«Ter saúde é um estado de bem-estar físico, psicológico e social», explica Francisco Amaral, médico e presidente da Câmara Municipal de Castro Marim, numa noite de sábado, no Azinhal, freguesia cuja população pouco ultrapassará os 500 habitantes. No entanto, e apesar da noite fria, não faltam interessados para participar em mais um «Baila Coração ao Som do Acordeão».
«Isto é exercício físico que as pessoas fazem quase sem o perceberem e para estas populações com alguma idade é o melhor medicamento que se lhes pode prescrever», continua o médico e autarca. A ideia remonta a 2015 e surge no âmbito da política cultural e social do município para tentar minorar o isolamento dos habitantes do interior do concelho e, ao mesmo tempo, contribuir para a sua qualidade de vida. A ideia pegou e esta quinta temporada está a ser bastante participada.
«É um antidepressivo muito eficaz e de efeito imediato, é um bom antirreumático e permite retardar a osteoporose. Estes efeitos, associados ao próprio exercício físico, podem contribuir para a redução do risco de quedas que muitas vezes causam fraturas complicadas», acrescenta Francisco Amaral. «Dançar ajuda a desenvolver, manter e recuperar o equilíbrio, o que é fundamental para reduzir o risco de quedas. E, por outro lado, temos a socialização. É muito importante, porque combate a solidão e pode ajudar a restabelecer relações sociais que se têm vindo a desvanecer com o envelhecimento e o esvaziamento demográfico da serra algarvia», sublinha.
A organização conta com a ajuda de João Pereira, presidente da Mito Algarvio – Associação de Acordeonistas do Algarve, e também da Junta de Freguesia de Odeleite, e funcionário da Câmara Municipal de Castro Marim, para manter as populações envolvidas. Encontraram uma forma simples e eficaz para a divulgação. Criaram um «clube de fãs» e pediram os contactos de telemóvel a todos os simpatizantes, amigos, candidatos a sócios ou simplesmente convivas destes bailes. E agora, todas as sextas-feiras, na véspera dos serões, enviam uma mensagem a lembrar o baile do dia seguinte e o local onde acontecerá. Avisadas as pessoas, as salas enchem quase sempre.
Todos os bailes seguem o mesmo padrão. Acontecem aos sábados entre as 21 horas e a meia-noite, num espaço público de uma das localidades do concelho. A Câmara Municipal assegura a presença do conjunto musical «Mato Bravo» e a população da localidade anfitriã contribui com a ceia que tem início mal acaba a festa e se prolonga por mais algum tempo. Como o «barlavento» apurou, também acorrem aos serões pessoas vindas de todo o Algarve e até da Andaluzia.
Quarteto «Mato Bravo»
António Rodrigues, um dos fundadores do conjunto, toca tabuinhas, instrumento popular algarvio inventado há algumas décadas por um fuzetense chamado Ti Chico Cebola. «Eu era pequeno e via-o tocar. Achei graça. Fiz umas tabuinhas parecidas e comecei a imitá-lo. Mas ele tocava só com uma mão e eu toco com as duas. Ele trabalhava à jorna pelos campos e quando havia festas os acordeonistas convidavam-no a troco de um jantar e 25 tostões, ou um copinho de vinho e cinco escudos. Agora eu herdei essa tradição!», brinca.
Na verdade, faz muito mais do que isso. No «Mato Bravo» António Rodrigues toca, dança e às vezes até canta. É um dos grandes animadores de cada «Baila Coração» com uma boa disposição inconfundível. Assume que o que o move «é a paixão. Eu faço este trabalho por paixão e vejo que as pessoas têm paixão pela nossa música. Isto é tudo emoção, amor, carinho. Nestes montes as pessoas precisam de algo que lhes alimente o coração e nós estamos a dá-lo. É por isso que estes bailes são tão bonitos», descreve.
Carlos Luz, artista (pintor) e guitarrista, também é fundador do «Mato Bravo». Natural da Madeira, vive no concelho de Alcoutim há décadas. Foi um músico que desafiou Francisco Amaral a criar um grupo de música regional que animasse o Mercado mensal de Castro Marim. Hoje afirma que a música do conjunto «é um ato de amor, que leva alegria às pessoas e as afasta do isolamento em que vivem habitualmente na serra algarvia. É uma festa e por isso somos sempre muito bem recebidos nestes serões. Às vezes até parece que há uma espécie de casamento entre os músicos e as pessoas, de tão felizes que todos ficamos!».
Fábio Guerreiro, acordeonista, é o mais novo e também a mais recente aquisição do «Mato Bravo». Veio substituir Miguel Pereira que começou a ficar cansado destas andanças. Em anos anteriores era presença habitual das galas de acordeão, mas agora admite que está mesmo «como peixe na água. Identifico-me mais com este género de música e com estas festas populares. Eu sou um acordeonista do povo e é aqui que estou mesmo bem. Fico feliz por tocar e por ver as pessoas felizes», confidencializa.
Francisco Conceição, acordeonista e reformado da GNR, foi e é um dos principais impulsionadores do «Mato Bravo». Assume-se como o pai do nome do conjunto. «Todos os membros são da serra algarvia e na serra só há mato. Então ficou Mato. E como é tudo gente de fibra ficou Mato Bravo». Está convicto da importância deste evento. «Estes montes estão quase mortos, mas os serões dançantes puxam pessoal. Nós temos sempre cerca de 200 pessoas que andam atrás de nós, de serão em serão. Correm o concelho todo, chamam amigos que vivem em Tavira, em Mértola e por aí adiante», garante.
Depois de ter estado quase esquecido, afirma Francisco Conceição, o acordeão tradicional está a ter um grande impulso nestes últimos anos. «Nós tocamos à antiga, sem playback, e as pessoas gostam muito disso». Mas, por outro lado, vê com algumas reservas o futuro. «A juventude diverte-se de outra forma, já não sabe dançar, não percebe isto. Mas pode ser que se canse das discotecas e os jovens comecem a descobrir estas coisas», remata.
Os próximos «Baila Coração ao Som do Acordeão» serão em Altura (27 de abril), Barrocal (4 de maio) e São Bartolomeu (11 de maio).