Algarve (ainda) não é visto como destino eco-friendly pelos turistas

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Em média, o residente no Algarve tem uma «atitude favorável» para com o turismo, do qual também depende. Já o turista, apesar de fiel, não vê o destino como amigo do ambiente. São as conclusões dos recém-apresentados estudos RESTUR e TurExperience, da Universidade do Algarve.

Foram três anos de um estudo desenvolvido pelo CinTurs – Centro de Investigação em Turismo, Sustentabilidade e Bem-Estar da Universidade do Algarve (UAlg), que abrangeu 43 perguntas respondidas por 4.026 algarvios nos 16 municípios. O objetivo foi conhecer a opinião dos residentes em relação ao turismo, em época alta e baixa, de forma a definir estratégias de desenvolvimento turístico sustentável por parte dos agentes públicos e privados.

Os resultado do projeto RESTUR (Atitudes e Comportamentos dos Residentes: Contributos para o Desenvolvimento de uma Estratégia de Turismo Sustentável no Algarve) foram apresentados pela coordenadora da investigação, Patrícia Pinto, na sexta-feira, dia 17 de fevereiro, na sede da Região de Turismo do Algarve (RTA), em Faro.

Da amostra, verificou-se que mais de metade (57 por cento) dos inquiridos exerce uma profissão relacionada com o turismo, 47 por cento tem familiares diretos a trabalhar no sector e 67 por cento aufere rendimentos provenientes da mesma atividade.

Sobre os benefícios económicos, 97,2 por cento dos residentes concorda que o turismo aumenta as oportunidades de emprego, 91,8 por cento afirma que contribui para o desenvolvimento das atividades económicas locais e 87,3 por cento é da opinião que o turismo motiva a criação de mais negócios para os algarvios. Ainda assim, e paradoxalmente, a maioria também acredita que este sector é o principal responsável pelo aumento do preço das casas e dos terrenos (91,5 por cento), bem como do custo de vida (86,4 por cento) e dos bens e serviços essenciais (75,5 por cento).

Por sua vez, os impactos socioculturais do turismo são percebidos, sobretudo, pela sua influência positiva, já que 74,6 por cento é da opinião que contribui para o reconhecimento, prestígio e imagem dos seus concelhos. Também 67,3 por cento concorda que estimula as atividades culturais, os festivais e as tradições locais. No entanto, quase metade dos inquiridos (46,6 por cento) afirma que o sector turístico contribui para aumentar o consumo de drogas e álcool na região (46,8 por cento), e que aumenta o nível de stress da população residente (44,8 por cento).

Já sobre os impactos ambientais do turismo, os algarvios não têm dúvidas que são mais os negativos que os positivos. Apenas 35,4 por cento por cento é da opinião que melhora a limpeza dos espaços públicos, contrastando com os 66,2 por cento que acreditam que faz aumentar a poluição, o barulho e o lixo. Por sua vez, 57,6 por cento afirma que o sector motiva a ocupação excessiva das áreas naturais de livre utilização para residentes como praias, serras e áreas protegidas.

Ainda assim, segundo os dados do RESTUR, 88 por cento dos residentes no Algarve afirma que o seus concelhos beneficiam com os turistas e que devem continuar a ser destinos turísticos.

Nessa perspetiva, 84 por cento acredita mesmo que se deve investir no desenvolvimento da atividade turística. No entanto, a atitude muda se isso implicar a construção de instalações dedicadas a atrair mas turistas, com apenas 63 por cento a apoiar esse tipo de solução.

E a percentagem desce ainda mais, uma vez que apenas 43 por cento assegura estar satisfeita com o atual nível de desenvolvimento turístico do seu concelho. Pior, apenas 34 por cento concorda com a forma como o turismo está a ser gerido pelas entidades competentes na sua área de residência.

Outro dado que sobressai no estudo é o facto de apenas 33 por cento dos residentes sentir que pode confiar nos turistas. E, sendo que não são mais de 14 por cento os inquiridos dispostos a pagar novas taxas para contribuir para o desenvolvimento do setor no Algarve.

Já quanto à satisfação dos residentes com a sua qualidade de vida, concluiu-se que é moderada, sendo que os aspetos que mais contribuem para esse fator estão relacionados com elementos naturais, como a qualidade do ar e da água, ou ainda com quem vive nos municípios.

Por oposição, manifestam-se insatisfeitos com as taxas imobiliárias, com os benefícios do Estado (infraestruturas, educação e saúde), e ainda com o custo dos bens essenciais (alimentação, alojamento, vestuário e transportes) na região.

Para Patrícia Pinto, coordenadora do Projeto RESTUR, «em termos de conclusões globais, diria que os residentes percebem bem que o turismo tem impactos positivos na região, mas também negativos. Estão preocupados com o aumento dos preços, mas reconhecem os benefícios do sector para a economia local e para a geração de emprego. A opinião é favorável. Agrada-lhes o facto de sermos um destino turístico, apoiam a manutenção dessa condição e estão disponíveis para adotar algumas práticas que possam ajudar o Algarve a continuar a ser um bom destino turístico, excepto pagar taxas. No geral, diria que têm uma atitude favorável», apontou aos jornalistas.

Questionada sobre qual o dado que mais surpreendeu, a investigadora da UAlg respondeu que foi a própria evolução.

«A verdade é que conseguimos, ao longo de vários blocos de questões, fazer uma comparação com o que existia antes, durante e após a pandemia. Na maioria das variáveis comparáveis, estamos ao nível a que estávamos antes da pandemia. Seria de pensar que a COVID-19 pudesse alterar a forma como as pessoas percecionam a atividade turística, mas nem por isso, com exceção das preocupações com as questões ambientais. Pensávamos até que, talvez agora, pudéssemos valorizar mais o turismo, uma vez que o impacto económico foi enorme. No entanto, voltámos ao que tínhamos antes e estabilizámos a nossa perceção do que é o impacto da atividade turística no Algarve».

Todos os dados do estudo, discriminados por época alta e baixa, por concelho ou região, deram origem a uma plataforma online (RESTUR), já disponível para consulta.

Práticas ambientais «não são percecionadas»

Em simultâneo ao RESTUR, foi também desenvolvido pelo CinTurs, desta vez com coordenação da docente Manuela Guerreiro, o projeto «TurExperience – O impacto das experiências dos turistas na imagem do destino», que recolheu 2.027 inquéritos em época alta e 814 em época baixa. Focou-se em turistas provenientes dos principais mercados emissores: Portugal, Reino Unido, Espanha, França, Países Baixos, Alemanha, Irlanda e outros destinos.

«Como é que o Algarve, enquanto destino turístico, é experienciado e percebido pelos turistas?» foi a pergunta que deu mote à investigação. «Já existiam, de facto, outros estudos sobre o perfil do turista, mas aqui destaco o facto de o termos acompanhado ao longo do ano. Essa foi a nossa preocupação. Não nos cingimos a um ou dois meses», começou por justificar a coordenadora.

Sintetizando as principais conclusões do estudo, Manuela Guerreiro destacou «o facto de não sermos percecionados como eco-friendly, é um aspeto que merece atenção. O Algarve não está a ser devidamente percecionado enquanto um destino» amigo do ambiente. Por outro lado, «aspetos relacionados com práticas recicláveis e com a forma como tratamos o nosso desperdício, não estão ainda devidamente bem percecionados. Penso que, a este nível, ainda há um trabalho a fazer», recomendou.

Por outro lado, «a reputação e confiança no destino Algarve são elevadas, mas analisando por mercado, é interessante perceber que essa mesma confiança não está ligada à nossa história e cultura. Essa pode ser uma pista interessante para que se trabalhe mais a questão da identidade do lugar», reforçou.

Outro aspeto realçado pela investigadora, «é o facto de termos uma percentagem muito interessante de visitantes repetentes».

Também os resultados do TurExperience podem ser encontrados na plataforma online homónima. Tanto o RESTUR como o TurExperience contaram com o financiamento europeu do Programa Operacional (PO) Regional CRESC Algarve 2020.

RTA: «é reconfortante que a perceção dos turistas seja muito positiva»

João Fernandes, presidente do Turismo do Algarve (RTA), acompanhou a apresentação dos resultados dos dois projetos desenvolvidos pela Universidade do Algarve (UAlg), o RESTUR e o TurExperience.

Aos jornalistas referiu que «é muito reconfortante saber que, do lado dos turistas, a perceção é muito positiva em vários indicadores, até nos afetivos, para com o destino. Também é reconfortante saber que os residentes valorizam o envolvimento que o turismo tem no motor da economia dos seus concelhos de residência».

Já sobre os problemas sinalizados, Fernandes encara-os como «caminhos para a melhoria». O residente «está cada vez mais atento aos impactos menos positivos do turismo, em especial os que estão relacionados com a matéria da crise ambiental. Portanto, são sinais que devem, a todos nós que trabalhamos com políticas públicas, dar pistas para definir políticas mais consequentes com esta realidade».

Em média, o residente no Algarve tem uma «atitude favorável» para com o turismo, do qual também depende. Já o turista, apesar de fiel, não vê o destino como amigo do ambiente. São as conclusões dos recém-apresentados estudos RESTUR e TurExperience, da Universidade do Algarve.

Por outro lado, Fernandes salientou o facto de «não existir, nas mais de 4000 entrevistas, uma atitude de resistência ou anti-turismo por parte dos algarvios. Isso é muito importante para um destino que já é maduro e que já trilha a aposta neste sector desde os anos 1960. Quando hoje se fala de pressão turística, é muito relevante receber de volta a informação que temos uma boa aceitação desta atividade económica por parte de quem cá vive».

Projetos vão ser aprofundados

«Este estudo foi inspirado num idêntico realizado em Macau. Foi um trabalho bastante intensivo, mas que abarca a região como um todo. A maioria dos estudos realizados no Algarve focam aspetos relacionados com os turistas. Já sobre as atitudes e comportamentos dos residentes em relação ao turismo, há pouca informação. Existiam alguns estudos parcelares em relação ao impacto do sector nos locais, mas uma investigação que englobasse todos os concelhos, não existia e esta é a primeira», explicou Patrícia Pinto, docente da Faculdade de Economia da UAlg e coordenadora do RESTUR durante a apresentação dos resultados do projeto.

Esse é um dos motivos que justifica o facto de alguns dos resultados de ambos os Projetos (RESTUR e TurExperience) serem alvo de investigação mais aprofundada. Tal como explicou Patrícia Pinto, «há já teses de Mestrado, assim como um pós-Doutoramento em curso. Além disso, enquanto equipa de investigadores, há partes do trabalho que estamos a aprofundar com modelos mais complexos para os conseguir percecionar melhor. Por exemplo, queremos inteirar-nos das razões que fazem com que as pessoas adotem estes comportamentos pró-turismo e que se queiram envolver mais. Há aqui todo um conjunto de possíveis causas que poderão levar a um maior envolvimento das pessoas em prol da atividade turística. São modelos que já temos projetados e que com os dados do RESTUR queremos explorar e continuar com a publicação de artigos científicos».

E não só. «Estes projetos também têm dado origem a várias apresentações e conferências internacionais», concluiu.

Por sua vez, Manuela Guerreiro referiu que o projeto que coordenou, o TurExperience, pode mesmo ser «determinante» no combate à sazonalidade no Algarve. «A análise mais detalhada destes dados pode permitir encontrar segmentos de mercado ainda mais específicos. Apesar de só termos apresentado os dados globais, a informação pode ser detalhada e explorada de acordo com as necessidades das entidades públicas e empresas. Também estamos sempre disponíveis para dar resposta a alguma situação que nos chegue nesse sentido», garantiu.