Em causa está o não cumprimento de alguns pontos do programa eleitoral de 2017, sobretudo no que toca à reforma da administração dos serviços da Câmara Municipal de Loulé, segundo explicou Adriano Pimão ao barlavento.
O mal-estar já estava instalado e ontem, já perto do final da sessão pública ordinária da Assembleia Municipal de Loulé, dia 26 de junho, Adriano Pimpão formalizou a vontade de não continuar a presidir aquele órgão.
«Gostaria de dizer que a próxima sessão será presidida pela senhora primeira secretária (Rosana Durão), visto que considero que não tenho condições para continuar a exercer as funções de presidente da Assembleia Municipal» de Loulé, disse.
O ex-Reitor da Universidade do Algarve sublinhou que renunciou «ao cargo para o qual eu fui eleito e que julguei que estava a cumprir de acordo com princípios que aqui tentei defender, mas que não consegui ao longo deste tempo».
Remetendo explicações para a continuação da sessão (na segunda-feira, dia 29), onde se tratará da reeleição da mesa, Pimpão garantiu que «é uma decisão individual que eu acho que tenho de tomar em consciência por respeito comigo próprio, por respeito pelo cargo para o qual me elegeram e por respeito pelos cidadão do município de Loulé, pelo qual eu me debati para mudar a forma de gestão no município e também de tudo aquilo que tem a ver com o desenvolvimento económico e social daquele que ambicionei, juntamente com muitos outros, ser um dos melhores concelhos para viver, trabalhar e investir».
«Tenho de confessar que não consegui».
No início da sessão, um arquiteto apresentou uma reclamação, na qual acusou a Câmara Municipal de Loulé de «dualidade de critérios» na forma como são avaliados os projetos urbanísticos apresentados à autarquia louletana.
«Para simplificar, dizer que alguém vem e é despachado num sentido, e depois vem outra pessoa e é despachada noutro sentido. Isso é um assunto, que mal ou bem, devia ser esclarecido», disse Adriano Pimpão.
«De facto, tem sido voz corrente que há cidadãos que se dirigem aos serviços desta Câmara Municipal e que se diz, se (um projeto) não vier assinado pelo técnico tal, nós não aprovamos. Isto é grave e é voz corrente», admitiu o presidente demissionário, o que provocou protestos.
«Não vale a pena estarmos todos aqui a fingir que não sabemos, porque isto são insinuações que aparecem continuamente. E que passam por vários mandatos. Não estou a falar apenas neste mandato. É uma questão de bom funcionamento da administração público. Era importante os cidadãos poderem ter acesso aos despachos dos processos, é uma questão que eu até assumi como candidato, mas que não posso cumprir. É uma questão de honra também».
Pimpão sugeriu usar o caso para se investigar, de uma vez por todas, a veracidade das acusações.
«Eu não sou um mestre de cerimónias e um distribuidor de papéis. Isto tem a ver com o bom nome do município. Porque quanto mais tempo as coisas demorarem, mais insinuações aparecem», defendeu.
Por fim, deixou um recado. «Senhores deputados, nomeadamente os senhores deputados da maioria, eu prometo que me calarei e que deixarei de exercer as minhas competências como deputado, visto que, eventualmente, o conceito de deputado que se tem é estarmos calados. Portanto, eu passarei aqui ser um mestre de cerimónias desta sessão, a bem da tranquilidade que a bancada pede que o presidente da assembleia tenha».
Adriano Pimpão: «se calhar, o problema de Loulé é ter dinheiro a mais»
Ouvido hoje pelo barlavento, Adriano Pimpão confirmou que não voltará atrás nesta decisão.
«As razões têm a ver com a forma como se olha para o programa eleitoral e para uma série de obrigações que assumimos perante os eleitores. Depois, há casos mais recentes de cidadãos irem (à Assembleia Municipal) expor situações que poderão ter a ver com eventuais irregularidades na forma de atendimento dos munícipes e de desigualdade no tratamento, que eu acho que deveriam ser verificados e investigados pelo executivo», já que o episódio da sessão de 26 de junho, não foi caso único.
«Acho que para a salvaguarda de todos, não só da instituição, mas também dos próprios visados, o assunto deveria ser esclarecido e rapidamente. Por outro lado, a responsabilidade da Assembleia é grande, porque a lei diz que aquilo que os cidadãos depositam na mesa deve ser analisado».
Por outro lado, o também professor de Economia, nota que nos últimos anos, «a administração central foi avançando na forma de tratar com os cidadãos, tornando os processos mais transparentes».
Em comparação, «o município de Loulé teve sempre um problema, se quisermos, que remonta a antes de 2013, que se dizia que tem serviços com formas de tratamento muito diversas com uns e outros. Muitos arquitetos recusavam-se a apresentar projetos porque diziam que não se sabiam bem quais os critérios. E portanto, como disse ontem, se tínhamos por lema fazer de Loulé um dos melhores municípios para se viver, trabalhar e investir, sabemos que isso passa logo pela simplificação administrativa. Tudo isso é muito importante para o desenvolvimento económico».
Ainda segundo Adriano Pimpão, uma plataforma digital de gestão de processos é hoje comum sobretudo em municípios com menos recursos, porque a transparência é uma ferramenta para conseguirem ser mais competitivos.
«Como às vezes se diz nas famílias, se calhar, o problema de Loulé é ter dinheiro a mais. Porque se tivesse dinheiro a menos, faria como tantos outros municípios por esse país fora, que fazem um grande esforço para atrair pessoas e empresas. Esses municípios organizam os seus serviços de forma a torná-los muito eficientes».
«Está provado que isso assegura a celeridade e é uma forma de prevenir corrupção. Uma coisa que temos de fazer nos municípios são princípios de prevenção de corrupção. Estamos todos nós, na altura de querer assegurar a transparência. E portanto toda a administração pública em Portugal tem estes objetivos. Até temos uma agência de modernização administrativa que até pode dar apoio» às reformas ao nível local.
E vai mais longe: «quando se tem muito dinheiro, se calhar, o dinheiro acaba por resolver os problemas. As coisas essenciais acabam por ser ultrapassadas, com mais uma festa, ou outra. Este governo tem um programa de relação com os municípios precisamente para implementar lojas de munícipes, em que a pessoa vai lá e trata de tudo».
Um exemplo concreto, «que já peço há tempo que se altere tem a ver com uma simples ligação à rede de água. Uma pessoa que faça um pedido tem de ir a vários sítios, esperar uma carta, pagar» com demoras e burocracias.
«Toda a gente sabe que quando as coisas são complicadas, isso dá lugar a outras traficâncias. E portanto, um município que se quer moderno e avançado tem todo o interesse» em reformar os serviços.
Questionado sobre se a decisão de se demitir o coloca em conflito com o Partido Socialista (PS), Pimpão justifica que não.
«Não sou militante do PS. Sou talvez na Assembleia Municipal de Loulé, a pessoa que colabora com o PS há mais tempo. Aquilo que tentei ontem dizer, é que eu tentei seguir aquilo que eram as orientações do PS para a campanha eleitoral e os compromissos para as autarquias locais, desde simplificação administrativa e até medidas de carácter ambiental. Isso está assinado por António Costa e devia ser assinado por todos os deputados municipais, não só como compromisso, mas para as pessoas saberem o que deveria ser a política. Era um guia. Eu decidi seguir e até fiz um texto adaptado para o município de Loulé com compromissos gerais».
«Eu diria, na minha modesta opinião, e neste caso, parcial, que cumpri com as orientações do PS. Se alguém se afastou das orientações do PS não fui eu. Foi o PS em Loulé. Começaram logo pela não disponibilidade de darem aos candidatos esse documento».
Adriano Pimpão reforça que «desde há 40 anos que toda a minha vida política teve a ver com o PS e portanto estou completamente compatibilizado com o partido. Agora é evidente que não estou de acordo com uma secção do PS Loulé porque foi ela que achou que não se devia fazer determinadas coisas. Pronto, paciência. Como eu me candidatei como deputado nas listas do PS, e se o PS acha que as minhas ideias, os critérios e os meus valores não servem, tenho de sair. Tenho de respeitar o partido», garante.
«Comprometemo-nos que até ao final de 2019 haveria água e esgotos ao longo da EN125. E como isto há outras coisas. O programa eleitoral do PS de 2017 tinha uma série de medidas muito positivas e que eu acho que valorizavam muito a administração local ao nível do município. No meu ponto de vista, não estão a ser cumpridas. O executivo pode ter outra opinião, como, enfim, é seu direito».
A continuação da sessão será na segunda-feira, 29 de junho, presidida por Rosana Durão. A eleição do próximo presidente deverá demorar cerca de duas semanas.