«Teatro de Vizinhos» à procura de uma identidade farense

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Uma qualquer viagem de autocarro para a Praia de Faro, em que tudo pode acontecer, e a sua velhinha ponte inspiram o primeiro trabalho do novo grupo comunitário «Teatro de Vizinhos». Chama-se «Sai da Frente» vai estrear amanhã, sexta-feira, dia 6 de novembro, às 21h30 no Teatro das Figuras.

São quase 30 os participantes, entre os cinco e os 70 anos, todos a viverem ou a trabalharem na capital algarvia, que em palco pretendem passar uma mensagem clara aos «seus vizinhos farenses» através da dramaturgia, da dança, do canto, da comédia e até da crítica social.

Os ensaios começaram em janeiro e a peça era suposto estrear em março. Veio a pandemia, os ensaios foram cancelados, assim como a estreia, adiada para novembro.

«A premissa base são as feridas de bairro, as feridas da cidade. Fizemos debates com os participantes porque a ideia tem de surgir das pessoas e da comunidade. Começámos a falar sobre quais seriam os temas a abordar e surgiram várias sugestões, como a ponte da Praia de Faro, que foi escolhida para esta peça», explica Miguel Martins Pessoa, o encenador e responsável pelo Janela Aberta Teatro (JAT), entidade que está a dinamizar o novo coletivo «Teatro de Vizinhos».

Miguel Martins Pessoa durante um dos últimos ensaios antes da estreia.

A ponte, na verdade, «é uma metáfora, um símbolo para representar as distâncias que há entre nós. Em Faro estamos muito desconectados uns dos outros. Como comunidade estamos fragmentados».

«Nas conversas havia essa sensação, que somos farenses, mas que não havia propriamente uma identidade farense. Essa falta de identidade, essa falta de união, quisemos representar através desta metáfora que é a ponte. Uma ponte que nos une uns aos outros. Daí a canção que questiona quem somos nós? E responde: somos muitos e outros mais à procura de ideais. És de Faro, és farense, a cidade a ti pertence», acrescenta Miguel Martins Pessoa, desvendando alguns pormenores sobre o espetáculo.

Mais que uma homenagem à cidade, a peça «é um piscar de olho e uma chamada de atenção. O teatro comunitário é de vizinhos para vizinhos e é uma forma de mostrar a nossa cultura aos outros», responde o encenador.

Ouvido pelo barlavento, Rui Gonçalves, programador do Teatro das Figuras, revela que este projeto começou a maturar no passado ano, com uma visão um pouco diferente.

«Sentimos a necessidade de Faro ter um grupo de teatro comunitário por várias razões. A primeira é a nossa obrigação para com a comunidade de proporcionar momentos de partilha, onde as pessoas possam contar as suas histórias, preocupações, falar de política e colocar tudo isso em palco, de uma forma trabalhada».

«A nossa ideia inicial era juntar o coletivo de 60 elementos de Edith Scher [diretora artística de um grupo do teatro comunitário argentino Matemurga] para se juntar em palco com uma comunidade de Faro, que seria dirigida pelo JAT. Queríamos juntar duas realidades distintas com problemas comuns», o que acabou por não acontecer, devido ao contexto pandémico.

O resultado, contudo, «é uma homenagem à cidade e é assim que o teatro comunitário local deve ser. Alguns grupos, principalmente os mais locais, têm a urgência de discutir a sua cidade, a sua rua, a sua casa e podem usar várias formas de o fazer. Esse é o grande objetivo e é por isso que o coletivo se chama Teatro de Vizinhos».

Rui Gonçalves e Miguel Martins Pessoa concordam que todos os farenses deveriam ver esta peça. «Porque se vão refletir no palco. Alguém que vê uma peça de teatro comunitário sai transformado porque participa numa cerimónia, com pessoas de todas as idades a contarem uma história que também é a delas», diz Pessoa.

Diana Bernedo, também encenadora de «Sai da Frente» e diretora artística do JAT, aproveita para deixar uma mensagem.

«O impacto para quem assiste a um espetáculo destes é muito grandioso e dá muita esperança porque se o meu vizinho pode fazer, eu também posso», até porque o novo grupo quer ter continuidade.

«Temos todos essa vontade. Faz todo o sentido depois de tanto esforço e dedicação. Vamos ver se as condições estão reunidas para que isso aconteça. O ideal seria que este grupo continuasse e fosse representar Faro a outros locais. Claro que podem também entrar novos elementos, todos são bem-vindos», sublinha o encenador.

A coordenação musical é de Ilda Nogueira, uma das vizinhas e a coprodução é do Teatro das Figuras, do município de Faro e do JAT, com consultoria de Edith Scher e o apoio da Casa das Virtudes.

Anabela, Ana Lúcia, Ana Paula, Carlos, Carol, Catarina, Dulce, Elsa, Graça, Hélia, Ilda, Ilídio, Ivo, Joana, José, Lara, Laura, Mariana, Maryse, Natércia, Noélia, Rodrigo, Sónia, Vanda, Vanessa, Vânia e Vivi são os nomes dos intérpretes da peça, os «vizinhos atores», como se (auto)denominam.

«Sai da Frente» estreia no Teatro das Figuras, sexta-feira, 6 de novembro, às 21h30. A peça tem a duração de meia hora.

Os bilhetes têm o custo de cinco euros e podem ser adquiridos previamente online ou do dia do espetáculo. Serão respeitadas as regras de segurança da Direção-Geral de Saúde (DGS).

Qual a importância do teatro comunitário?

O teatro comunitário tem como uma das suas características juntar pessoas de todas as idades e de qualquer profissão, que não tenham formação ou experiência em dramaturgia. É o que une os quase 30 participantes do «Teatro de Vizinhos», dirigido pelo Janela Aberta Teatro (JAT), uma companhia profissional, dirigida por Miguel Martins Pessoa e Diana Bernedo, que também fundaram um coletivo semelhante, há três anos, o «Quarteira Fora da Caixa».

«Juntar várias idades faz com que as pessoas interajam umas com as outras, crianças, jovens e adultos. Na sociedade estamos muito segmentados, mesmo as crianças dentro da mesma escola estão separadas por idades. Este tipo de grupos permite uma reunião da comunidade. Vem unir e dar resposta à necessidade de materializar um mensagem social impressa num objeto artístico», opina ao barlavento, Miguel Martins Pessoa.

Diana Bernedo complementa. «Cria o respeito etário e evita julgamentos de valor. Ajuda-nos a empatizar e a abrir horizontes. Quando temos várias pessoas a expressarem-se, que é uma necessidade humana primordial, isso motiva vontade de criar e esperança». Além disso, trata-se de uma arte que rompe paradigmas individuais.

Miguel Martins Pessoa e Diana Bernedo.

«As peças de teatro comunitário retratam assuntos que dizem respeito a todos. Não são histórias individuais, por isso existe o canto coletivo. O nós que rompe o paradigma do eu. Está tudo à volta do nós, o pronome pessoal mais generoso», acrescenta o encenador.

Já na opinião de Rui Gonçalves, programador cultural do Teatro das Figuras, em Faro, o teatro comunitário «aproxima o espetador do palco e aproxima as pessoas. Juntar a arte com a comunidade proporciona lazer, desabafos e ao mesmo tempo cria novos públicos. A cultura, tal como a educação, é necessária para a formação de um cidadão pensante, de um cidadão que tem opinião. Fazem-nos pensar fora da caixa. A arte é necessária ao ser humano, é o nosso sol».