Escritora congratulou-se pela atribuição do Prémio Manuel Gomes Guerreiro à obra «A Institucionalização da Pan-Amazônia», da autoria do professor universitário Paulo Henrique Faria Nunes, docente e pesquisador da Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
Em representação do júri que o atribuiu o primeiro Prémio Manuel Gomes Guerreiro, coube escritora Lídia Jorge justificar a escolha da obra vencedora, durante a cerimónia da Dia da Universidade do Algarve, na quarta-feira, dia 11 de dezembro, no Grande Auditório do campus de Gambelas.
O prémio, de âmbito internacional, instituído já no decurso deste ano pretendeu premiar um trabalho publicada, livro ou tese de doutoramento, que contribuísse para o desenvolvimento científico das áreas de conhecimento da Universidade do Algarve.
Esta primeira edição, «estava rodeada de expetativa, como se fosse um teste experimental às potencialidades da iniciativa. Estabeleceu-se um certo suspense sobre a qualidade, a abrangência, a proveniência geográfica e o número das obras que surgiriam a concurso. Mas a verdade, é que terminado o processo, se pode dizer que a primeira edição deste prémio, que tem nesta sessão o seu ponto alto, não poderia ter sido melhor sucedido», disse a escritora.
Estiveram a concurso 16 candidaturas, provenientes de várias regiões e diferentes países.

«Uma obra concorrente acabaria por ser a que reunia o mais amplo consenso, distinguindo-se de entre as demais. Provinha do Brasil. Um livro publicado em 2018, pela Editora Prismas de Curitiba, da autoria de um professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, com o título de A Institucionalização da Pan-Amazônia. Essa obra, depois de examinada pelos membros do júri, correspondia, na perfeição, aos requisitos de elevada qualidade, originalidade e capacidade de impacto que se procurava. Estávamos, de facto, perante uma obra deveras singular», considerou Lídia Jorge.
«Entre nós, estamos habituados a que a Amazónia seja objecto de notícias e teses de toda a natureza, pela importância que esse ecossistema complexo ocupa na geografia da América do Sul, mas também pelo papel que desempenha enquanto grande pulmão da Terra, segundo a expressão popular corrente desde há muito. Mas a Amazónia, sobretudo entre os europeus distantes, chega-nos, sobretudo, enquanto imagem de um ecossistema plural, referido como espaço de degradação ambiental, zona de exploração ilícita de recursos, campo de batalha de conservadores da natureza, ecólogos e ecologistas», descreveu.
Nesse domínio, «as políticas ambientais, os seus avanços e recuos, são matéria para uma produção contínua de divulgação dos efeitos nefastos, espelho ferido de crimes e lutas intestinas entre interesses que dividem os oito países que se distribuem pelo espaço amazónico, a que os naturalistas Aimé Bonpland e Alexander von Humbolt, em 1808, designaram por Hileia Amazónica, isto é, floresta selvagem, viva, pura».

«A análise, sempre cientificamente sustentada, não fica pela discriminação dos factos, eleva-se a um patamar interpretativo, a que o professor Paulo Henrique Faria Nunes acrescenta uma opinião pessoal e uma proposta de ação explícita. A necessidade absoluta e imperiosa da instauração, na prática e no concreto, de instrumentos jurídicos institucionais, que contribuam para uma articulação eficaz entre os oito estados, tendo em vista o desenvolvimento das populações, de uma das regiões onde a vida humana é mais precária, e pobre, mantendo ao mesmo tempo o equilíbrio dos vários ecossistemas cruzados», acrescentou.
Os oito países que a ocupam, Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, «constituem um bloco que ao longo do tempo, apesar dos conflitos bélicos constantes, tem procurado articular-se institucionalmente, mas cujo bom efeito tem sido minimizado, ou mesmo anulado, pela sobreposição dos tratados regionais mais amplos, que envolvem toda a América Latina, bem como pelo jogo internacional de interesses dos outros países do globo, sobretudo os mais industrializados, que olham para a região na perspetiva de colonizador».
Assim, A Institucionalização da Pan-Amazônia, de Paulo Henrique Faria Nunes, docente e pesquisador da Pontifícia Universidade Católica de Goiás é «uma notável descrição miúda, detalhada e fina, de natureza história, por vezes antropológica, natural, económica, política, e do âmbito das relações internacionais e do direito, que demonstram como se foi tecendo a complexidade de vários níveis, que caracteriza a região. Este inventário multidisciplinar de dados e descrição, que ocupa 350 páginas, com uma escrita demonstrativa atraente, suportada por documentação rigorosa, nunca cansa, de bem que está distribuída, segmentada e exemplificada. Existe neste livro, um saber analítico paciente, próprio de um intelectual sério, um estudioso em profundidade que se entrega a uma causa», considerou.

Lídia Jorge espera ainda que a obra possa encontrar a esperada difusão em Portugal, pelo menos no meio académico e explicou porquê.
«Só a Institucionalização de uma Pan-Amazónia pode salvar a Amazónia. O livro alinha com o pensamento ecuménico de que todas as vizinhanças devem ser partilhadas em equilíbrio, se quisermos salvar a Terra e nela a Humanidade».
Aliás, «este é um livro emotivo. Por ele perpassa não só sabedoria, mas o carácter sensível de um académico imerso no mundo concreto em que vivemos. Um ensaio académico que tem uma alma».
Assim, em representação do júri, e invocando a figura tutelar de Professor Manuel Gomes Guerreiro, que dá o nome a este prémio, «e dará por certo durante tanto tempo», Lídia Jorge agradeceu ao autor «por nos ter enviado este precioso livro, do outro lado do mar».
«Estamos, pois, a assistir à inauguração de um ato que sublinha o reconhecimento da figura daquele que foi o primeiro Reitor da Universidade do Algarve, figura cara a todos os que tiveram o privilégio de o conhecer e com ele conviver. Professor que se notabilizou nas áreas do ambiente, da biodiversidade e da sustentabilidade. Ciências que começavam então a dar os primeiros passos entre nós».
Durante a cerimónia foi também atribuída uma Menção Honrosa iria ser por unanimidade do júri a Daniel Henrique Alexandre Santana pela obra Diogo Tavares de Ataíde, «estudo que contribui definitivamente para a divulgação do trabalho artístico do arquitecto e mestre canteiro algarvio mais importante do século XVIII».

Visivelmente satisfeito, Paulo Henrique Faria Nunes, explicou que «a Amazônia é uma região complexa. Rios, recursos minerais, riquíssima biodiversidade, pluralidade étnica e cultural, Estados e desgoverno. Escrever sob tais questões sob uma perspetiva transdisciplinar é um desafio. Além da complexidade do assunto, a maior parte da população brasileira vive muito distante da Amazônia. Apesar dos esforços de acadêmicos e cientistas, pouco se conhece sobre esse ecossistema tão importante».
O autor considerou que ganhar o prémio Manuel Gomes Guerreiro de 2019, «além da realização pessoal do seu vencedor, é um grande incentivo à comunidade científica brasileira, em especial àqueles que se dedicam às questões ambientais e à Amazônia».

«Pela segunda vez, a Amazônia me abriu as portas da União Europeia. A primeira, quando fui aceiteo por uma universidade belga onde realizei meu doutoramento, a Universidade de Liège» que aliás, deu origem a este trabalho.
Agora, «a Universidade do Algarve e os municípios de Faro e Loulé me recebem tão gentilmente, assim como acolhem um número expressivo de estudantes brasileiros. Espero que o reconhecimento de meu trabalho fora do Brasil, sirva de estímulo às autoridades brasileiras para que se invista mais em educação e produção científica», desejou.