Intervenção na Igreja de Santa Maria do Castelo é um caso paradigmático da aposta do município de Tavira.
A Igreja de Santa Maria do Castelo e outros monumentos e edifícios de Tavira têm vindo a ser alvo de trabalhos de conservação e restauro.
Em menos de 100 anos, esta é a décima primeira vez que o espaço é invadido por forasteiros que olham, mexem, raspam, retocam, despregam, colam, pincelam, sopram e lavam.
Para que tudo se mantenha de pé, de tempos a tempos, é preciso proceder a obras de conservação e restauro. O templo cristão, construído mais ou menos na zona de uma antiga mesquita, tem estatuto de monumento nacional.
Nos anos 1930 colocaram-se vitrais e substituíram-se lajes partidas, nos anos 1950 limparam-se os telhados e foram dados retoques nos rebocos, na década de 1970 repararam-se coberturas e consolidou-se a abóbada da nave lateral direita.
Nos anos seguintes reparam-se fendas em paredes, recuperam-se as torres, cuidaram-se dos painéis de azulejos, da instalação elétrica e reabilitaram-se coberturas e caiações. Em 2019, contudo, decidiu-se que seria preciso uma nova empreitada para a conservação e restauro da talha dourada e policromia, dos azulejos, tetos, esculturas, retábulos, pinturas e vitral. A lista de trabalhos até não é das mais extensas, mas cada tarefa demora.
Angela Zenato coordena os trabalhos técnicos. Italiana, como o arquiteto chamado pelo então Bispo do Algarve, D. Francisco Gomes de Avelar, para reconstruir o monumento após o terramoto de 1755, a perita em restauro diz que «levamos uma semana a dez dias só para perceber qual a melhor metodologia a usar num grande painel que removemos para averiguar a estabilidade da estrutura e de todo o retábulo».
Camadas de sujidade, algumas causadas pelo fumo das velas, tornavam impossível identificar de imediato certas cores da pintura. «Havia figuras que aparentavam ter vestimentas vermelhas e douradas, mas também poderiam ser verdes e douradas. Não se percebiam bem os tons», acrescenta. Com calma e cuidado, com a ajuda de alguns solventes menos agressivos, aos poucos tem sido possível devolver a leitura do painel que representa as almas e o juízo final. Entre as imagens percebem-se figuras santas da Virgem Maria, São João, São Miguel e Jesus Cristo entre os anjos.
Um «mistério» e sete cavaleiros mártires
Numa cidade com mais de duas dezenas de igrejas, sem contar com as que existem nas freguesias do concelho, a Igreja de Santa Maria do Castelo não é apenas mais uma. Edificada na zona alta da cidade, ao lado do castelo, com uma vista panorâmica sobre Tavira, foi mandada construir no século XIII por D. Paio Peres Correia, o homem que conquistou Tavira aos mouros.
Na capela-mor, uma lápide indica o local da sepultura do mestre da Ordem Militar de Santiago, figura-chave na reconquista cristã do Algarve e de parte do sul de Espanha. Acontece que o Mosteiro de Santa Maria de Tentúdia, em Calera de León, Badajoz, também tem um túmulo de D. Paio Peres Correia.
No caso da Igreja de Santa Maria do Castelo, além da suposta tumba do conquistador, terão lá sido sepultados os Mártires de Tavira, que segundo a fonte narrativa mais antiga (a Crónica de Portugal de 1419), terão morrido numa cilada às mãos da população muçulmana, em 1242.
Segundo o historiador Daniel Santana, «os sete cavaleiros estão sepultados na capela-mor e nos séculos seguintes passaram a ser venerados e representados como o ideal de cavalaria e da conquista. Tendo sido Tavira o principal porto de apoio às guarnições portuguesas nas praças do Norte de África, após a conquista de Ceuta, foi na igreja de Santa Maria do Castelo que se deu a conversão em Duques dos Infantes D. Henrique e D. Pedro».
A restauradora italiana, os colegas espanhóis e uma portuguesa residente nos arredores de Tavira, ainda têm cerca de um ano de trabalho pela frente. Além do painel referido, há uma pintura mural de carácter gótico, que estava tapada por meia dúzia de camadas de pintura, e há várias outras intervenções a fazer. Por exemplo, os azulejos da Capela das Almas, numa das laterais da Capela-Mor, que apesar de não serem os originais, datam do século XVI, vão ser estabilizados e limpos.
Do outro lado, na capela do Santíssimo, de 1748, há também intervenções a fazer nos azulejos que retratam a última ceia e a cena do lava-pés.
«Entre a cúpula e as paredes há também pinturas mais recentes que vão ser restauradas. São imagens de frutas e flores, que representam a abundância», refere a coordenadora da equipa de restauro.
No caso da Ermida de Santana, o historiador que se tem dedicado ao estudo do património religioso de Tavira explica que «foi a primeira a ser edificada na outra margem da cidade, no século XVI, quando se admitia a hipótese de vir a ser a Igreja Matriz de uma nova freguesia, que nunca passou do papel».
A ermida ganha interesse acrescido dois séculos depois, após o terramoto de 1755, quando o Palácio do Governador se instalou ao lado. Já a ermida de São Sebastião, considerada uma obra barroca total, pela talha, pintura mural e escultura, tem uma aparência singela por fora, mas um interior que surpreende pela riqueza. Ambas precisavam da intervenção exterior.
A intervenção na Igreja de Santa Maria do Castelo avançou com um orçamento de pouco mais de 275 mil euros, dos quais 107 mil são financiados por fundos europeus.
«Foi pensada conjuntamente com a reabilitação das Ermidas de São Sebastião e Santana, que já tinham sido alvo de intervenção no interior, mas por fora estavam muito degradadas», diz Ana Paula Martins, presidente da Câmara Municipal de Tavira.
Com o apoio do atual quadro comunitário, o município está investir quase 5,5 milhões de euros, dos quais perto de três milhões são financiados pelo Programa Operacional Regional (PO) CRESC Algarve 2020. Além do património religioso, há intervenções a decorrer nas muralhas do castelo, que reclamavam cuidados por questões de segurança para os visitantes do jardim.
Ainda na área da cultura, Tavira prepara-se para reabrir o renovado Cineteatro António Pinheiro. Ao valor da empreitada, que ascendente a quase cinco milhões de euros, soma-se um investimento de dois milhões em equipamento técnico de ponta.