«Cavalos de Guerra» promete pôr a Ria Formosa nas telas do mundo

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João Rodrigues escreveu, realizou e produziu o documentário «Cavalos de Guerra» para o município de Olhão. Em entrevista ao «barlavento» revela em primeira mão todos os pormenores do filme que lança um alerta aos problemas ambientais da Ria Formosa. Estreia está marcada para sábado, 23 de novembro às 16h30.

barlavento: Fale-nos um pouco do filme na sua perspetiva.
João Rodrigues:
A Ria Formosa, no geral, está em perigo por razões antropogénicas, devido à ação humana. O cavalo-marinho é apenas porta-voz de todas as outras espécies. O filme nasce da necessidade de conservar todo este ecossistema.

Escolheu o formato documentário, certo?
Sim, o género é esse. Mas tem ficção, tem uma parte de dança contemporânea e um estilo um bocadinho diferente. Mas se o pusermos numa gaveta, respeita o registo documental. A ficção serve para contextualizar a ligação do ser humano ao cavalo marinho aqui na região. A narrativa começa no século XII, dá um salto temporal até aos anos 1930, e depois até ao presente. Serve para as pessoas perceberem o que é que aconteceu ao nosso afeto ao longo dos tempos, perdermos a admiração por este animal que está a desaparecer, a olhos vistos.

Foto: João Rodrigues | Chimera Visuals.

Mas o problema é assim tão grave?
Sim. Não é sensacionalismo, é a realidade. E é mesmo assustador. Este ano vi-me aflito para encontrar animais. Os investigadores dizem que num passado recente, mergulhavam e facilmente encontravam 20 ou 30 cavalos-marinhos e em qualquer parte da Ria Formosa. Hoje estamos a falar num mergulho de duas horas, em que a maior densidade populacional que vemos, com sorte, são oito ou nove indivíduos.

Quando decorreram as filmagens e o que viu?
Decorreram durante o mês de abril. Documentei tanto a vida marinha como o nosso impacte, que não é visível às pessoas em geral. Vi vestígios e vi pesca ilegal à frente dos meus olhos. Várias vezes. Uma está documentada no filme. Ao nascer do sol, perto da porto da Fuseta, chegaram dois pescadores ilegais e à nossa frente começaram a usar um arrasto de mão. Documentei a libertação de resíduos e de poluentes. Zonas em que a água estava cheia de óleo, outras em que estava castanha e com um cheiro nauseabundo.

Em abril, a nova ETAR Faro – Olhão já estava a funcionar…
Sim, mas isso não invalida as descargas ilegais que acontecem. Esse continua a ser um dos grandes problemas da Ria Formosa. Mas atenção que o foco deste documentário não é desmascarar ou apontar o dedo às causas em específico, mas mostrar que elas estão lá e existem. Filmei também a degradação dos habitats, o impacte da pescas de arrasto e do fundeamento excessivo de embarcações na Ria Formosa. É sabido que isso destrói a pradaria marinha, mas as pessoas não conseguem vislumbrar nas suas cabeças o que realmente significa.

Foto: João Rodrigues | Chimera Visuals.

Ou seja, a náutica de recreio acaba por ser uma fonte de problemas?
Em águas mais profundas, onde não existe pradaria, esse impacte não é tão negativo, mas noutras, as embarcações mais pequenas fundeiam mesmo em cima das pradarias marinhas, que são literalmente varridas e não fica nada, apenas a areia. Imagine-se uma âncora que está num ponto. À medida que uma embarcação fica exposta a ventos e correntes, durante horas e horas e horas, e se vai afastando do ponto onde fundeou, o ferro vai limpando tudo. Estas pradarias marinhas são um dos habitats mais importantes do planeta. Por metro quadrado têm uma quantidade infindável de espécies marinhas e muito diversas. Ou seja, estamos a degradar o habitat mais importante para o cavalo-marinho e não só.

Interessa mostrar isso?
A mensagem do filme não é denegrir a imagem das comunidades ribeirinhas, nem de nenhuma entidade, muito pelo contrário. Os problemas existem, bati à porta de todas as entidades com jurisdição na Ria Formosa para que dessem o seu testemunho e encontrassem soluções, com aquela velha máxima de que a união faz a força. A história do filme é essa mesmo, culmina no juntar de todas as vontades, num unir de esforços para salvar o cavalo-marinho.

Foto: João Rodrigues | Chimera Visuals.

Isso é a parte da ficção?
Podemos chamar-lhe ficção, mas eu prefiro chamar-lhe objetivo. Algo que gostava de ver cumprido um dia. Por incrível que pareça, durante este projeto foram acontecendo coisas, iniciativas práticas para a conservação e a preservação deste animal. Vão ser criadas duas reservas marinhas totais de cavalos-marinhos. Isso é uma vitória. Sei também que o Centro de Ciências do Mar (CMAR) e a Universidade do Algarve (UAlg) estão em vias de receber mais financiamento para continuarem a investigação sobre esta espécie, pelo menos, durante mais dois anos. Isto nasce do sentar à mesa de muitas entidades, que vão aparecer no filme.

Em que locais filmou?
O foco principal foi a zona do município de Olhão, Culatra e Farol. Em termos operativos, a área de jurisdição da Polícia Marítima de Olhão que vai desde a barra do Farol até à Fuseta. Seguimos as indicações e o conhecimento de onde existem mais cavalos-marinhos. Depois, quis também trabalhar na área onde serão criadas as reservas para mostrar a beleza daquela zona que é tão importante. Envolveu filmagens subaquáticas, drones, barcos. É um projeto que já queria fazer há muito tempo e reuni uma equipa constituída por excelentes profissionais profundamente ligados à causa.

Foto: João Rodrigues | Chimera Visuals.

Porquê o título «Cavalos de Guerra»?
O que é que é um cavalo de guerra? É um cavalo que aguenta toda a carga que lhe dão e que está sempre pronto para o desafio. Mas também os cavalos de guerra têm um fim, têm o seu limite. Portanto, o que acontece é que os cavalos-marinhos da Ria Formosa foram obrigados por nós a tornarem-se guerreiros para tentar sobreviver e resistir à nossa pressão, mas o que eles querem mesmo é paz. A história do filme anda à volta disso. Por outro lado, as pessoas podem pensar que é um filme que nada a tem a ver com o mar e depois surpreendem-se. Sobretudo quando percebem que estamos a falar de algo que só existe no Algarve.

Está quase pronto?
Sim. O trailer sai dia 1 de novembro.

Será legendado?
Sim, em inglês e em português, de modo a ser acessível aos não ouvintes. Ou seja, quero que possa ser visto por todos os públicos.

E depois da estreia em Olhão?
A ideia é espalhá-lo pelo máximo de salas possíveis. Levá-lo a escolas, universidades e municípios, mas paralelamente a isso, exibi-lo em circuitos de festivais de cinema. Tenho uma lista de festivais a que gostava de concorrer, tanto a nível nacional como internacional. A prioridade será sempre o circuito da área da conservação marinha e dos oceanos. Mas quero mostrá-lo noutros festivais em que se enquadre. O meu objetivo é dar visibilidade e chegar ao máximo de pessoas possíveis. Isto é um problema local, mas se olharmos bem, é um problema global. Estamos a falar da extinção de uma espécie e isso é o que está a acontecer atualmente no mundo inteiro. Portanto, gostávamos de usar Portugal, a Ria Formosa e o cavalo-marinho como um exemplo. Não está apenas nas mãos das entidades reguladoras salvá-lo, está nas nossas mãos. Como? O filme apresenta dicas, como é que cada um de nós pode ajudar.

Qual o passo seguinte?
A sétima arte é uma arma poderosíssima de sensibilização. Até aqui, eu fazia fotografia, escrevia artigos, mas quando se junta imagens, sons da natureza, música e uma história, o impacte é muito forte. Para já, quero mostrar este filme. Não tem uma linguagem difícil e dá para chegar a todo o tipo de públicos. Tentei chegar tanto a um músico, como a um político, um pescador, ou investigador.

As pessoas estão sensíveis ?
Estão, e não de forma forçada ou porque têm de estar sensíveis. Algumas estão mesmo revoltadas com o que está a acontecer na Ria Formosa. Mais uma vez, não é só o cavalo-marinho, é todo o ecossistema, mas daí até fazerem alguma coisa vai muito.

Foto: João Rodrigues | Chimera Visuals.

Temos tradição neste tipo de documentário de conservação da natureza?
Não, é muito menosprezado ainda, infelizmente.

Já tem planos para o futuro?
Gostava de fazer um documentário sobre o mar do Algarve focado na parte da história natural e da conservação, desde a Costa Vicentina até Vila Real de Santo António. Penso que será necessário, pelo menos, um ano para conseguir completar o trabalho. A história será apenas sobre os animais. Ou então, dependendo do financiador, poderá incluir uma parte sobre as comunidades locais, com histórias paralelas. Nunca foi feito um documentário focado só na vida marinha do Algarve com esta extensão. Seria uma longa metragem, 45 a 52 minutos no mínimo. Cada município tem as suas especificidades, seja corais, naufrágios, grutas e também a vida selvagem.

Realizador tem experiência com a BBC e National Geographic

João Rodrigues é licenciado e mestre em Biologia Marinha, formador de mergulho, e trabalha em fotografia e fotojornalismo na empresa que fundou, a Chimera Visuals.

«Em 2015 andava descontente com a forma com que se fazia investigação científica. Então resolvi virar a página e ir para os Açores. A Ilha do Faial e o Pico acolhem pessoas de todo o mundo ligadas à área dos audiovisuais, desde cinematógrafos, fotógrafos e investigadores. É um pouco o palco dos heróis da conservação marinha. Consegui um trabalho como gerente num centro de mergulho e a partir daí comecei a fazer os meus contactos com a National Geographic, com a BBC e comecei a trabalhar para ambos como assistente. Depois, bateu a saudade do Algarve e quis voltar e tentar fazer o mesmo. Foi então que soube da problemática dos cavalos-marinhos. Fiz uma pesquisa e revoltou-me que ninguém estava a fazer nada», recorda ao «barlavento».

João Rodrigues entrevista o Capitão do Porto de Olhão durante a rodagem de «Cavalos de Guerra».

Entrada livre na estreia

O filme «Cavalos de Guerra» estreia sábado, 23 de novembro às 16h30, no Auditório Municipal de Olhão, com entrada livre, embora limitada aos 400 lugares daquele equipamento cultural.

Por isso, carece de reserva de acordo com a disponibilidade de lugares sentados. Os bilhetes podem ser levantados no horário normal de funcionamento do Auditório Municipal de Olhão, de terça a sexta-feira das 14h00 às 18h00. Serão disponibilizados, no máximo, três bilhetes por pessoa.

Antes da projeção haverá uma tertúlia introdutória com o realizador João Rodrigues, acompanhado por António Miguel Pina, presidente da Câmara Municipal de Olhão, Miguel Correia, investigador dos cavalos-marinhos e um representante do Parque Natural da Ria Formosa.

«Cavalos de Guerra» é um projeto do município de Olhão, que representa ma aposta na preservação e conservação da Ria Formosa. É também Uma ferramenta da literacia do mar para sensibilizar toda a comunidade.

O realizador agradece também ao núcleo duro que o acompanhou. Entre muitos, destaca a equipa de produção composta por João Costa, Wilson Gaspar e José Branco. O filme é uma produção da Chimera Visuals com o apoio de Necton – Companhia Portuguesa de Culturas Marinhas, Flying Sharks, Real Marina Hotel & Spa, Osga, Passeios Ria Formosa e Niobo.