Albufeira e o Algarve segundo Sérgio Brito

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Nascido em Alcantarilha e residente em Albufeira, Sérgio Brito é e um dos fundadores da algarvia Arandis Editora. Além de escritor e editor, criou um grupo chamado «Fássebuque Algarvie» na rede social Facebook, com cerca de 10 mil membros, sobre temas de cultura regional. Em entrevista ao «barlavento» comenta o sucesso da chancela e também a atualidade do seu concelho.

barlavento: Há sete anos foi um dos fundadores da Arandis Editora. O que o levou a embarcar nessa aventura?

Sérgio Brito: Fomos na altura, três aventureiros idealistas. Foi inicialmente pensada para editar apenas trabalhos nossos. O facto é que, rapidamente, muitos autores se reviram no espírito deste projeto e se juntaram a nós. Relembro que em 2012, vivíamos uma grave crise financeira, não se passando nada no Algarve. Havia uma falta de confiança generalizada nas pessoas. Tínhamos a sensação de que a crise nunca mais terminava, e que a auto-estima era, de facto, baixa. Por isso, a evolução deste projeto teria de ser implementada com muito cuidado e com uma gestão muito equilibrada. Realizámos no primeiro ano mais de 50 publicações, inúmeras apresentações e um encontro de escritores, que foi um sucesso. De facto, foi uma pedra no charco no panorama cultural da região. Afirmámos grandes valores algarvios que estavam fechados na gaveta. Hoje, estou muito orgulhoso de sermos o maior projeto editorial da história da nossa região, pois é um orgulho para todos os algarvios. Por vezes, fico um pouco vaidoso, ao olhar para o que realizámos, mas é uma vaidade muito diluída. A vaidade só fica bem a quem não a tem…

Neste momento, o vosso catálogo tem mais de 200 publicações. A que se deve esse ritmo editorial?
Como já referi, a identidade do projeto no qual os autores e o público se identificaram, assenta no ponto comum de termos como lema a promoção da cultura algarvia, não só a nível literário, mas também em outros valores regionais. A proximidade dos editores no acompanhamento dos autores é fundamental. Desde a primeira abordagem até à concretização final do livro, estamos próximos. Trabalhamos com base na confiança entre autores e editores, nunca fizemos contratos com ninguém, excetuando algumas entidades públicas por imperativos legais. Há que ter em conta também os preços das edições. Todos os trabalhos são impressos no Algarve, assim como somos nós, os sócios, a fazer todo o trabalho de apoio logístico na realização de cada livro, sem imputar custos à editora, o que se traduz também num ponto crucial. Quisemos, desde o início, criar valor na região. Nunca vimos este projeto pelo ponto de vista comercial, no entanto, com a dimensão alcançada, temos de rever alguns procedimentos sem perder os nossos valores identitários.

Esperam expandir-se a outras regiões, ou a Arandis Editora está destinada a ser uma editora regional?
Desde o início que temos tido sempre propostas para podermos ser, mais abrangentes, do ponto de vista editorial. Temos editado, pontualmente, e realizado as apresentações, em outros locais do país. Estamo-nos a esforçar, também, para que se consiga distribuir os nossos livros nas grandes superfícies. A verdade é que o mercado está dominado pelas grandes editoras, e não é nada fácil, até porque os custos são enormes, o que invalida qualquer projeto da nossa dimensão. Contudo, temos uma loja online que funciona bastante bem, na medida em que vamos sendo mais conhecidos no país e no estrangeiro.

E que mais está no prelo?
Num futuro próximo, teremos de abraçar projetos de maior dimensão. Os apoios institucionais, na sua maioria, vêm da parte das autarquias e são bastante importantes, pois servem para promover os trabalhos dos autores dos municípios em questão. Quando falamos em apoios, não falamos de grandes montantes. Por vezes, basta a aquisição de alguns livros. Felizmente, temos um excelente relacionamento com todos os municípios e muitas juntas de freguesia. Revelamos, ainda, o apoio de várias obras por parte da Direção Regional de Cultura do Alentejo. Temos tudo para crescer e desenvolver a editora, mas o que falta, às vezes, é o embalo necessário.

Além de sócio da Arandis Editora, pertence a várias associações. Como desenvolve essa atividade cívica?
Aos cinco anos já era escuteiro. O espírito de servir do escutismo foi determinante na minha formação cívica. Se tivermos, além dos nossos deveres familiares e profissionais, a possibilidade de contribuir um pouco mais para a comunidade que nos envolve, isso é bastante meritório. O nosso país tem um forte cariz associativo, e considero esta participação cívica da sociedade, um pilar essencial para que a mesma seja mais fraterna.

Também faz parte da direção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Albufeira. É uma tarefa difícil?
Tudo se torna mais fácil quando temos os melhores a trabalhar em equipa. Orgulho-me do que a associação tem feito ao longo dos últimos seis anos. Melhoramos muito, mas muito mesmo, as condições de trabalho e de segurança das mulheres e homens, que constituem o nosso corpo de Bombeiros. Esse foi o principal objetivo da atual direção desde o início. É para estas pessoas que trabalhamos, pois são eles a razão de ser da associação. Todo o mérito é deles. Como tesoureiro faço o melhor que consigo. Todos sabemos que uma associação desta natureza se depara sempre com enormes dificuldades financeiras. Conseguimos, contudo, criar estabilidade, mesmo continuando a investir em novos equipamentos. A comunidade de Albufeira é muito próxima do nosso corpo de Bombeiros e ajuda bastante. O apoio da Câmara Municipal tem sido fundamental nos últimos anos, não se desvinculando da sua responsabilidade, relativa às suas atribuições, quanto à proteção civil.
Tendo assumido este dever, não faço mais do que cumprir a minha obrigação, e deixo os meus votos, ao corpo de Bombeiros de Albufeira para que o dinamismo de querer sempre melhorar, continue por muitos anos.

Qual a sua opinião do atual contexto político?
Considero que o exercício político é revestido de enorme nobreza, mas nem sempre todos os agentes políticos estão munidos de formação ética para o seu exercício. Esses são a exceção. Não podemos generalizar ou cometemos o mesmo erro e estamos a ser coniventes na falta desses valores. A ideia de que todos são corruptos é pura demagogia, pois temos políticos de enorme valor, e são esses que temos de valorar. O que acontece, muitas vezes, é a ausência de simetria na mensagem política que se quer transmitir. Muitas vezes os discursos são demasiado elitistas para o ouvinte comum. A política ativa é uma realização pessoal para alguns indivíduos, mas não se pode esquecer que a sua realização pessoal, ou outra, não é mais do que um serviço público. Quem não cumpre um programa eleitoral ao fim de um mandato, não disse a verdade, porém isso não faz do individuo um mentiroso, se tiver a humildade e a faculdade de se desculpar. Esta desculpa não se destina a si próprio, deve ser apresentada a quem acreditou e depositou a sua confiança nesse programa. A verdade não se omite. Só assim há coerência entre o exercício político e os seus destinatários. Temos de continuar a acreditar no sistema político que temos. Há erros, todos sabemos que sim. Temos o direito de crer que um agente político é impoluto. Claro que sim! Mas também temos de fazer a nossa parte participando. É possível fazer política sem estar na política ativa. É um dever de cada um, como seres sociais que somos. Disso não abdico, ou estaria em negação.

Enquanto empresário, como analisa a atividade turística em Albufeira?
Trabalhei durante 25 anos na banca em Albufeira e acompanhei todo o boom económico e social deste município. Quando há economia, há bem-estar social. Este princípio é transversal a todo o desenvolvimento que se queira implementar. Recordo um artigo, publicado num jornal nacional, que, de forma algo pejorativa, referia-se a Albufeira como a autodenominada capital do turismo.
De facto, Albufeira é a capital do turismo! Esta autodenominação é um orgulho para todos os albufeirenses e deverá ser também para todos os portugueses. Não pode, e nem deve ser motivo de alguma inquietação invejosa, em relação a outros destinos nacionais, e muito menos no respeitante à nossa região. Albufeira representa 17 por cento do total de dormidas do turismo nacional, superando 10.000 milhões de dormidas em alojamento classificado. Este número representa mais de 2,3 milhões de pessoas que fruem o município. Há que acrescer a estes números, os residentes oficiais (40 mil), os não oficiais e turistas não classificados, que em número superam os 150 mil, ou seja, Albufeira anualmente tem, em média, 2,5 milhões de pessoas. A contribuição total para o PIB da região do Algarve em 2018 foi de 4,5 por cento. Albufeira representa dois por cento deste valor. Em 2018 foram distinguidas 77 empresas do concelho com o estatuto, PME lide e PME Excelência, o que representa 40 por cento das empresas distinguidas na região.

Mas não teme que Albufeira venha a perder atratividade?
Sob a clareza dos números, não há muito a acrescentar. Agora se me perguntar qual o futuro deste dinamismo económico, registo algum receio em relação ao Brexit e à concorrência dos destinos de praia, da bacia do Mediterrâneo. Os principais mercados concorrentes fazem uma média de 400 euros por pessoa com tudo incluído, e isto torna-se complicado para nós, se os hoteleiros não souberem ou não conseguirem acompanhar estes preços. Albufeira tem uma quebra pequena em relação ao resto da região, a queda não é maior porque está sustentada pelo turismo britânico.

Concorda com as polémicas relativas à falta de segurança na cidade?
Todos os locais têm os seus problemas. Albufeira recebe quase três milhões de pessoas por ano, e nem todas as pessoas se comportam da mesma maneira. Costumo afirmar que somos a cidade mais segura do país. Temos um efetivo de perto de 100 elementos da GNR, que estão no mesmo quartel construído há cerca de 27 anos. Acha isto normal? A média nacional por cada 100 mil habitantes é de 450 agentes da polícia; face aos números de residentes e turistas é só fazer as contas para verificar as necessidades do concelho. A centralidade em Lisboa olha para o Algarve e para Albufeira com certa indiferença, sempre assim foi, desde o início da colonização pelos portugueses, remetem-nos a uma condição de insularidade. Nunca tivemos um peso político bastante para despertar consciências, apesar do meritório e esforçado trabalho dos deputados eleitos pelo Algarve.

Há quem queira criar códigos de conduta social, porém não vejo o nosso ordenamento jurídico sustentar tal ideia, por violar os direitos fundamentais consagrados constitucionalmente, como a tutela dos direitos de personalidade. Contudo, há zonas da cidade que recebem milhares de pessoas e que se encontram com as mesmas infraestruturas de há 25 anos, precisando de renovação e qualificação urgente. Recentemente, foi apresentado um plano bastante ambicioso para a requalificação de várias artérias, plano este fundamental, que espero vir a ser implementado o mais breve possível.

Enquanto autor, está a trabalhar em algo?
Estou intensamente entregue à transcrição das posturas municipais de Albufeira do século XVIII. Quero editar este trabalho em formato de código, comentado e anotado. Será uma obra de extremo interesse, até porque a história de Albufeira, neste século, é praticamente desconhecida. No ano 2018 plantei cerca de 5000 medronheiros. Para este ano espero conseguir plantar outros tantos. Estou a criar um oásis no centro de um eucaliptal imenso na serra de Monchique. A nível pessoal pretendo dedicar grande parte do tempo ao meu neto Duarte.

Fotos: João Chambino.