Professor Herrero: «um artista nunca morre!»

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Dagoberto Cabrita Campos, mais conhecido por Professor Herrero, é um pilar do ilusionismo em Portugal e uma referência artística do Algarve. Lagoa presta-lhe homenagem.

Um homem invulgar que despertou para aquela que viria a ser a sua vocação ainda muito jovem.

«Quando era miúdo lembro-me de uns rapazes que faziam hipnotismo em bailes e em coletividades. Gostava de ver e pensei: porque é que eu também não faço isso? Tirei um curso por correspondência e depois, mais tarde, aprofundei o conhecimento», recorda Dagoberto Cabrita Campos, 68 anos, que viria a ser conhecido no meio artístico por Professor Herrero, numa carreira que somou 55 anos, vários prémios e a admiração de pares e fãs.

O primeiro espetáculo que fez foi na Sociedade Recreativa de Carvoeiro, teria cerca de 13 anos. Sala cheia. «O hipnotismo permite colocar um indivíduo a comer uma cebola pensando que é uma maçã, por exemplo. Ou dançar com uma vassoura a pensar que tem em braços uma rapariga (bonita, claro). Há uma modificação de sentidos. Todas as pessoas podem ser hipnotizadas, numas é mais fácil noutras menos. Tem a ver com a capacidade de concentração. Um estudante, por exemplo, é mais fácil de hipnotizar que um analfabeto. Uma pessoa embriagada é mais difícil. Mas há sempre formas diferentes de induzir a hipnose».

Prémio de Carreira atribuído pela Câmara Municipal de Loulé, em 1998.

Também fora do palco ajudou muitas pessoas com a hipnose terapêutica, a livrarem-se de traumas e vícios. «Lembro-me de uma pessoa viciada em casinos, e de uma outra que não conseguia dormir há 30 anos. Consegui tranquilizá-lo. Tive um outro paciente, de Beja, que não comia. Levava uma eternidade para conseguir comer qualquer coisa. Esse levou muito tempo».

«O hipnotismo requer uma plateia em silêncio de forma a haver maior poder de concentração. Depois, através de certas manifestações, escolhemos os melhores pacientes. Há uns que oscilam mais que outros. E assim fazemos a seleção das pessoas mais suscetíveis de serem hipnotizadas. São chamadas a palco e começo a fazer a hipnose a sério. Há catalepsia, colocar a pessoa em estado de rigidez. A letargia já é um estado em que a pessoa fica num sono tão profundo que às vezes é difícil acordá-las. Lembro-me de um indivíduo, em Silves, que não acordava. Dei-lhe sugestões contrárias e ele não despertava. Bem, não perdi a serenidade. Disse-lhe para dormir mais um pouco e quando estivesse satisfeito logo acordava». E assim foi. O complicado «é ter uma personalidade própria para dominar o outro», descreve.

Além disso, «comecei a fazer faquirismo. A minha base foi um indiano, chamava-se Padji. Ensinou-me também as técnicas de ioga» e nessa altura também já se tinha iniciado no ilusionismo, área na qual «fiz um pouco de tudo». Ficou célebre pela destreza e ligeireza com que fazia o truque de pickpocket (ladrão de algibeiras) artístico, em que roubava a carteira ou o relógio de um voluntário do público.

Truque do o truque de pickpocket (ladrão de algibeiras).

«É muito difícil porque a pessoa tem de apurar a técnica do desvio de atenção, ou seja, fazer com que não dê valor a uma coisa óbvia» por meros segundos.

O pseudónimo, ou melhor, do nome artístico surgiu durante um espetáculo de faquirismo em Espanha, onde alguém na plateia, entusiasmado com o truque da cama de pregos e gritado: – «el hombre es un herrero!» (ferreiro).

E qual era o truque? Um cama de bicos pontiagudos, à qual Herrero era acorrentado e algemado. Acima dele, qual espada de Damocles, estava pendurada uma estrutura de espigões afiados, por vezes em chamas, suportada por uma corda que era enfraquecida por um maçarico até partir e soltar tudo em queda livre. O ilusionista tinha apenas segundos para escapar. Certa vez, durante um espetáculo no exterior, o vento acelerou a queima da corda e a tragédia quase aconteceu…

E sim, a mulher de um mágico sabe todos os seus truques, que o diga Rosinda ou melhor, Rosy, a assistente e companheira de sempre. Um dia experimentou ajudar em cena, gostou, ficou, casou e nunca mais se separaram na vida e no palco. «Ela foi sempre o braço direito e continua a ser», diz Herrero com carinho.

Rosy protagonizava os truques de levitação e as grandes ilusões. Adquirir os truques e o conhecimento «era difícil. Na altura, comprava livros e criava protótipos», recorda o ilusionista. O casal ensaiava na sala de jantar de casa, no Bairro Chelagoense, onde vivem há 40 anos. «Até no quintal treinávamos!», recorda Rosy.

E nunca se zangavam? «Não, por acaso nunca nos zangámos a trabalhar. Uma vez esqueci-me dos adereços e tivemos de pedir a uma senhora para me ir comprar um par de sapatos que eu precisava, em Faro. Depois não quis o dinheiro» recorda. Na época dourada da hotelaria algarvia, o casal trabalhava tanto que chegava a fazer cinco espetáculos diferentes por dia.

«No início começámos a trabalhar para a Comissão Regional de Turismo. Cabrita Neto era presidente e convidou-nos para fazer um espetáculo para os trabalhadores. Foi no Hotel Eva, em Faro» e foi o primeiro que Herrero e Rosy fizeram juntos. «As pessoas adoravam as nossas atuações e no final vinham sempre falar connosco e pedir autógrafos. Foi uma época muito bonita», recorda Rosy.

Tiveram também uma arara, que se chamava Houdini. Custou 200 contos, uma fortuna na altura. Em cena, o papel da ave exóstica era atravessar, como que por magia, um espelho (opaco). «Para nós era um membro da família, vivia connosco e tinha um quarto só para ela», recorda Rosy.

A arara Houdini.

Herrero também deixa obra escrita. «O jornalista José Mealha começou a publicar umas crónicas no barlavento. Perguntou-me porque eu não escrevia também? Falei com o diretor Helder Nunes e assim fiz, todas as semanas, ao longo de 30 anos. Tenho pena de ter deixado porque era algo que me fazia escrever». Enquanto autor, de todos os livros que publicou, o que teve mais sucesso foi «Os mortos não falam», de 2001, lançado durante um programa televisivo de Herman José, seu amigo pessoal. «O objetivo foi desmistificar essas questões do espiritismo», relata.

«Exatamente por fazer hipnotismo é que pensei que devia libertar as pessoas das superstições», o que também deu origem aos célebres e mediáticos «Jantares dos 13», onde eram servidos todos os clichés possíveis e imaginários. «As pessoas entravam logo por debaixo de um escadote e sentavam-se treze em cada mesa. Os talheres eram cruzados, o sal entornado e havia sempre um espelho partido e guarda-chuvas abertos».

Causava incómodo? «Já sabiam ao que vinham, mas lembro-me de um jornalista britânico que foi ao Casino de Vilamoura e recusou-se a passar por debaixo do escadote. Mas, depois de ter visto os outros passarem, lá se convenceu e fez o mesmo». Durante a carreira, correu o país, teve uma passagem por Moçambique e África do Sul e conta ter participado em mais de 350 programas de televisão em Portugal, Espanha e Alemanha, desde os mais mainstream da manhã ao horário nobre.

E gostariam de voltar ao palco? Responde Rosy: «era preciso treinar muito. O meu marido fazia aparecer sete a oito rolas em cena. É preciso muita habilidade». Uma coisa é certa. De todas as pessoas que possa ter inspirado, e que inspirou, Herrero tem um seguidor de profissão e de valores, o mágico Paulo Cabrita, de Lagoa, que lhe sucede na arte de deslumbrar e fazer sonhar.

Uma merecida homenagem

Artista multifacetado e versátil, Dagoberto Cabrita Campos, mais conhecido por Professor Herrero, foi ilusionista, hipnotizador, fakir, escritor, parapsicólogo, poeta, colunista e escritor. O município de Lagoa presta homenagem aos 55 anos de carreira na sexta-feira, dia 13 de maio, às 20h13, num jantar privado que contará com cerca de 200 convidados, na Quinta da Palmeirinha.