Projeto ambicioso e multidisciplinar da Casa da Cidadania de Lagoa será desenvolvido ao longo de 2023. Conceptualmente será «um marco de resistência em defesa dos valores democráticos» com um arquivo digital e uma requalificação urbana.
O município de Lagoa apresentou o projeto arquitetónico, artístico e museográfico da futura Casa da Cidadania na sexta-feira, dia 9 de setembro, no auditório do Centro Cultural Convento de São José.
O projeto que irá transformar o edifício dos antigos Paços do Concelho, ganhará um anexo exterior, de linhas contemporâneas, com um posto de informação e uma praça requalificada.
A ideia surgiu durante o ano de 2018 e desde então tem vindo a desenvolver-se através de vários estudos, num processo conduzido pelo antropólogo Paulo Lima.
«Primeiro, pensou-se na criação de um museu dos movimento sociais. Depois, começou a desenhar-se um projeto mais abrangente para o edifício onde funcionou a Câmara Municipal de Lagoa, inaugurado em 1861. Um projeto que tivesse em conta aquilo que é um órgão próximo, direto e responsável pelo desenvolvimento local, e também o conceito de democracia e também das políticas de género e de integração. Estudámos o edifício, que remontará ao século XVI, e que no modelo de arquitetura é idêntico à Igreja do Pé da Cruz, de Faro».
Chegou a ser Igreja Matriz e depois do terramoto de 1755, foi comprada por um homem chamado João Bentes Castelo Branco, «um miguelista que entra num universo liberal e faz todo um conjunto de alterações económicas. Comprou a ruína e os terrenos para dar corpo a uma ideia nova, ao que viria a ser a sede de concelho. Este homem, enquanto empreendedor, teve a ideia de alargar a vila ou a cidade de Lagoa. Pegou no que restou da capela e fez um novo edifício», recordou
Cometeu, contudo, um erro. «Colocou um urinol público numa lateral do antigo altar. Isto provocou toda a lenda que o seu fantasma ainda por ali anda. A verdade é que é um edifício espantoso, que ao longo de 300 anos foi sendo alterado de acordo com as necessidades. Cumpriu sempre a sua função».
O processo de desenvolvimento da Casa da Cidadania soma cinco anos. «Tudo aconteceu de forma natural. Não será um museu porque não tem objetos físicos. O que queremos ter é um diálogo com a comunidade, que hoje é um dos elementos mais importantes na definição da nova museologia. O que importa é a comunicação do que é uma Câmara em diálogo com o eleitor. Aquilo que queremos é, partir da experiência do municipalismo democrático para construir um projeto educativo» no plano local, regional, nacional e até global. «Podemos pensar o mundo a partir de Lagoa», referiu.
Por sua vez, Águas da Cruz, presidente da Assembleia Municipal de Lagoa, manifestou entusiasmo.
No âmbito da celebração dos 250 anos da criação da concelho de Lagoa, «é de grande relevância do ponto de vista político termos um projeto desta grandeza e dimensão. A cidadania faz-se de atos ousados e de facto é uma ousadia este projeto construtivo. Como todos os grandes projetos, terá os seus opositores, mas estou certo que a história nos dará razão. A ideia é também a evocação do nosso território, da nossa terra, cultura, identidade, e gentes. Certamente lá encontraremos as grandes figuras que nos ajudaram a conduzir esta caminhada dos 250 anos da existência do concelho de Lagoa, desde a sua rotura com o concelho de Silves, até ao momento de hoje. É um processo que vai continuar e que será legado às gerações futuras e que certamente fará de Lagoa um concelho melhor. É também uma homenagem ao povo laborioso de Lagoa, que ao longo deste tempo soube manter as suas raízes e o seu desenvolvimento económico, afirmando-se hoje como um dos concelhos de enorme potencial» na região algarvia.
«A Casa da Cidadania não se pode resumir a um mero repositório histórico que podemos consultar com as tecnologias digitais mais avançadas. Tem de ser também um elemento congregador e também um instrumento democrático para a cidadania ativa. O que está subjacente ao nosso conceito de democracia é o conceito republicano, que é uma democracia inteligente que, na confluência das várias sensibilidades, constrói as melhores soluções para os territórios e para as populações. Contrariamente ao conceito de democracia liberal, que é apenas o exercício do voto no momento. A democracia é muito mais do que isso, incorpora não só a participação cívica, mas também a participação dos agentes culturais, económicos, sociais e ambientais. Portanto, o grande objetivo e desafio é ter a porta aberta a mais um instrumento de participação democrática dos cidadãos», resumiu.
«Já se designa que estamos a viver o custo da democracia. Vivemos um momento preocupante do ponto de vista internacional, de enorme gravidade, e por isso é importante ter este marco agregador e de defesa do princípio democrático. É na democracia local, sólida e eficaz, que se constrói uma democracia global mais eficiente e forte. A Casa da Cidadania é também um marco de resistência em defesa dos valores democráticos», concluiu Águas da Cruz.
O projeto tem contado com a participação de vários investigadores e arquitetos, como Nelson Marques, chefe da divisão de Planeamento Estratégico da Câmara Municipal de Lagoa, Bruno Serrão (Red Umbrella), autor do projeto de reabilitação do edifício e também do novo espaço exterior.
José Teixeira, escultor e mestre medalhista, criou um novo universo artístico para a Casa da Cidadania de Lagoa. Entre as várias propostas, destaca-se a escultura «Árvore-mundo (Orbis terrarum)» em aço corten que será erguida na praça exterior.
Paulo Passos (Napperon) fez o projeto museográfico e Fernando Cabral (Sistemas do Futuro) o desenvolvimento da base de dados e plataforma digital.
Luís Encarnação, presidente da Câmara Municipal de Lagoa, considerou que este «é o ponto de partida para que a Casa da Cidadania venha a ser uma realidade. Queremos desenvolver o projeto ao longo de 2023, que será o ano em que assinalamos o quarto de milénio do nosso concelho. Agora é arregaçar as mangas, vamos começar a lançar procedimentos e o concurso público» para construir «a parte exterior» do edifício.
«Há ainda muito trabalho por fazer. Por exemplo, na parte da digitalização da informação ainda estamos a tratar o século XIX. A ideia é que no final, grosso modo, teremos cerca de 18 mil registos», acrescentou.
A sessão contou com a presença de Adriana Freire Nogueira, diretora regional de Cultura do Algarve.