Projeto piloto CombiCOV, realizado em parceria pelo Algarve Biomedical Center (ABC) e Fundação Champalimaud, mereceu elogios por parte dos membros do governo presentes na apresentação, ontem no Estádio Algarve.
Não tiveram febre, nem tosse, mas a COVID-19 deixou uma marca em 34 das 1235 pessoas que participaram num estudo serológico pioneiro, realizado nos últimos dias, no concelho de Loulé, e cujos resultados foram ontem apresentados, no Estádio Algarve. Ou seja, desta amostra, 2,8 por cento tinham anticorpos, embora a doença não tivesse dado quaisquer sintomas. Apenas um caso acabou por ser diagnosticado positivo.
O grupo de estudo foi escolhido a dedo pelo Algarve Biomedical Center (ABC) e Fundação Champalimaud: agentes das forças de segurança, bombeiros e elementos da proteção civil, profissionais de saúde, trabalhadores das empresas municipais e do mercado, jornalistas e funcionários de lares de idosos. Não estiveram confinados e que mantiveram a atividade laboral durante a pandemia.
«O nosso organismo passa por uma infeção que deixa uma pegada. Esta pegada tem duas fases. Por definição e por tudo aquilo que sabemos sobre esta e outras doenças, aquelas pessoas foram infetadas, pelo menos, há duas semanas, e ainda têm uma assinatura vincada» de anticorpos (IgG) anti-SARS-COV2, segundo explicou o investigador em imunologia Henrique Veiga-Fernandes, da Fundação Champalimaud.
«Ou seja, 2,8 por cento foram infetados, não tiveram sintomas e resolveram a infeção. Mas ficou uma pegada no organismo sobre o que foi o historial da infeção. Isto não é restrito à COVID. É o que acontece em qualquer infeção viral. Com certeza que ainda há um grande desconhecimento sobre tudo que é a sua epidemologia, mas no essencial, as premissas e os pilares da resposta imunitária são semelhantes no Coronavírus ou em qualquer outro vírus de caráter pulmonar».
Projeto CombiCOV
O ABC e a Fundação Champalimaud demoraram cerca de 15 dias a preparar o projeto ao qual chamaram CombiCOV, que combinaria valências das duas entidades, com o objetivo de ajudar a monitorizar a atual fase de retoma das atividades sociais e económicas. Uma premissa importante foi a exequibilidade com os meios existentes e, a possibilidade de repetir todo o processo, sem dificuldade, caso a pandemia venha a ter uma nova onda, por exemplo, no próximo outono.
O drive-thru instalado junto ao Estádio Algarve foi modificado com corredores adicionais e o trabalho envolveu oito equipas, numa capacidade operacional de 1000 testes serológicos por dia.
Na maioria dos casos, a análise serológica é suficiente para monitorizar a COVID-19. Mas neste projeto, os investigadores optaram por combinar o rastreio serológico (técnica ELISA e kits de deteção rápida) com testes de diagnóstico viral (RT-PCR), para obter um máximo de informação, num curto espaço de tempo.
Isto porque o teste viral (RT-PCR) tem uma limitação: à medida que passam os dias no momento da infeção, diminui a sensibilidade, isto é a capacidade de identificar o vírus vai-se perdendo. Por outro lado, a execução laboratorial é lenta e mais cara. Portanto, neste projeto só foi utilizada nos casos mais suspeitos e acabou por identificar uma pessoa infetada.
Já o rastreio serológico deteta a presença de anticorpos produzidos pelo corpo humano em resposta à presença do vírus. Isso indica se a pessoa está ou esteve infetada. Esta experiência piloto, provou que a taxa de infeção detetada por este método combinado é 14 vezes superior à detetada por diagnósticos usados de forma isolada.
«Isto dá-nos a segurança, em termos de futuro, que esta região comportou-se, no pico da pandemia, como uma zona segura. Mesmo nos casos em que a doença não foi identificada devido às pessoas não terem sintomas. Estamos a falar aqui de grupos de risco que não estiveram confinados, e estavam no dia a dia a trabalhar, a dar a resposta que a população necessita, tal como agora vão estar todos os outros», apontou Nuno Marques, diretor do Algarve Biomedical Center (ABC).
Os autores do projeto não defendem que este seja «feito de forma indiscriminada a toda a população» mas «de acordo com o risco que as pessoas têm, e acima de tudo, de forma a aumentar a segurança de todos os outros que estão à sua volta», referiu, o que é importante na fase atual em que o comércio começa a reabrir portas.
Ainda segundo Nuno Marques, é possível que em breve este rastreio serológico se repita noutros concelhos do Algarve, «é uma possibilidade que está em estudo».
«Medir a quantidade de anticorpos que cada individuo tem, requer uma fração dos recursos humanos dos testes de diagnóstico. Um teste serológico tem um custo inferior a 1/5, apenas em consumíveis. Se contabilizarmos os recursos humanos, essa diferença ainda é maior. Um teste comercial de diagnóstico, andará à volta de 140 euros. Um teste laboratorial serológico quantitativo por Elisa, e já estamos a falar no mais caro, andará por volta dos 30 a 40 euros, o que já dá uma noção do fator: é quatro vezes mais barato», comparou Henrique Veiga-Fernandes.
Apesar destas vantagens, para já «não existe regulamentação para os testes serológicos», embora o investigador preveja que poderá ser publicada em breve.
Questionado sobre a possibilidade de se sistematizar a realização deste tipo de teste aos turistas que visitam a região, Veiga-Fernandes respondeu que «em termos de capacidade de implementação no terreno, há. Mas é preciso que as autoridades de saúde, definam o que querem fazer, em termos nacionais. Isso é fundamental. Este teste mostra que existe capacidade», neste caso, combinando recursos no Algarve e em Lisboa.
Jamila Madeira: «é um caminho a ter em conta»
A apresentação do projeto piloto CombiCOV, na quarta-feira, dia 6 de maio, mereceu a presença de Manuel Heitor, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, e de Jamila Madeira, secretária de Estado Adjunta e da Saúde, e dos secretários de Estado José Apolinário e Jorge Botelho, além da deputada Joaquina Matos e dos autarcas Vítor Aleixo e António Miguel Pina, além de vários representantes do poder local, autoridades de saúde e proteção civil.
«A abordagem do Estado Português na questão dos testes foi risco mínimo, máxima segurança. Para evitar em todas as situações, os falsos negativos. Pior que o falso positivo é um falso negativo», disse Jamila Madeira, já que estas pessoas podem propagar a doença sem o saberem.
«Tem sido um problema sensível ao longo do estado de emergência e da pandemia, e uma enorme preocupação».
Jamila Madeira reconheceu que, neste processo, «deparámo-nos com a falta de reagentes, de kits de extração. Tivemos inúmeras dificuldades que as necessidades do mercado impunham para os testes de diagnóstico, que além do seu custo, tiveram dificuldades de abastecimento. E ainda hoje têm. Neste momento, conseguimos estabilizar um conjunto de abastecimentos. Estão mais ou menos serenos no dia de hoje. Não sei dizer como estarão amanhã ou no dia seguinte. Dependerá da forma como o vírus evolui. Se de repente outros mercados absorverem todas as capacidades, o nosso equilíbrio altera-se».
Em relação à implementação deste tipo de rastreio serológico no país, «sendo algo que ainda está a ser testado, sendo um projeto piloto, é um caminho muito interessante. Porque nos permite fazer uma primeira triagem, por uma via economicamente mais eficiente. É um caminho que usa recursos que estão mais disponíveis, são usados vulgarmente, e apenas em situações mais concretas é que recorre aos testes de diagnóstico. À partida, isto faz-nos sentido», admitiu.
«Compreendo que ainda haja muitas dúvidas, porque passamos por isto, enquanto país, muito melhor que os nossos congéneres. Avançaremos com a dinâmica possível, e estamos a olhar para isto com muita atenção. Nós temos que retomar a atividade económica o mais rápido possível e a vida habitual, embora com alguns constrangimentos, mas temos de a recuperar. Este é um dos caminhos a ter em conta», disse. «É um caminho interessante, à partida, com muito futuro».
Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior aplaudiu
Por sua vez, o ministro Manuel Heitor apoiou o que a colega de governo disse. «Estamos a viver uma época de grande incerteza em Portugal e no mundo. Os testes e os rastreios não curam. Mas enquanto não há uma vacina, nem um tratamento eficaz, temos de incentivar este tipo de estudos. É o que nos possibilita avançar num âmbito e num contexto de grande incerteza. Não sabemos o que vai ser daqui a um ou dois meses. Enquanto não há uma vacina eficaz, este tipo de testes é um caminho a percorrer».
«Aquele valor de quase três por cento é um número muito baixo, que nos dá uma confiança muito grande face à retoma das atividades sociais e económicas», rematou.
Como implementar esta estratégia?
Os membros do governo levaram para casa um folheto, com um fluxograma que explica os passos da estratégia definida em parceria pelo Algarve Biomedical Center (ABC) e Fundação Champalimaud.
A estratégia sugere duas fases de implementação. Em primeiro lugar será aplicada aos profissionais essenciais para a comunidade, bem como aqueles que se mantiveram em funções durante a fase de mitigação.
Numa segunda fase, será alargada a funcionários de creches, indústria, sector do turismo e restauração.