrada neste universo, recorda, «surgiu por um ataque de pulgas em casa, que me levou a procurar informação sobre como as combater. Mais tarde, comprei uma câmara e comecei a fotografar insetos, até que um dia virei a atenção para as moscas, e alistei-me no site diptera.info, em junho de 2006. Nunca mais as larguei! Porque me interesso? Porque a diversidade nelas é simplesmente assombrosa. É a ordem com mais diversidade de nichos ecológicos mesmo quando comparados com outras ordens de vespas, escaravelhos e borboletas. Dá para várias vidas. Estamos a falar de centenas de milhar de espécies a nível mundial. Todos os anos elas surpreendem-me tanto a nível da diversidade morfológica (podem imitar de quase tudo!) como a nível dos papéis ecológicos. São claramente fundamentais ao equilíbrio dos ecossistemas desempenhando vitais serviços aos mesmos», refere, embora reconheça que as moscas são talvez o mais odiado dos insetos, relacionados no imaginário popular com imundice. 

«A verdade é que esse é um dos maiores mitos relacionados com insetos. Só uma ínfima parte das moscas são coprófagas. Infelizmente, também é verdade que é nas moscas que se encontra um dos maiores inimigos do homem: Anopheles gambiae, transmissor vector da malária (transporta consigo o Plasmodium que causa a doença). As moscas são a ordem mais megadiversa em termos de nichos ecológicos, mesmo mais que coleópteros (escaravelhos), atrevo-me a dizer. Em termos de mimetismo, quase nada bate as moscas. É incrível. Interessei-me por elas pela espetacularidade visual que oferecem e pelos nichos ecológicos que ocupam», reforça.

E agora, qual o próximo passo?  «Há muito para conhecer sobre a distribuição biogeográfica do género Empidideicus, mas os recursos são parcos, tanto em pessoas que saibam identificar insetos desta família como recursos de tempo e financiamento. Estamos, eu e Rui Andrade, a fazer o levantamento de todos os dípteros (insetos com duas asas) que existem a nível nacional. Pouco mais podemos fazer com os escassos recursos que temos. Ao menos, fazemos já mais que muitas instituições com fundos e muito dinheiro, deviam ter feito».

As outras novas duas espécies que constam no relatório foram nomeadas E. blascoi e E. pallidifacies. 

Menciona também o registo para Portugal pela primeira vez da espécie Empidideicus freyi, que se distribui desde o norte até Almancil.

Rui Andrade.

Agora, o género Empidideicus (pertencente à família Mythicomyiidae) regista um total de 57 espécies conhecidas no mundo e sete em Portugal, três das quais exclusivas do nosso país.

De acordo com o artigo científico, as pequenas moscas da Carrapateira parecem preferir flores com pétalas grandes, com muitos malmequeres, por exemplo, que possam ser usadas como «zonas de aterragem». 

Os holótipos, isto é, os espécimes únicos a partir dos quais são feitas as descrições das (novas) espécies, quer da Empidideicus inesae quer da Empidideicus carrapateira, foram encontrados na Bordeira, a 16 de abril de 2011. Foram precisos mais de dez anos para confirmar a sua novidade para o conhecimento científico.

Nas recolhas de campo, Jorge Almeida faz o varrimento da vegetação utilizando uma rede entomológica e faz a captura manual de insetos com um frasco. Rui Andrade utiliza armadilhas pan trap, que consistem em pratos coloridos com uma solução de água com detergente para baixar a tensão superficial do líquido, de forma a facilitar a captura.