Protocolo com a Docapesca vai permitir à Associação de Moradores da Ilha da Culatra (AMIC) gerir os fundeadouros para a náutica de recreio ao largo da Ilha. Receitas revertem para um fundo social e ambiental que ajudará a comunidade a implementar os objetivos do projeto de sustentabilidade energética Culatra 2030.
Um projeto piloto que une a Associação de Moradores da Ilha da Culatra (AMIC), a Docapesca e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) vai permitir que os fundeadouros para embarcações de recreio ao largo daquele núcleo possam vir a ser geridos por aquela associação.
Teresa Coelho, presidente Conselho de Administração da Docapesca explicou ao barlavento que «apesar de a Docapesca só ter assumido estas competências em 2014, as questões das comunidades piscatórias preocupam-nos muito. Percebemos que os fundeadouros que estão nas nossas áreas de jurisdição têm muitos problemas de segurança, e que os veleiros estão fundeados sem regras», por vezes em zonas ambientalmente sensíveis, como é o caso da Ria Formosa.
À margem do workshop «Culatra, uma comunidade energética sustentável», que teve lugar na quinta-feira, dia 13 de fevereiro, no Auditório da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve, em Faro, a responsável explicou como é que esta gestão, que alguns privados já tinham manifestado interesse em assegurar, foi entregue à AMIC.
«A nossa intenção é, sempre que possível, fazer procedimentos concorrenciais. Isto é, há um concurso público e quem ganhar fica com a gestão do fundeadouro. No entanto, a Culatra é um caso especial, em que a AMIC, pode e deve fazer fazer esse trabalho. Pedimos um parecer jurídico para perceber a legalidade de dar a exploração a uma entidade privada, respeitando todas as regras da contratação pública. A AMIC tem estatuto de utilidade pública e está nos seus princípios e na sua missão perseguir um conjunto de medidas de preservação do ambiente, uma entidade idónea, com quem temos uma relação muito boa, e foi-nos dito que sim, que poderíamos avançar com um protocolo», detalhou Teresa Coelho.

Assim, e para já, a AMIC vai gerir apenas uma área de fundeadouro (denominada Culatra 1), já que existe uma outra (Culatra 2) mas está sob jurisdição da Agência Portuguesa do Ambiente (APA). «Neste momento vamos ter de avaliar» essa possibilidade, disse ainda a responsável da Docapesca.
O protocolo define um conjunto de obrigações para a AMIC e será válido por um ano, renovável por igual período. Entre outras, aquele coletivo terá que criar um regulamento para as embarcações que futuramente ali quiserem fundear. O documento estará sujeito à aprovação por parte da Docapesca.
«O nosso objetivo é que alguém com capacidade possa fazer uma gestão de proximidade e sustentável». Teresa Coelho elogiou também o ICNF que «tem dado todo o apoio e tem-nos incentivado a resolver esta questão» e a AMIC «que tem um trabalho excecional».
«Os habitats estão em risco por causa da poluição, e portanto, há um esforço» para resolver o problema, rematou a responsável.
Também ouvida pelo barlavento, Sílvia Padinha, presidente da AMIC, mostrou-se bastante satisfeita, embora este seja mais um desafio para levar a bom porto.
«Os fundeadouros estão uma zona em frente à ilha da Culatra que é um porto de abrigo por natureza. No verão verificamos que chegam a estar ali mais de 300 veleiros fundeados, sem qualquer regra, ordenamento, ou serviço associado. O que queremos é criar condições de fundeio, sem ser com as âncoras que destroem as pradarias marinhas que ali existem, através de pontos fixos para arrendar. A associação prestará serviços às embarcações como a recolha dos resíduos e das águas sujas, algo que neste momento não acontece», explicou.
Mas para que a Ria possa ser gerida de forma mais sustentável e mais regulada para todos, a presidente da AMIC calcula que precisará de pelo menos, de 300 mil euros, para criar as infraestruturas necessárias. A ideia é integrar esta iniciativa nos apoios e financiamentos europeus no âmbito do projeto Culatra 2030.
«Sim, estamos a pensar numa perspetiva integrada. O dinheiro da gestão dos fundeadouros terá por destino um fundo que ajudará a população a implementar os objetivos do projeto de sustentabilidade e transição energética Culatra 2030. Mas esta é também por uma questão ambiental», concluiu.

Culatra quer ser freguesia
Ouvida pelo barlavento, Sílvia Padinha, presidente da Associação de Moradores da Ilha da Culatra (AMIC) revela que quer aproveitar o momento em que se fala na reorganização do mapa de freguesias para pedir ao governo que crie uma nova no concelho de Faro. É uma aspiração antiga, mas que no entender dos culatrenses, faz todo o sentido.
«Estamos longe do poder, de quem decide, pertencemos ao concelho de Faro, mas estamos mais próximos do de Olhão. No fundo, temos uma mãe e uma madrinha. Isto é bom», comparou. Mas, ao dos últimos 37 anos, a associação «acaba por fazer o papel de Junta de Freguesia. Praticamente, tratamos dos problemas da escola, do professor que falta, do médico que não há, da água, de tudo. Somos uma associação reivindicativa, a favor de melhores condições de vida para as pessoas e queremos continuar», garante.
No entanto, «uma vez que o governo vai analisar o novo mapa das freguesias, e até vontade de algumas revertem a união e tornarem-se novo autónomas, queremos aproveitar essa oportunidade. Temos vontade e estamos a reunir esforços para avançar para algo que tenha possibilidade de acontecer».
Esta ambição «não quer dizer que a Câmara Municipal de Faro e a União de Freguesias da Sé não se preocupam com a Culatra. Preocupam-se. Mas estão longe, estão afastados. Temos este problema da insularidade. Acreditamos que seria bom ter um presidente de Junta para defender os interesses da Culatra com ação política, pois estamos a falar de problemas que são muito específicos e acabam por não se enquadrar em nenhuma das outras freguesias do concelho. São problemas de outra ordem, que têm a ver com a pesca, por exemplo. Ter uma junta de Freguesia seria uma forma de garantir que a Culatra estaria sempre salvaguardada e defendida» no futuro.
Até porque «a associação de moradores, que funciona com um modelo de voluntariado, vai durar por mais quantos anos? Por enquanto estamos cá para o que der e vier. Mas não somos eternos. Haverá quem continue a ter esta motivação? Creio que se houver uma Junta de Freguesia, a população da Culatra estará sempre defendida».
Questionada sobre se seria candidata, Padinha diz que não é isso que está em causa. «Nem é meu interesse particular candidatar-me presidente de Junta, não gostaria que ficasse essa dúvida. Vou continuar sempre a identificar-me com o trabalho voluntário e reivindicativo da AMIC. É nesse trabalho que eu me revejo. A freguesia é para tratar dos problemas do dia a dia da comunidade e salvaguardar sempre o interesse da mesma, se um dia deixar de haver voluntários para se dedicarem e desenvolver a associação. Tenho receio que no futuro este modelo que temos hoje não encontre interessados», esclarece.

Regular a Ria Formosa, ajudar a comunidade
Centenas de embarcações de recreio fundeiam com âncoras de ferro em frente à Culatra, ao largo da Ponta da Areia, e da ilha Deserta para nascente. Há, no entanto, um alinhamento de fundeadouros previsto pelo Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) Vilamoura – Vila Real de Santo António.
A ideia é que as embarcações possam reservar locais para pernoitar, de forma ordenada e com um serviço de apoio incluído.
«Temos uma zona que é conhecida como um porto de abrigo natural, onde no verão, mais de 300 veleiros ali fundeiam, sem qualquer ordem, contaminando as águas da Ria Formosa. No verão aumentam significativamente os níveis de coliformes fecais, o que nos leva a crer que, de entre todas aquelas embarcações, há lixo e esgoto» descartado borda fora, admite Sílvia Padinha, presidente da Associação de Moradores da Ilha da Culatra (AMIC).
«Não há fiscalização que nos deixe descansados. Além da problemática da água potável, devido à seca extrema, temos também que acautelar a qualidade da água da Ria, pois isso pode pôr em causa toda a maternidade e todas as espécies que ali vivem», disse ainda ao barlavento.
Sílvia Padinha acredita que esta é uma medida que «ajudará muito. É um projeto piloto com a Docapesca e o ICNF, para que numa zona onde os fundos marinhos estão a ser destruídos pelas âncoras possa ser, usada, de forma mais harmoniosa». Além disso, é uma forma de quem quer desfrutar desta paisagem sensível, possa dar algo em troca, contribuindo «para um fundo social e ambiental que junta várias instituições da Culatra, e que tem por objetivo ajudar as famílias da Ilha a fazer a transição energética que é um dos principais objetivos do projeto Culatra 2030. Por exemplo, mais conforto às habitações, retirar os telhados de amianto para folha fotovoltaica».
Por fim, a dirigente associativa defende mais «estudos de capacidade de carga para a Ria. É necessário fazer uma mudança no excesso de navegação, que é um problema grave com o qual somos confrontados todos os dias».