Animal Rescue Algarve em Loulé vê abrigo milionário em risco

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Associação Animal Rescue Algarve foi notificada pela autarquia de Loulé para fechar portas e demolir qualquer infraestrutura, num espaço de 60 dias. Proprietária do canil, apesar da situação ilegal, quer levar o processo até às últimas instâncias.

A Animal Rescue Algarve é uma associação fundada pelo inglês Sid Richardson. Há pouco mais de um ano, trocou o condado de Essex por Portugal e investiu 1,5 milhões de euros na criação de um abrigo para animais, numa zona conhecida por Cabanita, no concelho de Loulé.

De forma sucinta, nasceu assim o primeiro canil de sonho no Algarve, que conta com instalações modernas, acomodação para voluntários, gatil, campo de treinos e um modelo de trabalho inovador e totalmente distinto de espaços semelhantes.

«Temos um membro de staff para cada sete cães. Aceitamos qualquer voluntário que esteja interessado. Os animais passeiam duas vezes por dia, são vacinados, microchipados, esterilizados e as portas estão sempre abertas para quem os quiser visitar. Tudo isto suportado e organizado por nós», garante Sid Richardson ao «barlavento».

Apesar de todo o trabalho e dedicação, o abrigo recebeu, no mês passado, uma notificação por parte da Câmara Municipal de Loulé, que obriga à demolição e reposição do terreno, num prazo de 60 dias.

Heloísa Madeira, vereadora do Planeamento e Administração do Território da autarquia, justifica a medida.

«Perante a constatação da realização de uma qualquer operação urbanística sem os necessários atos administrativos de controle prévio (licenciamento), e/ou em desconformidade com as normas legais e regulamentares aplicáveis, os órgãos administrativos competentes estão obrigados a adotar as adequadas medidas de tutela e reposição da legalidade urbanística, que no caso em apreço se reconduzem à determinação da ordem de demolição, em virtude das obras levadas a cabo não serem passiveis de ser licenciadas, atendendo ao quadro legal e regulamentar em vigor», explica.

Assim, no dia 12 de novembro, a associação «foi notificada, do teor do despacho de demolição e reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes do início das obras».

Assim, ainda de acordo com a vereadora, «o infrator deve proceder à demolição da obra, e reposição do terreno nas condições que se encontrava inicialmente, devendo os referidos trabalhos ser iniciados no prazo máximo de 60 dias após o decurso do prazo de 15 dias de que dispõe o interessado para se pronunciar por escrito sobre o conteúdo da mesma», explica

Sid Richardson admite que tem uma construção ilegal. «Sim, nós construímos este abrigo em terras agrícolas, tal como centenas de outros o fizeram, mas precisamos de salvar estes animais. Querem passar a ideia que fiz um canil ilegal e que sempre soube que não era permitido. Dão até a ideia que sou tonto por ter gasto tanto dinheiro».

«A minha resposta é que em 2016 saiu a lei de que os animais não podem ser abatidos. Milhares de cães são salvos das ruas todos os anos e a partir desse momento, não podem ser mortos. Menos de cinco por cento desses animais chegam aos canis por via dos municípios. As autarquias precisariam de milhões de euros para providenciar abrigo para todos», argumenta.

Ainda consoante a vereadora louletana, esta notificação não foi a primeira que o abrigo recebeu.

«As primeiras denúncias foram rececionadas por este município em outubro de 2018. Um facto comprovado pelos nossos serviços de fiscalização municipal, tendo, o infrator sido notificado para regularizar a situação, sob cominação de serem determinadas por esta edilidade medidas de tutela e reposição da legalidade urbanística».

Em resposta, o abrigo de animais «foi solicitando sucessivas prorrogações de prazo para regularizar a situação. Desde o primeiro momento, tem plena consciência da ilicitude e ilegalidade da construção levada a cabo para a instalação do canil», sublinha Heloísa Madeira.

Sid Richardson, por sua vez, contesta esta afirmação. «Há três anos apresentei ao presidente [Vítor Aleixo] o meu projeto. Ele ficou entusiasmado. A única coisa que tínhamos de fazer era descobrir um terreno onde se pudesse construir. Três anos mais tarde, o melhor que conseguiram fazer foi dizer-me que teria de esperar mais quatro. Passei imenso tempo à procura de um local onde fosse possível, mas encontrar um terreno em Loulé onde se possa construi é impossível».

Situação que é também constatada por Heloísa Madeira. «Confirmamos a existência de contactos entre Sid Richarson e o executivo municipal no sentido de ser identificado um espaço com as condições adequadas para a instalação de um equipamento desta natureza, não tendo essa prospeção conjunta logrado identificar qualquer terreno que preenchesse esses requisitos», admite a vereadora.

«Foi transmitido a Sid Richarson que perante os grandes constrangimentos com que o município se deparava para identificar um local que preenchesse os referidos requisitos, a situação provavelmente só conseguiria ter uma solução cabal no âmbito das opções que seriam vertidas no processo de revisão do Plano Director Municipal (PDM) que se encontrava (e ainda se encontra) em curso».

Questionada sobre o destino dos 160 animais que o abrigo tem agora a seu cuidado, no caso de ter de ser demolido, a vereador refuta responsabilidades. A pergunta, «em primeira instância deverá ser colocada à associação».

Mas garante que a edilidade «e este executivo em particular, estão como sempre estiveram, disponíveis para, em conjunto, estudar e tentar encontrar as melhores soluções».

«Não vislumbramos qualquer alternativa à demolição»

Heloísa Madeira, vereadora com o pelouro do Planeamento e Administração do Património apesar da boa vontade, não vê grandes opções. «No atual quadro legal e regulamentar em vigor, não vislumbramos qualquer alternativa à ordem de demolição. Se nos for apresentada uma qualquer solução (que verdadeiramente não conseguimos vislumbrar) que se conforme com o referido quadro, estaremos abertos para discuti-la e apoiá-la», garante.

Já Sid mostra-se cético e desiludido. «Eles podem tentar trabalhar num plano comigo, mas o que acontece a estes animais? Têm aqui um canil com um bom modelo. Deviam tentar arranjar uma solução conjunta. Estamos a falar em fechar um canil que pode ter as respostas aos principais problemas dos canis portugueses. Este deveria ser o último a ser fechado, não o primeiro».

Ainda segundo o proprietário do abrigo ilegal, «a verdadeira questão que está aqui em causa é que a lei não pode ser transgredida. Por um lado, os animais não podem ser abatidos. Por outro, não se pode construir em lado nenhum e ninguém procura uma solução de compromisso. Estão a fazer de nós os maus da fita e por isso lançámos uma petição, na nossa página de Facebook, que já tem milhares de assinaturas».

Por parte da autarquia, a vereadora garante que «a defesa da causa animal está, como nunca esteve em nenhum executivo anterior, no ADN deste executivo. De realçar as ações ao nível da esterilização, vacinação, desparasitação e sistema de identificação eletrónica de todos os animais dados para adoção, gratuitamente.

Também o apoio financeiro e logístico a associações que atuam nesta esfera são exemplos desse olhar atento para com o mundo animal», garante Heloísa Madeira.

Por fim, Sid Richardson assegura ao «barlavento» que está disposto a levar esta causa «até o mais longe que conseguir. Estamos a trabalhar com três advogados e há muita coisa a ser tratada. Isto não é sobre nós, é sobre os animais. O que quer que nos aconteça vai definir uma posição, será usada como exemplo e que irá afetar o país. Ouvi a opinião de especialistas que me disseram que se houver vontade por parte da Câmara Municipal de Loulé, este espaço pode ser legalizado. Se quiserem encontrar uma maneira e uma solução, sabem que há precedentes disso mesmo».

Loulé manda demolir, mas reconhece o trabalho do abrigo

Nem Heloísa Madeira, nem qualquer membro do atual executivo, visitou o abrigo da Animal Rescue Algarve.

No entanto, «não há margem para dúvidas que reconhecemos o trabalho desta associação, tal como o de muitas outras e entidades que no nosso concelho, trabalham em prol e defesa da causa animal. Não está em causa a qualidade de vida proporcionada aos animais naquele abrigo, mas a situação de incontornável ilegalidade da respetiva construção atendendo à desconformidade, e insuscetibilidade de conformação, com as normas legais e regulamentares em vigor», sublinha a vereadora.

Um problema que pode abranger mais canis

Sid Richarson revela ainda ao «barlavento» que depois da ordem para demolir se ter tornado pública, tem recebido contactos por parte de responsáveis por outros abrigos, que receiam serem os próximos obrigados a fechar portas. «O que for decidido aqui pode ter implicações em todo o país. Nós temos uma causa e somos o único em Portugal que opera com este sistema. Temos animais que são bem tratados, reabilitados e saudáveis devido a este nosso modelo. Gostava que falassem connosco e tentassem perceber como este modelo pode beneficiar outros espaços. A única coisa que se quer falar é na ilegalidade. Outros canis já nos contactaram a dizer que estão receosos. É este o medo que se está a criar», lamenta o britânico.

Rui Cristina, Cristóvão Norte e Sid Richarson. Foto: Maria Simiris.

«Esta associação deveria ser um exemplo» diz Cristóvão Norte

O deputado do PSD Cristóvão Norte foi conhecer o abrigo da Animal Rescue Algarve quando a lei contra os maus tratos animais, do qual foi autor, celebrou cinco anos.

Ouvido pelo «barlavento», afirma que uma vez que não conhece todo o processo em causa, não se pode pronunciar.

«A única coisa que posso dizer é que, do ponto de vista do bem-estar animal, o que essa associação faz, deveria ser um exemplo para muitas outras. É um trabalho muito meritório. Se for possível conseguir uma solução para debelar o problema, creio que é desejável para todos. Uma solução que passe pela boa vontade de todas as entidades envolvidas, sejam elas quais forem».

Fotografias: Taya Maria.