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Novo Centro Expositivo da Fortaleza de Sagres dá ainda mais motivos de interesse ao monumento através da tecnologia multimédia e reserva espaço para exposições temporárias.

Foi uma epopeia de quase 13 anos. O tão sonhado Centro Expositivo do Promontório de Sagres, no interior da Fortaleza, abriu portas ao público no domingo, dia 13 de novembro. Uma data simbólica que assinalou também o 462º aniversário da morte do Infante D. Henrique, nesta mesma vila.

«É um dia muito feliz por este foi um processo difícil», admitiu Adriana Freire Nogueira, atual diretora regional de Cultura do Algarve, que elencou os vários passos na cerimónia de abertura.

Adriana Freire Nogueira e Rute Silva.

«Este é o resultado de uma vontade há muito anunciada. O projeto de requalificação começou em 2009 e terminou em 2012, com os arranjos dos espaços exteriores, das muralhas, do torreão e deste mesmo edifício. Em 2012, foi feita uma apresentação pública do que se pretendia com o projeto museográfico. Em 2018, foi feita uma atualização da parte técnica, porque a tecnologia está sempre a evoluir. Sei que houve um grande empenho por parte das minhas antecessoras, Dália Paulo e Alexandra Rodrigues Gonçalves, para que esta instalação acontecesse, empenho esse que continuei e que, graças a isso e com o esforço da equipa da Direção Regional de Cultura do Algarve, no fim de 2019, foi possível iniciarem-se os procedimentos que levaram à abertura do concurso, à adjudicação ao consórcio, até chegarmos a este momento», lembrou.

No total, este foi um investimento de 3,1 milhões de euros. Juntou verbas do FEDER – Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (35 por cento), do PIPITAL – Programa de Investimentos Públicos de Interesse Turístico para o Algarve (fundos do Turismo de Portugal, mas através da CCDR Algarve, em cerca de 20 por cento) e também o financiamento direto do Turismo de Portugal (cerca de 45 por cento).

O novo centro abre com duas mostras. «A exposição permanente, ou melhor, a exposição de longa duração, porque a permanência é contrária à investigação e à reflexão que pretendemos que provoque», localizada no rés-do-chão do edifício.

Segundo explicou Adriana Nogueira aos jornalistas, é uma exposição que «olha para o passado com olhos de presente, com olhos críticos, questiona esse passado e leva-nos a tomarmos posições. Chamamos-lhe permanente, porque não vai variar muito nos próximos anos, mas, pela sua riqueza e intensidade, induzidas pela própria museografia, não é uma exposição para apreciar uma só vez e irá ter, certamente, atualizações. Conta também a história do território, o culto a São Vicente que é muito antigo. O bom e o mau que constituiu os Descobrimentos Portugueses».

No primeiro andar, foi inaugurada a exposição «Territórios Invisíveis» do consagrado artista plástico farense Manuel Baptista. «Ver a Fortaleza de Sagres também como um centro de arte contemporânea é o desafio que fazemos aos visitantes», sublinhou. A ideia é ter duas grandes mostras temporárias por ano. Neste caso, a curadoria é de Miriam Tavares e Pedro Cabral Santo, do Centro de Investigação em Artes e Comunicação (CIAC) da Universidade do Algarve, entidade com quem a Direção Regional de Cultura do Algarve está a trabalhar num protocolo para este espaço em concreto.

Adriana Nogueira recordou que este é um «espaço internacional». Em 2019, a Fortaleza de Sagres teve 454.190 visitantes, sendo o terceiro monumento mais visitado do país. Em 2021, já a recuperar da pandemia, registou 232.848 visitante e passou para segundo lugar no ranking nacional. Os «números fresquinhos» de 2022, de janeiro a outubro, dão conta de 401.952 visitantes, um número muito próximo de 2019, que no mesmo período, registou 421.268 mil visitantes. Em 2019, cerca de 84 por cento dos visitantes eram estrangeiros, e cerca de 69 por cento, em 2021.

«Os números falam por si e ecoam o reconhecimento da Fortaleza de Sagres como um dos mais importantes monumentos nacionais e, por isso mesmo, dos mais visitados. Mostram ainda que este reconhecimento também é feito por estrangeiros. Ora, foi o reconhecimento desta importância e a necessidade de requalificar a visita que esteve na génese do projeto que hoje se mostra ao público», disse a diretora.

Adriana Nogueira, deixou ainda uma palavra de apreço aos coordenadores gerais da exposição permanente, Rui Parreira, Cristina Farias e Luciano Rafael e «a todos os que, de um modo ou outro, contribuíram para que isto acontecesse, desde os assistentes operacionais aos técnicos superiores e dirigentes».

Rute Silva, presidente da Câmara Municipal de Vila do Bispo, considerou «muito gratificante termos aqui um novo Centro Expositivo, por tudo aquilo que Sagres representa. Será uma mais-valia a adicionar àquilo que é a visita ao nosso concelho, região e país», disse.


Ouvido pelo barlavento, João Neto, presidente da Associação Portuguesa de Museologia (APCOM), considerou que este novo equipamento «é muito importante para a nossa identidade portuguesa. Não podemos esquecer que Sagres, o Infante D. Henrique e também Vasco da Gama são três marcas (brands) que Portugal tem no mundo. Este centro preenche uma lacuna que existia não apenas no Algarve, mas em todo o território nacional. Utiliza tecnologia que facilita o entendimento e a comunicação de uma área tão extensa como é a nossa História e o nosso património cultural. E é um desejo antigo que agora se materializou. Sem dúvida que fazia falta».

Está também a ser formado, segundo Adriana Nogueira, um Grupo de Amigos da Fortaleza de Sagres «que quer contribuir e organizar atividades neste espaço» já muito em breve.

A cerimónia, na manhã de domingo, contou com a presença de Isabel Guerreiro, deputada do Partido Socialista à Assembleia da República, de José Apolinário, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve, de Dália Paulo, diretora Municipal da autarquia de Loulé e ex-diretora regional de Cultura do Algarve, de
João Fernandes, presidente do Turismo do Algarve, de Luciano Rafael, presidente da Assembleia Municipal de Vila do Bispo e diretor da Fortaleza de Sagres, de João Faria, ex-presidente da CCDR Algarve, além de autarcas e representantes de várias entidades.

Experiência imersiva para vários públicos

O Centro Expositivo da Fortaleza de Sagres, tem por objetivo proporcionar aos visitantes uma experiência imersiva e interativa sobre a relevância desta zona na história da humanidade. Os conteúdos foram concebidos pelo CHAM — Centro de Humanidades, unidade de investigação vinculada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa e à Universidade dos Açores. O trabalho foi liderado pelo professor catedrático João Paulo Oliveira e Costa, como coordenador científico, com a colaboração de Carla Alferes Pinto, José Ferreira e Sofia Diniz.

Por sua vez, Fernando António Baptista Pereira, professor associado com agregação da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, fez o programa, desenvolveu os conteúdos, selecionou peças e textos. A empreitada esteve a cargo da empresa portuguesa Edigma, responsável pela implementação e coordenação do projeto global.

«O objetivo desta intervenção é capacitar o espaço museológico com um novo conceito de visita, sustentado numa narrativa expositiva diferenciadora e acessível a segmentos de público mais alargados, afirmou Miguel Oliveira, responsável da Edigma.

Adriana Nogueira, Rute Silva e Dália Paulo.

Da sacralização do promontório ao comércio de escravos

Segundo Rui Parreira, arqueólogo e diretor de serviços da Direção Regional de Cultura do Algarve, que apesar de recém-aposentado, fez questão de estar presente na abertura do Centro Expositivo do Promontório de Sagres, na manhã de domingo, dia 13 de novembro, a exposição permanente resulta de um «guião científico» e foi um «projeto muito discutido, muito ponderado».

Os visitantes terão ao dispor audioguias em diferentes idiomas para poderem descobrir e interpretar as várias salas. O único espólio original é antigo portal original da Fortaleza do século XVII em madeira, mas há muito para ver e descobrir, como «a noção de promontório, a sacralização deste fim do mundo que já tinha sido feita em tempos pré-históricos com uma das maiores concentrações de menires da Europa. E pela presença das relíquias de São Vicente, a partir do século oitavo da nossa era. São Vicente é um santo emblemático para o Algarve. Este era o grande lugar de peregrinação da cristandade moçarabe, que vivia no sul sob domínio islâmico. Temos várias imagens de representação e uma escultura cedida pelo Museu Nacional de Arte Antiga».

Rui Parreira.

Outra peça que se destaca é um enorme globo, inspirado no que terá feito o comerciante alemão e cartógrafo, Martim Behaim (conhecido entre nós por Matinho da Boémia). «É uma representação esférica do mundo que mostra a globalização pelo comércio, a evangelização através da disseminação da fé cristã pelos missionários e o tráfico de pessoas escravizadas», que foi também um empreendimento do Infante D. Henrique, figura central dos Descobrimentos.

Numa das salas está em destaque uma gravura do século XIX «que representa o porão de um navio negreiro, com várias cenas» e uma réplica das algemas da época, cedidas pelo Museu de Lagos. Há também a miniatura de uma caravela portuguesa, comprada ao Museu da Marinha, e no final, uma instalação em vídeo com vários dos sotaques da língua portuguesa falada no mundo, talvez o legado maior de toda a epopeia.­