É uma nova vida para o jovem louletano. Anda por Lisboa com o acordeão às costas. Um destes dias, calhou parar num café. Estava vazio. Apeteceu-lhe tocar. Em menos de nada, o espaço começou a encher-se de curiosos pela música e também pelo músico, entre perguntas e elogios. É um bom auspício para quem ambiciona seguir uma carreira profissional pela ‘sacra’ via artística.
«O meu sonho é ser reconhecido, tocar música nova pelo mundo inteiro, em grupo ou sozinho. Fazer com que as pessoas gostem de um estilo diferente, algo que lhes chame a atenção», revelou ao «barlavento». E para tornar o desafio ainda mais interessante, escolheu o universo do jazz. A frequentar o primeiro ano da Escola de Jazz Luiz Villas-Boas, no Hot Clube de Portugal, João Palma diz que não encontrou preconceitos, mas uma certa estranheza.
«Fui bem recebido e houve pessoas que me reconheceram porque viram a notícia na televisão. O pessoal é muito aberto, mas perguntam-me: acordeão no jazz? A maior parte não conhece o João Frade, mas sabe quem é o João Barradas», que juntamente com o francês Ludovic Beier, completa o naipe de influências do jovem algarvio. «É um músico que está muito ligado ao gipsy jazz, que é o estilo com o qual mais me identifico. Está dentro do estilo swing, dá vontade de bater o pézinho e dançar», brinca.
«Neste momento, estou a tentar gostar de tudo para poder informar-me bem. Quero aprender e depois selecionar o meu próprio estilo. Estou a gostar porque, apesar de ser uma escola normal, é um ensino diferente. Não há disciplinas, é tudo sobre música», descreveu.
A relação com o acordeão começou na infância. Os pais inscreveram-no, juntamente com o irmão gémeo, no Rancho Folclórico Infantil e Juvenil de Loulé, que frequentou dos 5 aos 10 anos de idade. «Lembro-me que não tinha jeito para dançar. Então, comecei a olhar para o acordeão e ganhei interesse», algo que não passou despercebido àquele coletivo, que o inscreveu nas aulas do professor Nelson Conceição, com quem tem estudado, desde os 8 anos, até praticamente ao dia de hoje.
«No início era muito caladinho e fazia tudo o que o professor dizia. Depois comecei a ganhar um certo à vontade e a partir daí», o processo de aprendizagem «foi mais tranquilo». O mais difícil até nem foi começar, mas perceber, a meados da adolescência, «que era preciso trabalhar» e levar o estudo a sério. Valeu a influência dos colegas mais velhos como a Jéssica Guerreiro, que interpretavam peças mais complexas e desafiantes do ponto de vista técnico.
E apesar de ter ganho um título mundial, Palma continua humilde. «Em termos de oportunidades, penso que foi bom. Mas não acho bem dizerem que sou o melhor do mundo, não sou. Simplesmente ganhei um concurso onde, se calhar, outra pessoa poderia ter ganho. Nem toda a gente tem oportunidade de participar». Em termos de rotina, «não estudo muito, para ser sincero. Pego no acordeão quando calha e me sinto inspirado para me entreter um pouco», embora em vésperas de concursos, chega a trabalhar 8 a 10 horas, ou mais.
Em relação ao jazz, introduzir o acordeão «não é difícil, mas é mais complicado do que um instrumento característico como uma guitarra ou um saxofone. Tenho de me esforçar e pensar um pouco fora da caixa. Tentar usar o acordeão de uma forma em que não estejam à espera». E até tem uma pista sobre como conquistar novos públicos. «Os jovens interessam-se pelo desconhecido, digamos assim», simplificou.
Já o professor Nelson Conceição está satisfeito por ver o aluno voar. «Sinto que ele já vai para um tipo de linguagens que eu próprio já não acompanho. E penso que pode ter um caminho muito singular, se trabalhar duro. Ele tem demonstrado muita capacidade e, além disso, interesse em criar algo novo, em se diferenciar. Isso é muito bom. Penso que pode ir longe e ter um caminho muito bonito, do qual me possa vir a orgulhar». Em dezembro, mestre e pupilo viajam até à China, para um concerto e uma palestra na Universidade de Xangai.

Grande Gala «Terra de Acordeão» em Faro
João Palma será um dos protagonistas da Grande Gala «Terra de Acordeão», organizada pela Sociedade Recreativa Bordeirense e pela Junta de Freguesia de Santa Bárbara de Nexe, no sábado, 10 de novembro, às 21h30, no Teatro Municipal de Faro.
O espetáculo tem como ponto de partida a tradição da Bordeira, uma pequena localidade pertencente ao concelho de Faro, que ao longo dos últimos 100 anos formou alguns dos mais conceituados acordeonistas do país. Por exemplo, José Ferreiro (Pai – 1895-1967) e João Barra Bexiga (1924-2016). O primeiro foi talvez a primeira grande referência do acordeão em Portugal e autor do célebre corridinho «Alma Algarvia», e o segundo um enorme criador de música para acordeão.
Esta grade gala é também o culminar do projeto «Terra de Acordeão» que desde 2005 tem vindo a documentar, dignificar e difundir os grandes autores e acordeonistas ligados de alguma forma à Bordeira através de publicações literárias, edições discográficas e grandes galas de homenagem.
O evento irá mostrar alguns jovens talentos, passando por momentos de virtuosismo com Hernâni Cerqueira e Pedro Gonçalves, e ainda com as orquestras Folegarve e Folequestra. Terá um toque internacional com o incomparável Michel Sapateado; o espírito bem algarvio pelos RitmoFole com Sérgio Conceição e Silvino Campos e um momento de imponência musical com a Orquestra Típica e Coral de Alcobaça, constituída por 36 elementos e dirigida pelo consagrado professor Aníbal Freire.
A gala conta com os apoios do município de Faro e da Mito Algarvio – Associação de Acordeonistas do Algarve, e tem como parceiros média o «barlavento» e a Rádio Gilão. Os bilhetes custam 10 euros e podem ser reservados por telefone (289 888 110) ou por email (bilheteira@teatromunicipaldefaro.pt).