COVID-19: Culatra reinventa-se durante a pandemia

  • Print Icon

Associação de Moradores da Ilha da Culatra (AMIC) conseguiu que todos os serviços fossem garantidos aos cerca de 800 residentes permanentes. Com apenas três mercearias a funcionar, tiveram de ser criados novos serviços com base na solidariedade e ajuda ao próximo, durante a quarentena.

«Estamos isolados do continente e para ter acesso a determinados serviços precisávamos de sair para Faro ou Olhão. Apesar de serem cidades próximas, numa situação de pandemia, a viagem acabava por se tornar um transtorno», começa por dizer ao barlavento Sílvia Padinha, presidente da Associação de Moradores da Ilha da Culatra (AMIC).

Este coletivo, em conjunto com a Associação da Nossa Senhora dos Navegantes e
a Cruz Vermelha Portuguesa, através de voluntariado, tornou possível «assegurar todos os serviços à população para que pudessem ficar em casa. É que bastava apenas uma saída da ilha para trazer algum problema a toda a comunidade. Um caso positivo aqui seria alargado a todos porque vivemos num circuito fechado e todos utilizamos os mesmos espaços», conta.

Sílvia Padinha, presidente da Associação de Moradores da Ilha da Culatra (AMIC).

Durante o estado de Emergência, a maior preocupação foi sobretudo a condição das pessoas mais idosas que vivem naquela ilha-barreira da Ria Formosa. Segundo explica a presidente da AMIC, «quando foi decretado o estado de Emergência, a nossa principal apreensão estava relacionada com os mais velhos que estão na sua própria casa e têm assistência. Alguns estão acamados no Centro Social, mas outros são autónomos e acabavam por estar sozinhos devido a terem a família longe».

Assim e desde logo, aquela associação assumiu a responsabilidade para com esta população vulnerável, para que os idosos pudessem estar de quarentena nas suas habitações, sem que nada lhes faltasse.

«Criámos serviços que não existiam antes aqui no núcleo. Por exemplo, trazíamos os medicamentos de Olhão que eram pedidos à farmácia, por nós, através de email. Agora fazemos de intermediários e de elo de ligação com os médicos de família, sempre que exista necessidade de teleconsultas. As funcionárias do Centro Social disponibilizaram-se para as visitas domiciliárias, para ver as necessidades em termos de alimentação ou de produtos de higiene».

«As compras eram depois feitas e entregues. Contamos também com uma psicóloga a dar assistência a todos aqueles que procurem ajuda e temos ainda a Cruz Vermelha Portuguesa que está disponível 24 horas», resume Sílvia Padinha.

«A verdade é que temos muitos idosos residentes, mas, neste momento, a população ainda está mais protegida e bem servida porque houve esse cuidado. Acabámos por trazer novos serviços além dos que já prestávamos. No fundo, em circunstâncias excecionais, tivemos de nos reinventar», sublinha.

Em relação aos estabelecimentos públicos do núcleo habitacional da Culatra, todos fecharam portas, à exceção das três mercearias, que continuaram a funcionar com todas as regras de segurança e distanciamento social.

«Os restaurantes e os cafés são local de convívio da população residente e de quem nos visita. Na altura, esses espaços encerraram logo, com a preocupação de que alguém poderia ser portador do vírus e não ter sintomas, mesmo antes de ser declarado estado de Emergência», recorda a dirigente da AMIC.

Os únicos que continuavam a sair de casa, porque tinham autorização para trabalhar, eram os pescadores. «Temos cerca de 70 embarcações de pesca artesanal local e na maioria são profissionais que trabalham sozinhos, ou com membros da família. Por isso, não havia grande perigo de contágio».

Dois meses depois, e já em fase de desconfinamento, as principais preocupações da AMIC continuam a ser os idosos «que passam a maior parte do tempo em casa, mas que já vão circulando» no exterior.

Por isso, «pedimos, a quem nos visitar, que cumpra as recomendações das autoridades de saúde. Só assim conseguiremos continuar a ser uma comunidade segura».

Sílvia Padinha não esconde alguma apreensão para com a abertura da época balnear, agora que os barcos vindos de Faro ou de Olhão, retomaram as carreiras. Sobretudo, ao final de dia, quando as pessoas regressam das praias e costuma haver uma grande concentração de turistas.

«Há regras, como a diminuição da capacidade de todas as embarcações e a utilização obrigatória de máscaras sociais. Mas o regresso tem sempre de ser garantido. A capacidade da praia não me causa preocupações, porque o areal é enorme e a população não tem por hábito lá ir nas horas de maior sol, mas a capacidade dos barcos, sim, preocupa-me», refere a dirigente da AMIC.

É com essa linha de pensamento que Padinha deixa uma sugestão: «já se justificava um barco vir direto de Faro à Culatra e ao Farol, assim como de Olhão. O último barco, que enche primeiro na Culatra, já nem passa pelo Farol e regressa logo a Olhão. Isto causa imensos atrasos. Era preferível haver uma carreira direta para cada núcleo, até porque as empresas teriam mais do que um barco. Seria mais prático e seguro para todos e evitaria aglomerados. Se existissem dois barcos a sair de Olhão, um direto ao Farol e outro à Culatra, ambos teriam passageiros e não existiam atrasos, nem multidões concentradas a bordo. Penso que a pandemia também é uma oportunidade para se repensar estas questões e para se perceber melhor a capacidade de carga das praias» e das infraestruturas de apoio.

Uma chamada de atenção do meio ambiente

O novo Coronavírus e, por conseguinte, a quarentena, que obrigou o encerramento de quase todos os serviços, trouxe alguns benefícios para o meio ambiente, que já são claros para quem trabalha todos os dias com a Ria Formosa.

Quem o garante ao barlavento é Sílvia Padinha, presidente da Associação de Moradores da Ilha da Culatra (AMIC).

«Foi uma chamada de atenção. Devemos olhar para o que aconteceu como um todo, tendo em consideração a fauna, a flora e os efeitos da poluição, que diminuiu. Demos um descanso ao meio ambiente e a natureza está a revelar-se tanto agora: há mais peixe e a qualidade da água melhorou bastante. Nós que somos produtores e estamos em contacto com a Ria todos os dias, notamos que era necessário acalmar um pouco da pressão turística», diz.

«É necessário olhar para estas coisas e ver se de facto, temos capacidade para aguentar tanta pressão, para vermos se o caminho que estávamos a seguir era o certo. Agora temos esta oportunidade de olhar e comparar, o antes e o depois da pandemia. A população deveria aprender com toda esta situação que estamos a viver. As praias, o meio ambiente e o planeta precisam que tenhamos hábitos diferentes e maiores cuidados. Temos aqui um Parque Natural e devia haver uma maior harmonia entre o ser humano e a natureza», sublinha.

A presidente da AMIC não esconde o receio de «que quando este pesadelo acabar, volte tudo ao mesmo. No início, tive muitas esperanças que a humanidade aprendesse a lição com a perda de tantas vidas. Mas parece-me, à medida que a pandemia se está a apaziguar, que as pessoas estão a ficar mais agressivas e mais competitivas. Receio que volte tudo ao mesmo».

Quebras no marisco e nas marítimo-turísticas

O núcleo habitacional da Culatra é constituído na sua grande maioria por pescadores. Em tempos de pandemia, as cerca de 70 embarcações artesanais continuaram a laborar, até porque estavam autorizadas.

Segundo Sílvia Padinha, presidente da Associação de Moradores da Ilha da Culatra (AMIC), a pesca não teve grandes repercussões a nível económico durante o estado de Emergência.

«Não tivemos grandes dificuldades, a não ser a falta de procura que fez baixar os preços, mas não foi nada de alarmante», conta ao barlavento. Pelo contrário, o sector do marisco, teve uma quebra «grande e ainda se faz sentir. Com os restaurantes fechados havia pouca procura e para as famílias, o marisco não é considerado um bem essencial. Esta atividade aguarda agora por melhores dias e pelo funcionamento em pleno dos restaurantes para haver uma maior saída do produto», explica.

O problema é que a restauração também sofre com a quebra na procura da «atividade marítimo-turística, um dos principais clientes». Padinha considera que o mais importante na retoma é «ir com calma».

Fotos: Bruno Filipe Pires.