Alcoutim rejeita todas as competências menos o combate à desertificação

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barlavento: No final de março, teremos a terceira edição do Festival do Contrabando. Há novidades?
Osvaldo Gonçalves:
Sim. Destaca-se o facto de haver uma maior envolvência por parte do nosso parceiro, o Ayuntamiento de Sanlúcar del Guadiana. Isto porque ao longo das duas primeiras edições conseguiram sensibilizar e valorizar juntos das entidades governamentais, da importância deste evento e da mais valia que o mesmo tem para as duas margens e por isso, através do aumento dos apoios financeiros, será possível uma programação mais alargada e diversificada na margem espanhola. Por outro lado, vamos apostar numa nova zona de restauração à entrada de Alcoutim para que as pessoas possam fazer uma refeição de forma mais confortável. Ao nível de oferta cultural, o programa é muito extenso, dentro da lógica do que tem sido as edições anteriores, com a ponte pedonal a fazer a ligação entre as duas margens, e que é o ex-libris do evento.

Pode dizer-se que é uma aposta ganha?
Fomos felizes na escolha do tema. O Festival do Contrabando surgiu de uma ideia chave, que era criarmos um evento-âncora em Alcoutim, que tivesse uma expressão local, mas que nos representasse ao nível regional, mas também devido à nossa proximidade com Espanha, que o mesmo tivesse um cariz transfronteiriço. De facto, este projeto, por iniciativa do gabinete técnico da área de turismo, foi-me apresentado logo no início do meu primeiro mandato, mas não cabia dentro do nosso orçamento, pois seria um esforço adicional para o qual não estávamos dotados financeiramente. Quando surgiu o «365 Algarve», avançámos logo com uma candidatura que foi aprovada. Este é um evento no Baixo Guadiana que está ao nível dos grandes festivais de referência que se realizam a jusante e a montante, nomeadamente Os Dias Medievais e o Festival Islâmico. É diferente e tem vindo sempre a crescer.

 

Uma das críticas frequentes recaía sobre a participação espanhola…
Repare, o entusiasmo deles é igual ao nosso. Mas a dimensão da autarquia de Sanlúcar, enquanto Ayuntamento, é que é limitada. Está ao nível de uma Junta de Freguesia nossa, dispõe de dois ou três funcionários. Tem orçamento diminutos. Só esta proximidade que temos tido é que permite que, ao nível do governo regional [da Andaluzia], tenham conseguido mais apoios.

Ou seja, Alcoutim, apesar de ser um município humilde, ainda assim, alavanca o vizinho espanhol?
Temos crescido em conjunto, cada um com as ferramentas que tem, embora o investimento do Festival do Contrabando, tenha sido sempre, desde a primeira hora, um apoio musculado nosso, comparativamente, em termos financeiros.

Como é a relação ao longo do ano?
É muito boa. Partilhamos as mesmas preocupações. Na prática, o que muda é apenas a língua, porque os problemas são os mesmos: a falta de pessoas, o território desertificado. Tentamos sempre, em conjunto, falar a uma só voz, no sentido de que a Europa olhe para nós enquanto territórios que precisam de medidas adaptadas a estas dificuldades. Senão, nunca sairemos destes problemas.

Alcoutim demonstrou disponibilidade para acolher o Observatório Nacional de Desertificação, mas isso acabou por não avançar…
Não aconteceu porque ficou dentro da cúpula do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), ou seja, está agregado na tutela. No entanto, na lógica dos centros de competências que já existem e que são um ponto estratégico na área da governança, foi criado o Centro de Competências da Luta Contra a Desertificação. Este é o vigésimo, está sediado em Alcoutim, em instalações do município e tem uma abrangência nacional com 38 entidades parceiras na sua fundação que são representativas do país, de Bragança ao Algarve. Estimamos que a inauguração oficial possa acontecer na primeira quinzena do mês de março.

E essa é uma solução à medida do problema, na sua perspetiva?
Eu espero que sim. O Centro de Competências da Luta Contra a Desertificação será aquilo que nós formos capazes de fazer dele. No papel, tem boas virtudes, em termos daquilo que são os objetivos a atingir. Agora, também nos coloca o desafio enorme de o pôr a funcionar. Para além da colaboração com que contamos no âmbito dos nossos parceiros, estamos também a contar que todo o entusiasmo que este governo tem nos temas do interior e da desertificação, se reflitam num conjunto de apoios que dotem este mesmo centro de capacidade para alcançar os seus objetivos.

E tem os recursos humanos necessários?
Terá de funcionar através de uma partilha entre todos os parceiros. Enquanto sede, temos uma responsabilidade acrescida na afetação de alguns recursos humanos nossos, que estão definidos nos compromissos do concurso para a instalação. Já fizemos uma candidatura ao Programa de Desenvolvimento Rural de Portugal (PDR2020), que foi aprovada e já temos um financiamento para arrancar.

Como está o município de Alcoutim em relação à transferência de competências?
Não aceitámos nenhum dos 13 diplomas que tanto têm dado que falar. Vamos esperar mais um ano para ver. Depois, com certeza, teremos de as receber, tal como todos os outros municípios farão. Mas nesta fase, a nossa estrutura não estaria preparada. Seria necessário um conjunto de recursos humanos para ficar com todas essas responsabilidades. Além disso, não fomos suficientemente envolvidos no processo para tirarmos dúvidas. E, como tal, achámos que, por agora, não devíamos receber essas competências. Aliás, foi uma decisão do executivo e da Assembleia Municipal.

Não tem sido pressionado?
Não. E isso é uma coisa boa porque, embora a Câmara de Alcoutim seja do Partido Socialista, posso garantir que não houve qualquer tipo de pressão.

Que gostaria de ver clarificado?
Dou um exemplo. Tenho dois diplomas em cima da mesa, na área da saúde e educação. Aquilo é um bicho de sete cabeças. Provavelmente, vou aceitar essas competências, porque tenho a capacidade de aferir se é ou não compatível com o envelope financeiro. Estou a fazer uma avaliação ao nível dos edifícios, do parque automóvel, do pessoal, dos custos e do financiamento proposto. Se chegarmos à conclusão que aquele envelope financeiro dará para cobrir as despesas das responsabilidades que vamos assumir, só tenho a ganhar com isso. E porquê? Porque na verdade, uma parte significativa do agregado nessas competências que querem transferir, nós já fazemos. Agora, outro cenário bem diferente é aceitar um conjunto de outras competências sem que nós saibamos de que forma é que as vamos exercer e, sobretudo, até onde vai a nossa responsabilidade, e também, como é que eventualmente poderemos vir a ser penalizados nas transferências do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF), que é a principal fonte de receita do nosso orçamento. Repare, há-de haver um conjunto de áreas que são financiadas através dos licenciamentos que advêm do exercício dessas mesmas competências. Mas onde é que eu vou buscar licenciamentos na área das praias? Ou de estacionamento? Dos jogos? Das redes viárias? Alcoutim é uma realidade completamente diferente. À cautela, aguardamos…

Que investimento municipal tem previsto para o seu concelho?
O investimento que está definido para o concelho e que foi aprovado no Orçamento e nas Grandes Opções do Plano para 2019, tem um componente muito significativa na área da habitação, uma vez que 47 por cento das despesas de capital estão alocadas a este investimento. É de facto a grande novidade no nosso plano de investimentos e histórico nos orçamentos do município nas últimas duas décadas, pela sua expressão. Avançamos com duas obras num total, previsto, de 1,7 milhões de euros. Contempla 26 lotes e a construção de cinco moradias. Isto denota bem a preocupação que temos nesta área, que é problemática. Digamos que é uma forma que entendemos de vir assegurar algumas pessoas e trazer outras. O loteamento tem uma parte com projeto incorporado (12 lotes), os outros, 14 com uma área de construção, onde as pessoas, cumprindo as áreas de construção definidas no Plano Diretor Municipal (PDM), podem ser criativas na sua construção. As casas que vamos construir, em princípio são para arrendar. Temos aqui alguma procura e um parque habitacional muito pequeno. Por isso vamos aumentá-lo com cinco casas. Seria ótimo se tivéssemos condições para fazer 20 ou 30, mas não temos condições. Fazemos à medida das nossas possibilidades.

Não deixa de ser curioso que Alcoutim, um concelho interior, sinta esse problema…
Nós temos, ao mesmo tempo, muitas casas abandonadas que as pessoas deixaram de usar, mas que, entretanto, não arrendam porque também não se sentem estimuladas para isso. Nesse sentido, não obstante o facto de aplicarmos as percentagens mínimas no cálculo do IMI, além do benefício ao quociente familiar, criámos também este ano e pela primeira vez, um redução de 20 por cento de dedução ao imóveis arrendados como medida estimuladora à pratica do arrendamento. Eu gostava de realçar que, temos um conjunto interessante de obras que estão em curso e, outras que irão arrancar aqui em Alcoutim, obras paisagísticas. Refiro-me, por exemplo, a um edifício que comprámos e que está a ser reabilitado de raiz para alojar as lojinhas dos produtos locais, num investimento de cerca de 400 mil euros. Temos também uma obra a ser feita no Grupo Desportivo de Alcoutim, de apoio aos nossos atletas da canoagem, um investimento que ronda os 180 mil euros. Temos um conjunto de obras de ligação nas águas que também já terminaram, em dezembro. E há três anos que estamos a trabalhar na criação de um parque de campismo que será um complemento à praia fluvial, e cujo projeto abre a possibilidade de a expandir. Não sei quanto tempo é que ainda vou demorar, mas gostava que fosse uma obra para ficar com a minha chancela.

E em termos de investimento privado?
Temos aprovados mais quatro projetos de licenciamento para parques fotovoltaicos, num total de 150 megawatts. A última vez que tive conhecimento, o processo estava com a GALP.

Está no segundo mandato. Tenciona recandidatar-se?
Não seria correto dizer que não. Mas posso também dizer que quando me candidatei, não estava nos meus planos de vida. Foi algo que surgiu, um desafio aliciante que aceitei e que mudou a minha vida. De facto, esta missão coloca-nos muitos desafios que estimulam a uma luta quotidianas. E, se por um lado as conquistas são muito gratificantes, também as dificuldades nos estimulam para uma batalha continua na procura daquilo que entendemos ser o melhor para as populações, para as pessoas, que são no fundo, a razão desta missão. E se no final deste mandato, sentir o apelo por parte de quem me tem eleito, certamente que não poderei dizer não. Embora, no momento, o meu foco é em cumprir, o melhor possível, este mandato.

Como é que vê o próximo ciclo político?
Penso muitas vezes nisto. Quando há tempestade, vem sempre a bonança, mas é fundamental que em tempos de calmaria nos preparemos para horas mais difíceis. Aquilo que é o meu receio, e que talvez tenha a ver com a minha sensibilidade para a área da banca, é que possamos estar a cometer alguns erros que foram cometidos no passado e que nos levaram aquilo que aconteceu. Se a história se repetir, de novo, não sei se haverá uma outra forma, ou uma receita diferente daquela que foi aplicada. Ou seja, se não tínhamos dinheiro, se estávamos numa situação de bancarrota, e alguém tinha de nos auxiliar, nós tínhamos de cumprir um conjunto de regras. É verdade que podiam não ter sido tão apertadas. E se calhar, a receita foi forte demais para a cura. Por isso que é importante valorizar a visão e a atitude deste governo e desta solução governativa, a quem devemos os benefícios que emanam da retirada do défice excessivo e do estatuto de lixo que era dado pelas agências de rating. E claro, as consequências que isso tem todas as implicações que isso significa para a nossa economia.

Guadiana é «diamante por lapidar» mas legislação bloqueia investimentos

Para Osvaldo Gonçalves, presidente da Câmara Municipal de Alcoutim, o Guadiana é «um diamante por lapidar». No entanto, a legislação não permite que se tire partido do potencial. O autarca exemplifica: «temos uma proposta de revisão da Reserva Ecológica Nacional (REN) que começou em 2012. Estamos em 2019 e se me perguntar qual é o ponto em que está esse processo, bem, está exatamente no ponto de partida. E cada vez que damos um passo à frente, temos que dar dois atrás. Andamos assim há sete anos». Ou seja, se não fosse este atraso burocrático «já poderia ter em fase de construção o projeto de um parque de campismo junto à praia fluvial, que acaba por ter uma dinâmica direta com o rio».
O investimento privado também fica prejudicado. «Recebi uns belgas que queriam investir em bungalows junto ao Guadiana. Disse-lhes que podiam contar com o apoio do município, mas antes de darem mais passos, aconselhei-os a perceber melhor as limitações. Acabaram por desistir. E como esses investidores, têm sido muitos», lamenta.
«Não se pode construir, nem se pode fazer nada nas margens do rio. Os investidores esbarram sempre em dificuldades e nós não temos a força para mudar isso. Enquanto não houver uma maior sensibilidade por parte de quem tem a administração do território, resta-nos denunciar e queixar. Direi até que a voz me doa que não sou daquelas pessoas que querem estragar a natureza. Sinto-me muito bem no meu concelho, que tem paisagens únicas. Mas não me custava nada infraestruturar um pouco dessa beleza» para não estar condicionado a «uma subsistência indefinida».

Elevado risco de incêndio preocupa autarca

O governo divulgou a 17 de janeiro, uma tabela e um mapa das freguesias com dois níveis de prioridades para a fiscalização da limpeza no âmbito do Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios (SNDFCI), por despacho (nº 744/2019) conjunto dos secretários de Estado da Proteção Civil, José Artur Neves, e das Florestas e do Desenvolvimento Rural, Miguel Freitas. A limpeza de terrenos confinantes a edificações (numa faixa 50 metros) e a aglomerados populacionais e áreas industriais (numa faixa de 100 metros) tem de ficar concluída até 31 de março. Também que a limpeza das faixas de proteção das redes viária e ferroviária e das linhas de transporte e distribuição de energia elétrica tem de ser feita até 31 de maio. Como o principal critério é a existência de material vegetal combustível, Alcoutim está na sua totalidade integrado na área de 1ª prioridade.

Sendo um dos concelhos mais extensos do Algarve com 576,17 quilómetros quadrados divididos por quatro freguesias, o autarca Osvaldo Gonçalves não esconde a sua preocupação. «Temos um povoado muito disperso e um conjunto muito grande de lugares sinalizados como pontos sensíveis. Agora, que o trabalho está a ser feito, está. O nosso gabinete municipal de proteção civil está a trabalhar no terreno com a GNR, que tem sido um parceiro muito importante. Em 2018 fomos um dos concelhos que contribuiu para a criação da faixa de interrupção contínua, com uma das mais longas que foram feitas», contabiliza. Este ano, a autarquia reforçou em 20 por cento o apoio aos bombeiros e renovou o protocolo com a brigada de sapadores do ICNF, sediada na Cumeada, que ajuda o município, sobretudo nas ações de prevenção e limpeza. «Vamos renovar o protocolo de vigilância com o Exército, se houver condições e disponibilidade para isso, já a partir de julho, no início da fase mais crítica. O concelho foi povoado com 36 mil hectares de pinheiro manso e isso representa um risco muito grande. Vamos fazendo o trabalho de casa, mas o primeiro passo é que as pessoas tenham comportamentos defensivos e que cumpram as regras».