Está «iminente a destruição» das Alagoas Brancas para dar lugar a um loteamento industrial. Autarca de Lagoa diz que obra é legal, foi aprovada em 2009 e não pode ser travada.
Os «patos-bravos» que já pousaram por todo o Algarve estão a fazer mais um «ninho de cimento» num local que «funciona como bacia de retenção, em caso de pluviosidade elevada» em Lagoa. Os trabalhos de terraplanagem e de impermeabilização de solos nas Alagoas Brancas são «uma agressão ambiental grave e desnecessária» para as Organizações Não-Governamentais (ONG) Almargem, A Rocha Portugal, GEOTA, FAPAS, Liga para a Proteção da Natureza (LPN), Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) e ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável que, em conjunto, convocaram uma marcha de protesto no final da tarde de sábado, dia 22 de outubro.
A manifestação mobilizou cerca de 100 pessoas. Em causa, o início da «destruição do habitat de mais de 300 espécies de plantas e animais nativos, alguns dos quais protegidos por lei ou ameaçados de extinção. Além disso, destrói-se a possibilidade da criação de um local único na cidade para o usufruto da população, para a proteção da natureza e para a redução do impacto de cheias e enxurradas. Isto, para construir mais uma zona comercial que, a ser necessária, poderia ser construída noutro local da cidade», defendem os ambientalistas, no comunicado que serviu também para mobilizar a marcha-protesto.
Para estas entidades, está a ser feito um «projeto desatualizado em termos económicos e desfasado da realidade social atual» que «só avança pela teimosia do executivo autárquico local, enquanto outras autarquias hoje em dia no Algarve até incentivam a intervenção dos cidadãos na gestão do território e a valorização de espaços naturais junto dos centros urbanos, onde pequenas áreas naturais, como as Alagoas Brancas, podem servir de local de lazer e de conhecimento, e de fonte de mitigação das alterações climáticas e proteção da biodiversidade».
Os opositores consideram que «o executivo autárquico de Lagoa ignorou um projeto de requalificação e proteção da área, com financiadores e benefícios económicos e sociais importantes. É incompreensível e inaceitável nos dias de hoje esta prepotência camarária exercida contra os desejos dos cidadãos que fazem a escolha pela qualidade de vida das gerações futuras».
Perante tais acusações, Luís Encarnação, presidente da Câmara Municipal de Lagoa, ouvido pelo barlavento, apresenta uma visão diferente e defende a legalidade. «O último desenvolvimento foi uma providência cautelar intentada pelos contestatários e recusada no Tribunal Administrativo Central. A rejeição foi confirmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, que deu total provimento e total razão ao promotor que tem todos os direitos e pode avançar com a obra».
Segundo o autarca, a intervenção está aprovada e «decorre de um instrumento de planeamento do território em vigor que é o Plano de Urbanização de Lagoa (P3), aprovado em 2009. Nessa altura, eu não estava na Câmara, seguramente, nem o Partido Socialista (PS) era executivo. Agora, enquanto o P3 estiver em vigor, que será até dezembro de 2023, é lei. Com o novo Plano Diretor Municipal (PDM), por via das dúvidas, colocamos aquela zona em área rústica. No entanto, o P3 tem direitos hierárquicos superiores ao PDM. E enquanto estiver em vigor, não há qualquer dúvida quanto à legalidade para que o promotor possa avançar. Da mesma maneira que não podemos viabilizar o que não é viabilizável, também não podemos inviabilizar aquilo que é viabilizável».
Ou seja, trata-se de um processo «irreversível. Reverter essa decisão tem consequências além daquelas que possam ser do ponto de vista pessoal e patrimonial dos detentores dos cargos políticos que as tomam. Obriga também a indemnizar o promotor. Nunca houve um valor apontado, mas numa abordagem informal que foi feita com o promotor, estamos a falar de muitos milhões de euros».
Por isso, o presidente da Câmara de Lagoa considera que neste caso nada pode fazer. «E os vários estudos e até a monitorização que fazemos daquele espaço, dizem que só há água durante dois meses por ano, no máximo três. Quando há água, as aves que vão para lá, são as que estão do outro lado da estrada, nos arrozais. São os mesmos pássaros. Atravessam e fazem 300 ou 400 metros em linha reta para ali. No período restante, não há água nem pássaros. O juiz do Supremo Tribunal também faz referência a isso, não reconhece os valores ambientais que são reclamados pelos ambientalistas».
Luís Encarnação também sublinha que em setembro «o promotor pagou a taxa e levantou o alvará do loteamento. O que faremos agora é fiscalização sucessiva». No local está a ser construída «uma área para desenvolvimento de indústria ligeira, comércio e serviços. Os futuros proprietários de cada lote vão definir o que querem fazer».
Entretanto, está em marcha uma petição com mais de 7000 assinaturas e um processo judicial no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que, segundo os ambientalistas, ainda pode reverter a decisão da autarquia.