Estatística foi avançada pela Diretoria do Sul da Polícia Judiciária (PJ) durante a apresentação do estudo nacional «Cibercriminalidade – que desafios?» em Faro. Um problema «cada vez mais preocupante.
A legislação do cibercrime conta já com 11 anos de existência e o número de participações recolhidas pela Polícia Judiciária (PJ) nunca alcançou valores tão elevados como em 2020.
Para dar nota dessa mesma tendência, Carlos Cabreiro, diretor nacional da Unidade de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica (UNC3T) da PJ, deslocou-se a Faro na manhã de sexta-feira, 22 de outubro.
Em conjunto com António Madureira, responsável da Diretoria do Sul da PJ, apresentaram os resultados do estudo «Cibercriminalidade – que desafios?», que comparou dados e ilícitos desde 2018, até agosto último.
«O crime está a sair da rua e cada vez mais está por trás de um ecrã ou à distância de um clique. Esta é uma realidade que nos estamos a aperceber e acho que a sociedade ainda não está preparada para ela. Decidimos fazer uma pequena abordagem deste fenómeno que cada vez mais é preocupante», começou por introduzir António Madureira.
A sessão teve por objetivo dar «alguns dados relativos ao que tem sido a evolução do cibercrime, falar de alguns desafios, da percepção que temos sobre a evolução deste tipo de criminalidade, para onde se desloca e onde estão apontadas as nossas preocupações», acrescentou o diretor nacional.
Desde 2018 que o aumento das participações e dos inquéritos tratados pela PJ, relativos à cibercriminalidade, tem sido «exponencial», nas palavras do responsável da UNC3T.
Uma evolução que tem sido constante, envolve várias realidades, vários modus operandi e novas preocupações.
Em termos práticos, registaram-se 10062 participações de ilícitos no ano de 2018, sendo que em 2020 o número ascendeu às 21304. Até ao mês de agosto deste ano, são já 15555 os inquéritos realizados.
De acordo com Cabreiro, a grande incidência encontra-se nos crimes de burla informática e comunicações, com ilícitos relacionados com fraudes em meios de pagamento, ataques informáticos, phishing (técnica de engenharia social para obter informações confidenciais dos utilizadores de serviços online, como por exemplo, a banca digital) e crimes contra o património.
A juntar-se à lista dos cinco maiores tipos de ilegalidades registadas, encontra-se ainda o acesso ilegítimo, a falsidade informática, a pornografia de menores e a sabotagem informática.
Tratam-se de valores nacionais, todos eles com uma tendência crescente desde 2018, que parecem repetir-se até ao final deste mesmo ano, e comum a todas as regiões do país. Em destaque, estiveram várias áreas concretas em específico.
No topo da investigação do cibercrime estão os ciberataques, com um reflexo idêntico em todos os países da Europa, onde se inserem crimes de phishing, denegação de serviços, ransomware (software que bloqueia o acesso ao sistema infetado e cobra resgate para que o mesmo seja restabelecido), perseguição online e furtos de identidade.
A exploração sexual de menores foi outra temática abordada pelo diretor nacional, «com um evidente aumento de produção de conteúdos, utilização de redes cifráveis, recurso à dark web (servidores de rede inalcançáveis que requerem softwares e autorizações específicas) e até ao live streaming (vídeos gravados e transmitidos em tempo real). «Esta comercialização de material tem um crescimento visível em quase todos os países do mundo, onde damos ênfase à cooperação internacional», afirmou.
Outro dos temas em foco foram as fraudes com meios de pagamento, onde a troca de cartões de telemóveis, o phishing praticado através mensagens de sms, o branqueamento de capitais e os investimentos relacionados com moedas virtuais (criptomoedas) são a tendência.
Os diretores da Judiciária chamaram ainda a atenção para os crimes praticados através de aplicações móveis (app), como o MBWay.
Em 2018, foram 37 os registos de ilícitos nesta app, sendo que o número em 2020 foi de 2496. Este ano, até agosto, já se somam 1917 participações.
Também com um aumento muito consubstancial encontram-se os ilícitos relacionados com as criptomoedas, ou ativos virtuais, que nas palavras de Cabreiro, «têm evoluído, sem margem de dúvida, sistematicamente e com constância. Este ano já atingimos os mesmos valores do ano anterior (48)», sendo que em 2018 o número rondava os 16 inquéritos, e em 2019, os 28».
Mas o que motivou um aumento tão exponencial da cibercriminalidade? António Madureira responde, sem sombra de dúvidas, «a pandemia. Aquilo que notámos, e que os números nos indicam, um pouco em contraciclo, é que o resto da criminalidade abrandou, mas os cibercrimes dispararam».
«Ao nível da área de intervenção da Diretoria do Sul, só para se ter noção do fenómeno, de 2018 a 2019, na cibercriminalidade, tivemos um aumento de 26,6 por cento de inquéritos de participações criminais. Já de 2019 para 2020, o aumento foi exponencial, de 58 por cento. Até agosto deste ano, já temos mais participações do que em todo o ano de 2018 e praticamente as mesmas de 2017. Isto apenas em oito meses. A tendência será de crescimento», mas os valores finais de 2021 só serão revelados no início do próximo ano.
Ainda sobre a realidade regional, ambos os diretores referiram que segue os números do país.
«Os dados são muito parecidos ou idênticos. As preocupações são exatamente iguais ou parecidas», disse Madureira. O responsável da UNC3T completou: «é equivalente. Com alguma incidência a nível dos grandes centros, mas em termos de evolução e de percentagem equivalem-se nos vários anos» avaliados.
Falta jurisdição para cibercriminalidade
Na opinião de António Madureira, diretor da Diretoria do Sul da Polícia Judiciária (PJ), «é preciso repensar uma legislação, que está muito formatada ainda para uma criminalidade e forma de cometer crime tradicional, para esta nova realidade. A velocidade com que as pessoas se movimentam é muito grande, a velocidade com que os dados se transmitem é enorme e a velocidade às vezes dos meios que temos para obtenção da prova não acompanham este ritmo». Este é um desafio que, nas suas palavras, «o Estado e quem tem responsabilidade terá de tratar em termos de legislação. Ainda há muitos passos para dar nestes aspetos e dificulta-nos um pouco a investigação». Exemplificando, «a lei do cibercrime tem 11 anos e nunca gerou consensos. Temos coisas simples, como a preservação de dados, que leva a enormes interpretações jurídicas e várias posições doutrinárias. As entidades, por vezes, ao abrigo legítimo dessas tendências e correntes, nem sempre são ágeis a fornecer-nos os dados que muitas vezes são essenciais e necessários para a investigação criminal. E há muitas outras matérias que é preciso regular». Como é o caso das criptomoedas e dos fluxos financeiros que produzem, que se encontram «praticamente sem regulação».
Autoproteção deve ser mandatória
Questionado sobre como o cidadão se pode proteger de possíveis crimes cibernéticos, Carlos Cabreiro, diretor nacional da Unidade de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica (UNC3T) da Polícia Judiciária (PJ), responde que o que está em causa, «é a fragilidade humana, em 85 por cento ou mais destes crimes. Temos a parte tecnológica, que de facto facilita e que torna mais rápida a execução deste tipo de ilícitos, mas grande parte deles tem na base a engenharia social, o engano e a intervenção sobre as pessoas. O alerta tem de ser mesmo esse, adotarem as práticas que foram sendo adquiridas ao longo dos tempos no mundo físico, para este mundo digital. Passa por aí, ter as mesmas precauções em termos de cultura de segurança, de não exposição dos nossos dados e associar os cuidados aquilo que tecnicamente a informática e a tecnologia nos oferece: ter sistemas atualizados, sistemas de segurança, desconfiar da informação que é fornecida nas plataformas, verificar se estamos a falar realmente com entidades bancárias antes de aderir a alguma coisa e não acreditar em almoços grátis. O comportamento terá de ser a prevenção. Os conselhos que a PJ dá ao cidadão são precisamente esses, numa perspectiva de cuidar e de transportar para o digital as preocupações que já estão adquiridas no mundo real».