Algarve é a segunda região do país com mais novos casos de VIH/SIDA

  • Print Icon

Diagnósticos tardios de VIH/ SIDA no Algarve têm vindo a aumentar, sobretudo na faixa entre os 30 e os 39 anos. Situação também é «preocupante» noutras Infeções Sexualmente Transmissíveis (IST).

Helena Ferreira, médica responsável pelo CAD – Centro de Aconselhamento e Deteção Precoce de Infeção pelo VIH/SIDA em Faro, está preocupada. 

A região registou 84 novos casos de HIV/ Sida nos últimos dois anos [2020 e 2021], o que corresponde a uma taxa de diagnóstico de 9,7 casos por 10 mil habitantes, segundo os dados do último relatório anual do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) e a Direção-Geral de Saúde (DGS).

A médica realça «o facto de cerca de 40 por cento dos diagnósticos serem efetuados numa fase tardia, o que significa que essas pessoas já transmitiram a doença a muitas outras». Diagnosticar alguém tardiamente, «é muito pior. Todos os anos, temos muitas pessoas que morrem com o primeiro diagnóstico porque são internadas numa fase já muito avançada da doença. No primeiro internamento têm uma complicação tão grave que já não conseguimos que saiam do hospital. Isso é algo que é preciso que se tenha noção», alerta.

Algo que no Algarve ainda acontece «muito», de acordo com Paula Proença, médica infeciologista na unidade de Faro do Centro Hospitalar e Universitário do Algarve (CHUA). Aliás, outro fator que tem deixado ambas as médicas em alerta, é o facto de o vírus parecer estar mais resistente à medicação. «Estão-nos a chegar jovens que, em princípio, terão uma infeção de um curto espaço de tempo, mas que já têm um sistema imunológico tão degradado e em baixo, como se estivessem infetados há sete ou 10 anos. Mas não. Dizem-nos que fizeram o teste no ano passado ou há dois anos e era negativo. Ou seja, há uma maior virulência das novas estirpes. Ou são mais fortes, ou então há uma maior fraqueza da população», justifica.

No Algarve, o número de mortes por VIH aumentou nos últimos dois anos. «Temos um grande problema na população mais idosa, mas que também acontece um pouco com todas as pessoas, que acabam por ter uma maior tendência a neoplasias [tumores]. Por isso, registamos uma mortalidade mais alta ultimamente. Não tenho números exatos, mas temos essa noção. As neoplasias têm aumentado muito nas nossas consultas. Vemos o mesmo na população, nas pessoas que têm o sistema mais fragilizado», refere Paula Proença. A colega de saúde pública chama ainda a atenção para o facto de existir também «um aumento de casos de internamentos de situações graves de pessoas mais novas com SIDA, algo que não víamos há uns anos».

Um dos motivos para isso acontecer poderá estar relacionado com a pandemia de COVID-19. «Houve uma diminuição do acesso à deteção precoce e à prevenção e agora estamos a sentir os efeitos. São pessoas que não fizeram a deteção precoce. Até se podiam ter infetado antes da pandemia, mas depois não foram diagnosticados. Por exemplo, o CAD encerrou. Apesar de outras instituições terem continuado a funcionar, como a Associação para o Planeamento da Família (APF) e o MAPS – Movimento de Apoio a Problemáticas Sociais, limitou-se muito a atividade. Os centros de saúde fecharam e isso está a ter consequências», denota a médica de saúde pública.

Esse motivo levou a que estejam a ser realizadas sessões de formação em todos os Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) do Algarve, «para alertarmos para a deteção precoce de VIH», acrescenta Helena Ferreira.

Diagnósticos tardios de VIH/ SIDA no Algarve têm vindo a aumentar, sobretudo na faixa entre os 30 e os 39 anos. Médicos estão preocupados.

Regiões turísticas têm mais risco

Sobre como o vírus tem sido transmitido e quem mais tem afetado no Algarve nos últimos dois anos, não há números, uma vez que os programas centralizados de declaração de doença não estão a funcionar no Hospital de Faro desde a pandemia, ao que o barlavento apurou. 

No entanto, as médicas falam em tendências. «Os homens são mais afetados que as mulheres, apesar de ter havido um ligeiro aumento de casos no sexo feminino por transmissão sexual. Há mais heterossexuais a infetarem-se. Mas, por outro lado, nos utilizadores de drogas injetáveis já são poucos os casos. Esta última é uma situação muito diferente de há uns anos atrás, em que a transmissão VIH predominava nestes utilizadores de drogas», aponta Helena Ferreira. Ainda assim, o Algarve manteve-se sempre entre a segunda e o terceira região com uma taxa superior de novos casos de VIH. Para Helena Ferreira, esta média elevada pode ter a ver com «as nossas características muito próprias de mobilidade das pessoas, do turismo e dos trabalhadores temporários. As regiões turísticas são sempre aquelas onde há mais casos de Infeções Sexualmente Transmissíveis (IST) e VIH», aponta.

PrEP, ou como prevenir a SIDA

A maioria das IST tem cura, à exceção da infeção pelo VIH, daí a «elevada importância de se diminuir a sua incidência», assegura Paula Proença. Ainda assim, o que muitas pessoas ainda não sabem é que existe um tratamento de pré-exposição da infeção. Trata-se de um medicamento denominado de PrEP (Profilaxia pré-exposição da infeção por VIH), que pode ser tomado por qualquer pessoa que não esteja infetada e que queira prevenir um futuro contacto de risco. O comprimido é dado de forma gratuita no CHUA e, para se ter acesso, basta marcar uma Consulta de PrEP, uma resposta que existe nos hospitais públicos algarvios desde o início de 2018, muito depois de outros países europeus, mas que tem estado a ter uma «excelente» adesão. «A consulta realiza-se de três em três meses para que a pessoa faça análises e tenha a certeza que está negativa. A medicação é muito bem tolerada, não tem muitos efeitos secundários e tem tido uma adesão espetacular em Faro. Tínhamos um período de consulta, agora temos dois e vamos ter de abrir um terceiro porque há, cada vez mais, interessados. São mais de 200 a tomarem a PrEP. Em Portimão, os números também são bons», revela a infeciologista. Na sua opinião, «este é dos melhores programas de prevenção a ser implementado», até porque, com uma toma diária do comprimido, a partir do sétimo dia, a proteção é de 100 por cento. Importante também deixar claro que, «as consultas são para todas as pessoas que pensam estar em risco de ser infetadas pelo VIH. Tivemos uma grande adesão por parte de homens que têm sexo com outros homens, mas a consulta é feita para todos: mulheres, heterossexuais, jovens, universitários, trabalhadoras de sexo, pessoas que estão de férias e podem ter comportamentos de risco com o álcool em excesso», esclarece Paula Proença.

Gonorreia e sífilis em ascensão

«Os dados para a nossa região não são bons. Em relação a outras IST têm aumentado muito», diz-nos Paula Proença. Já Helena Ferreira aponta para uma situação «preocupante» no caso da gonorreia e da sífilis. De acordo com as médicas, esta situação pode denotar-se devido à existência da Consulta da PrEP. «É uma população à qual não tínhamos tanto acesso. As pessoas que estão a tomar PrEP são saudáveis e não vinham ao hospital para tratar este tipo de infeções. Iam ao médico de família. Se calhar, tratavam muito mais tarde e quando já tinham sintomas mais graves. Agora, têm a oportunidade de chegar até nós na consulta. Há dias em que faço quatro diagnósticos de sífilis, quando há alguns anos não era assim, diagnosticava um por dia», esclarece a infeciologista. Algo que não tem de ser, obrigatoriamente, negativo. «As pessoas pensam que é mau, mas é espetacular que estejamos a identificar os casos assim que surgem. Estamos a impedir uma cadeia de transmissão. Na realidade, estamos a diagnosticar mais, mas também estamos a tratar mais», justifica a médica. À semelhança da infeção pelo VIH, também a gonorreia, «está a ficar mais resistente à terapêutica e mais difícil de tratar», alerta Paula Proença.

Comunidade LGBT é a mais «consciente»

De um modo geral, e segundo Paula Proença, médica infeciologista no Hospital de Faro do Centro Hospitalar e Universitário do Algarve (CHUA), a comunidade LGBT parece estar mais desperta e consciente dos riscos de uma Infeção Sexualmente Transmissível (IST), apesar destas poderem afetar qualquer pessoa, independentemente da sua sexualidade. «Na consulta da PrEP [profilaxia pré-exposição da infeção por Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH)] temos, sobretudo, homossexuais, que é a população que está mais desperta para a proteção. A comunidade LGBT, se calhar, está mais consciente e protege-se melhor que as outras pessoas que pensam que o VIH já não existe e que é uma infeção que nunca os irá atingir. Aliás, vemos isso nos jovens universitários que estão completamente descuidados e depois aparecem na consulta infetados e não sabem como apanharam. Há pouca informação atualmente e talvez a comunidade LGBT até esteja mais informada que as outras».

Doenças sem sintomas iniciais

O Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH), por exemplo, se estiver num estádio inicial, pode não apresentar sintomas. «Há muitas infeções que não dão sinais e depois temos outras que podem começar por nem afetar a parte sexual. Aparece uma febre e/ou borbulhas no corpo. Esse é um dos sinais que temos uma infeção pelo VIH. Na sífilis, por exemplo, pode aparecer uma úlcera no local do contacto sexual e uma semana depois já existem borbulhas por todo o corpo. Já na gonorreia temos outros sinais, por exemplo, pus na urina da manhã. Esta infeção, muitas vezes, é indolor. Não se sente nada, mas está lá e precisa ser tratada rapidamente», explica Paula Proença, médica infeciologista no Hospital de Faro do Centro Hospitalar e Universitário do Algarve (CHUA).

Consultas disponíveis

O Centro de Aconselhamento e Deteção Precoce da Infeção por VIH/SIDA (CAD) de Faro localiza-se na Rua Brites de Almeida, nº 6, 3º esquerdo e está aberto todos os dias entre as 09h30 e as 16h30, sem interrupção para almoço. O atendimento é anónimo, gratuito e confidencial. É possível realizar testes rápidos. Pode ser contactado por telefone (289 812 528). Já a Consulta da PrEP está disponível no CHUA em Faro e Portimão. A primeira funciona no piso 1 da Unidade de Imunodeficiência (UDIM), aberta nos dias úteis entre as 8h00 e as 12h00 e as 14h00 e as 16h00. Pode ser contactada por telefone (289891234) ou e-mail (cbrites@chalgarve.min-saude.pt). No Barlavento, realiza-se no Piso 0, junto à Consulta Externa no Hospital de dia de Medicina Interna, todos os dias úteis entre as 08h30 e as 18h00. Pode ser marcada por telefone (925665038) ou e-mail (enfdiamed@chalgarve.min-saude.pt).