Buraco gigante na Praia do Peneco causa polémica em Albufeira

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Os poucos turistas de janeiro aproveitam a manhã solarenga e a vista para o mar azul, na varanda junto ao hotel Rocamar, em Albufeira, mas não deixam de estranhar as estruturas de cimento que estão a ser enterradas num grande buraco em pleno areal. Também a população não fica indiferente à obra e não falta quem a conteste.

Jorge Magalhães, arquiteto, munícipe de Albufeira e colaborador da «Rádio Solar», tem estado na linha da frente da contestação. «Levantei esta questão, porque acho isto um bocado aberrante, pois em todo o país estão a demolir centenas de casas no Domínio Público Marítimo», disse ao «barlavento».

«O Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) prevê realmente ali um apoio de praia. Que aliás, já lá esteve, meio abarracado, tal como eram todos os apoios de praia no Algarve. Há uns anos veio uma maré e levou aquela porcaria toda. Desde então, nunca mais o reconstruíram. Existe uma concessão, de toldos e cadeiras, mas apoio de praia não. Acontece agora que a gerência do Hotel Rocamar, em sociedade com o concessionário, avançou com um projeto. Está previsto no POOC, portanto, não se pode dizer que a pretensão não seja legítima, como é evidente», clarificou.

«Acho que demoraram cerca de três anos a legalizar o projeto, que envolve jurisdição da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), da Capitania de Porto de Portimão e da própria Câmara Municipal de Albufeira, que não pode ser alheia. O que me irrita nisto tudo é que o nosso regime, ultimamente, tende a meter nas cabeças das pessoas que tudo o que é legal, pode-se. Tudo o que é legal também é moral e ético. O regulamento de um plano urbanístico tem força de decreto-lei. Se aquilo está no POOC é uma tontearia. E se um presidente de Câmara, neste caso que está à vista de todos, engolir e deixar andar, bem aí, terá que se haver com a população local», considerou.

«Não se trata de ser um mamarracho ou não, porque ainda não se sabe qual o aspeto que terá depois de feito. É a questão de estar a meia dúzia de metros do Peneco (a rocha de arenito), que a seguir ao Pau da Bandeira, deve ser a coisa mais fotografada de Albufeira. No futuro, não haverá uma única fotografia que não tenha as traseiras daquela construção. A frente bonita do apoio de praia vai ficar virada para o mar. Nas traseiras, vamos ver as grades das bebidas. Aquilo nunca mais vai ter um aspeto marinho».

Jorge Magalhães diz que o projeto «está a chocar as pessoas», numa zona que já tem uma estrutura artificial de grande volumetria. «Mas mesmo com toda a ruindade, o elevador não chateia ninguém no que toca a estender uma toalha» no areal. «Agora, aquilo não. Quem for dali até à Praia do Inatel, no verão, quando as concessões estão todas armadas, a malta que reside cá e que quer espetar um chapéu de sol, já pouca areia tem, está a perceber? Qualquer dia, é tudo só para os turistas estarem refastelados, o que é porreiro, mas isto não é só para turistas», lamentou.

«Estão a fazer uma construção num sítio que eventualmente não irá durar dois ou três anos. Penso que na primeira ou segunda maré viva, aquilo vai tudo. E quando ficar em pedaços, quem vai limpar é a Câmara, ou seja, serei eu com os meus impostos. E depois quando chegar a altura ninguém é responsável», tal como na cheias de novembro de 2015, «veio cá o ministro e disse que foi a vontade de Deus», concluiu.

Administração Central e partidos em Albufeira aprovaram projeto «por unanimidade»

Ouvido pelo «barlavento», Carlos Silva e Sousa, presidente da Câmara Municipal de Albufeira, sublinhou que a polémica «é um não assunto».

«Houve ali um apoio de praia antes, foi destruído por um temporal em fevereiro de 2001, e manteve-se sempre a questão dos direitos. Estamos a falar de um apoio de praia em duas centenas dos que estão a ser e dos que já foram requalificados em todo o litoral do Algarve. É uma questão que diz mais respeito à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve», esclareceu o autarca.

O projeto «foi aprovado com o parecer da CCDR, que implica o envolvimento de todas as entidades, com despacho de 16 de setembro de 2016. Dizia no documento da CCDR ‘com decisão global e vinculativa da Administração Central favorável’. Isto foi na conferência decisória. Depois a 22 de novembro de 2016, veio a reunião de Câmara, na qual foi aprovado o projeto de arquitetura, já com estes pareceres todos, com a presença de três forças políticas, o Partido Socialista, o Partido Social Democrata e o movimento independente o VIVA. Foi aprovado por unanimidade. Ninguém levantou questão nenhuma, nem os serviços técnicos, nem nenhum dos partidos presentes. Foi uma questão pacífica. O licenciamento foi aprovado a 22 de agosto de 2017, por unanimidade e também pelas mesmas três forças políticas», sublinhou Carlos Silva e Sousa.

Sebastião Teixeira desmente associação Almargem

Entretanto, a Almargem também reagiu ao caso. Em retificação da nota enviada à imprensa ontem 24 de janeiro, a associação ambientalista veio hoje explicar que o equipamento está a ser construído «sem estar previsto como apoio de praia no POOC Burgau-Vilamoura (ainda em vigor), embora esteja previsto no mais recente POC Odeceixe-Vilamoura, por razões desconhecidas, ainda não aprovado formalmente pelo governo».

«Tendo em conta o que se tem passado nos últimos anos no Algarve, no que respeita a gestão do litoral, a Associação Almargem não estranha o avanço deste novo empreendimento. Por um lado, fala-se muito de riscos na zona costeira, em grande parte derivados das alterações climáticas, mas, ao mesmo tempo, vai sendo assegurada a permanência de habitações e equipamentos em áreas susceptíveis de virem a ser atingidas pelo avanço do oceano», lê-se ainda na nota da Almargem.

Sebastião Teixeira, diretor regional da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) no Algarve, discorda. «Desminto categoricamente tudo isso que a Almargem está a dizer. Primeiro, o apoio de praia está previsto no POOC, quer no atual, quer no que vem a seguir que foi colocado em discussão pública. É de facto um apoio de praia, destruído há uns anos. E foi destruído porque era um apoio de praia em alvenaria, fundado em areia. Este é um apoio de praia em madeira, assente em estacaria, fundada na rocha. Mais ainda, o anterior estava na faixa de risco das arribas. Este, além do processo construtivo e da fundação, está a ser construído fora das faixas de risco das arribas. Por isso é que fica mais afastado e parece que está no meio da praia. Esta polémica toda é sobretudo pelo buraco que lá está», explicou ao «barlavento».

A verdade é que consultando o POOC Burgau-Vilamoura (ainda em vigor), disponível no site da APA, consta de facto um apoio de praia, estando localizado junto à arriba. Já no novo POC Odeceixe-Vilamoura, surge o mesmo apoio de praia, ainda que uns metros mais afastado da falésia, com a indicação de relocalização. O documento está em discussão pública e ainda disponível online.

«E porquê o buraco? As regras para a construção de um apoio de praia dizem que deve estar assente em rocha firme e sobrelevado, mais alto do que a areia. Significa que se o mar vier e tirar a areia da praia, o apoio continua lá. Recomendaria, se é para citar, o apoio de praia da Praia dos Caneiros. Já vi essa praia sem areia. E apoio não foi com o mar, precisamente por estar devidamente fundado na rocha. E este, no limite, se a areia desaparecer toda da praia de Albufeira, ficará lá», garantiu.

A Almargem, por outro lado, exige «a paragem e reversão imediata das obras em causa e uma muito maior transparência e escrutínio público por parte das entidades responsáveis pela gestão e defesa do ambiente e recursos naturais».

Amanhã, quinta-feira, 25 de janeiro, está marcada um Assembleia Municipal, às 19h30, onde este assunto deverá ser discutido.