Nos últimos meses de 2020 as reservas de água nas barragens do Sotavento algarvio – Odeleite e Beliche – estarão prestes a chegar ao fim.
No final de agosto os níveis de água armazenada nas albufeiras de Odeleite e Beliche, as duas barragens algarvias integradas na Bacia Hidrográfica do Guadiana, apresentavam uma cota de 34,91 metros e de 34,83 metros, respetivamente, segundo os dados divulgados pelo Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH).
As duas barragens são o principal garante da existência de água para o abastecimento de todo o Sotavento algarvio.
Os números acima referidos, 34,91 e 34,83 metros, permitem conhecer o estado atual das disponibilidades de água, e também fazer projeções sobre o que poderá acontecer ao longo dos próximos meses.
Assim, feitas as contas ao histórico de ambas as barragens, os números mostram que os meses de novembro ou dezembro são, salvo raras excepções, os primeiros meses de recarga.

Ou seja, é num destes dois meses que o volume de água da chuva e do escoamento superficial das ribeiras é superior ao volume de água gasto pelo consumo doméstico, pela agricultura e pela evaporação.
Fazendo uma análise à última década (2010-2019), percebe-se que na primeira metade da mesma, novembro predominava como primeiro mês de recarga, enquanto que na segunda metade era dezembro o primeiro mês de recarga daquelas albufeiras.
Quer isto dizer que até ao final de novembro de 2020 é expectável que os armazenamentos nas duas barragens continuem a baixar, atingindo-se não só níveis mínimos históricos, mas também muito preocupantes.
Isto porque os valores observados em agosto de 2020 nas duas barragens são os mais baixos da série 2010- 2019.
É mesmo necessário retroceder a 2005 para encontrar registos inferiores, de 32,75 metros em Odeleite e 32,70 metros no Beliche.
Previsões até ao final do ano
Com os valores observados no final de agosto de 2020 e a série temporal 2010-2019 é possível avançar com algumas previsões até ao final de novembro próximo.
Para tal, a série foi estudada calculando: a média dos últimos dez anos (2010-2019); a média dos últimos cinco anos (2015-2019); a média dos últimos três anos (2017- 2019) e, por último, apenas o ano de 2019.

Os resultados são interessantes.
Primeiro, com a média dos últimos 10 anos será novembro o primeiro mês de recarga; no final de outubro a Barragem de Odeleite terá a água à cota de 33,22 metros, ou seja ainda vai baixar 1,69 metros.
No Beliche os valores serão, respetivamente, de 33,13 e 1,70 metros. Já no que toca à média dos últimos cinco anos, será então dezembro o primeiro mês de recarga; no final de novembro em Odeleite a água estará à cota de 32,67 metros, ou seja ainda vai baixar 2,24 metros; no Beliche os valores serão, respetivamente, de 32,61 e 2,22 metros.
Tendo em atenção apenas a média dos últimos três anos, será novamente dezembro o primeiro mês de recarga; no final de novembro em Odeleite a água estará à cota de 32,32 metros, ou seja ainda vai baixar 2,59 metros; no Beliche os valores serão, respetivamente, de 32,27 e 2,56 metros.
Por último, tendo em conta apenas o ano de 2019, continuará a ser dezembro o primeiro mês de recarga; no final de novembro em Odeleite a água estará à cota de 31,33 metros, ou seja ainda vai baixar 3,58 metros; no Beliche os valores serão, respetivamente, de 32,25 e 3,58 metros.

Como os níveis mínimos de exploração são de 22 metros em Odeleite e 15 metros no Beliche, é fácil concluir que em Odeleite se estará entre 9 e 11 metros acima do mínimo, e no Beliche entre 17 e 18 metros acima do nível mínimo. Adotando uma linguagem popular, é possível afirmar-se que nos últimos meses de 2020 as reservas de água estarão quase a chegar ao fim.
Por outro lado, os mesmos cálculos permitem chegar a outra conclusão: quanto mais curto é o período considerado (dez, cinco, três ou um ano) e mais próximo se posiciona do presente, mais baixo é o nível da água armazenada no final do período de decréscimo de armazenamento.
Em Odeleite, para o referido período de 10 anos, a albufeira estará à cota 33,22 metros, mas com apenas um ano estará à cota 31,33 metros; no Beliche os números são, respetivamente, de 33,13 e 32,25 metros.
Estas diferenças tanto podem resultar de um incremento progressivo de consumos, como de valores de evaporação cada vez mais elevados, como ainda de ocorrência de precipitação nos meses de setembro a novembro cada vez mais diminutas.

Alterações na precipitação
A Estação Meteorológica da Junqueira, pertença da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve, permite conhecer dados de temperatura, evapotranspiração e precipitação e tentar encontrar algumas respostas.
Ao longo dos últimos 10 anos, as alterações verificadas nos dois primeiros parâmetros meteorológicos são mínimas, o que não se verifica na precipitação, onde o decréscimo é acentuado.
O gráfico ilustra bem essa realidade: a azul escuro está a precipitação acumulada nos meses de setembro, outubro e novembro e a azul claro a acumulada em setembro e outubro; as duas retas são as respetivas linhas de tendência (regressão linear).
No período estudado (2010 a 2019) pode- -se constatar que a quantidade de precipitação caída no outono foi reduzida para cerca de metade, facto que certamente contribuirá, de forma decisiva, quer para o cada vez mais tardio início do reenchimento das albufeiras, quer para os valores cada vez mais baixos dos armazenamentos de água nos finais de outubro e novembro.
Por conseguinte, é possível afirmar com elevado grau de certeza que as alterações observadas no regime da precipitação outonal estão a influenciar de forma marcante as disponibilidades de água armazenadas nas Barragens de Odeleite e Beliche.