Banhos Islâmicos de Loulé são únicos na sua tipologia. Edifício é o mais completo do género de toda a Península Ibérica. Será o centro do futuro Quarteirão Cultural da cidade.
Paredes brancas e presença discreta, na esquina da Rua das Bicas Velhas, como quem desce para a fonte, o mais recente equipamento cultural de Loulé quase passa despercebido.
«Chegou, finalmente, o momento feliz para a cidade e para todos nós, o da inauguração da musealização da mais recente pérola do nosso património: os Banhos Islâmicos de Loulé e a Casa Senhorial dos Barreto. É mais um recurso que, a partir de hoje, cumprirá a dupla função de alavancar o desenvolvimento económico e, tão importante, ou mais, atrevo-me a dizer, de ferramenta poderosa para a educação ao serviço da nossa comunidade escolar», disse Vítor Aleixo, presidente da Câmara Municipal de Loulé, na inauguração, na manhã de sábado, dia 28 de maio.
O investimento, que rondou 1,3 milhões de euros, teve financiamento do Programa Operacional (PO) Regional de 886 mil euros. «Terá consequências no alargamento da oferta de turismo de cultura e património, tão importante para uma região que precisa de se reinventar constantemente para que a sua principal atividade económica se mantenha atrativa e geradora de riqueza», acrescentou o autarca louletano.
Os vestígios arqueológicos foram encontrados em 2006. Desde então «ficaram expectantes», até que «em 2013 se abre um novo ciclo político. Vimos que tínhamos aqui um tesouro. Um recurso que urgia ser valorizado, uma vez que se trata do único Hamman do país. Estabelecemos um projeto e percebemos que tínhamos de o musealizar. Graças à riqueza humana das pessoas que trabalham na Câmara Municipal de Loulé, foi uma caminhada imparável até ao dia de hoje», disse Vítor Aleixo aos jornalistas.
Uma perspetiva partilhada pelo arquiteto Vítor Mestre. Sem estar preparado para discursar, revelou aos presentes que «esta é a obra de uma grande equipa que começou com a diretora municipal Dália Paulo», arqueóloga de formação, que esteve presente desde a primeira hora de arranque do protocolo com o Campo Arqueológico de Mértola e coordenou a equipa municipal da intervenção, quer do programa museológico, quer da museografia.
«Devo-lhe um agradecimento profundo, por querer sempre mais e melhor. Acredito que o papel de quem intervém na cultura é exigir a elevação. Não é um problema de insatisfação, mas de procurar elevar todas as nossas capacidades em conjunto. Devo dizer que esta é uma Câmara muito pouco vulgar no nosso país, porque não aposta apenas no património físico, aposta também no lado humano. Este edifício nunca seria o que é hoje se esta equipa de arqueólogos, de historiadores e de técnicos da autarquia não funcionasse em uníssono e se não tivessem todos um fio condutor que é a cultura», apontou.
Quanto à inspiração para o edifício, o arquiteto falou em água, sombra e Mediterrâneo. «É a cultura de toda a bacia do Mediterrâneo que está muito patente aqui no Algarve e sobretudo em Loulé onde se preserva o património desta dimensão antiga. As pequenas grelhas são um pouco a releitura das reixas, tão comuns no Algarve. Toda a base deste edifício é o seu anonimato, no fundo, a sua integração no urbano. O que conta é o conjunto e a cidade», explicou. Quis-se «humanizar o espaço público e dar protagonismo a quem usa este edifício, o espaço aberto, a água, a sombra e toda a volumetria anónima que são uma das características máximas da cultura mediterrânica», concluiu Vítor Mestre.
Por sua vez, Pedro Adão e Silva, ministro da Cultura, foi ao encontro da ambição pedagógica de Vítor Aleixo.
«O exercício da memória é, em primeiro lugar, a recordação daqueles a quem devemos aquilo que somos hoje. A nossa história corrente construiu-se numa encruzilhada de religiões e de culturas que a nossa língua e costumes expressam e que o nosso património arqueológico, arquitetónico e topográfico testemunha. Reside aqui uma riqueza inestimável da nossa herança, da qual fazem também parte, alguns dos lugares menos visitados da nossa História que nos cumpre recuperar e dar a conhecer», disse.
Referindo-se ao contexto atual, «guardar a memória significa transmitir para o presente e futuro os valores da convivência com a diversidade cultural e religiosa, elemento da singularidade do nosso país, rejeitando a intolerância e a perseguição. Somos um país que tem por debaixo do catolicismo uma vasta experiência e uma cultura de tolerância e de incorporação de diversidade, que é uma vantagem para Portugal. Na Europa de hoje é um sinal que damos e que nos deve orgulhar muito».
Adão e Silva lembrou que o espaço foi alvo de trabalhos arqueológicos muito vastos, que se prologaram por mais de uma década e que assentam num protocolo entre a Câmara Municipal de Loulé e o Campo Arqueológico de Mértola.
«São os primeiros banhos islâmicos documentados arqueologicamente em Portugal, sendo também um dos edifícios deste tipo com a planta mais completa até hoje identificados na Península Ibérica», concluiu o ministro da Cultura.
No uso da palavra, e sem discurso prévio anotado, João Cravinho foi ao encontro da diplomacia. «Aquilo que se demonstra neste edifício é a intensidade da interação que temos no plano internacional. A nossa identidade é composta pela interação ao longo dos séculos com outros povos. Essa é uma excelente base para o nosso relacionamento contemporâneo e o futuro com outros países, nomeadamente com Marrocos, que é uma parte intrínseca da identidade portuguesa, tal como somos uma parte intrínseca da identidade marroquina. Enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros, valorizo muito esta inauguração e quero felicitar o presidente da Câmara que compreendeu a múltipla importância deste património no plano cultural, turístico e do relacionamento externo», elogiou.
E foi mais longe: «este é um momento em que se consubstancia a cultura como plataforma de abertura ao mundo. Se as portas já estavam abertas, ficam agora escancaradas para o relacionamento com Marrocos, e isso é algo que, enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros, não posso deixar de sublinhar e valorizar profundamente».
Estiveram presentes Rosa Palma, presidente da Câmara Municipal de Silves; Othmane Bahnini, embaixador de Marrocos em Portugal; os deputados socialistas Luís Graça, Jamila Madeira e Jorge Botelho; Carlos Silva Gomes, presidente da Assembleia Municipal de Loulé; Adriana Freire Nogueira, diretora regional de Cultura do Algarve; João Fernandes, presidente do Turismo do Algarve; José Apolinário, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve; Dália Paulo, diretora Municipal da Câmara Municipal de Loulé; Nuno Bicho, vice-Reitor da Universidade do Algarve (UAlg); Luís Oliveira, professor da UAlg; António Carvalho, diretor do Museu Nacional de Arqueologia; além da escritora Lídia Jorge e do jornalista Carlos Albino e de representantes da Université Hassan I, de Settat, futura cidade geminada de Loulé.
Até ao final deste ano, a entrada nos Banhos Islâmicos de Loulé é livre e o pátio exterior será um dos novos palcos do Festival MED que se aproxima. O equipamento está aberto ao público de terça-feira a domingo, das 10h00 às 12h30 e das 13h30 às 18h00. Encerra à segunda-feira.
Por fim, o barlavento sabe que está a ser preparada, até final do ano, apoiado pelo Programa de Apoio a Museus da Rede Portuguesa de Museus (ProMuseus), a edição de uma monografia em dois volumes, que contará com cerca de meia centena de investigadores nacionais e estrangeiros, sobre os Banhos Islâmicos de Loulé.
Objetivo turístico, pedagógico e diplomático
Os Banhos Islâmicos de Loulé são o equipamento bandeira do futuro Quarteirão Cultural. «Aqui iremos ter ganhos para a economia do turismo, para a educação dos nossos jovens em idade escolar e, também, para exploração de projetos e relacionamentos que abrirão para o mundo, naturalmente e, sobretudo, para o Mediterrâneo», disse Vítor Aleixo. Ouvido pelos jornalistas, o presidente da Câmara Municipal de Loulé enalteceu o quão «importante é hoje, quando há um regresso a realidades políticas fechadas e nacionalistas, esta oportunidade de revelar um património que nos remete para um pilar constituinte da nossa identidade plural».
Vítor Aleixo deu nota pública que é intenção de Loulé «aprofundar as conversas em curso com os responsáveis da cidade de Settat, para fazermos, ainda este ano, se possível, uma geminação entre os nossos dois municípios. O objetivo é lançar uma ponte por onde passe e circule, nos dois sentidos, a amizade, o conhecimento mútuo de um passado histórico e cultural que já conviveram e mutuamente se enriqueceram. Os protagonistas dessa relação que se irá estabelecer serão, sobretudo, os jovens dos dois municípios que, desejavelmente, conviverão e trabalharão em torno dos problemas da mudança e descontrole do clima. São questões muito sérias que a todos dizem respeito e uma oportunidade para colaborar e estreitar relações como previsto na Agenda para a Sustentabilidade das Nações Unidas 2030. Conto com a compreensão e boa vontade das autoridades marroquinas e estou desejoso de realizar. Penso que é mais um projeto votado ao sucesso», disse aos jornalistas.
Quarteirão Cultural está a nascer no centro histórico
Aproveitando a presença dos ministros da Cultura e dos Negócios Estrangeiros, o autarca Vítor Aleixo explicou que os Banhos Islâmicos de Loulé são «uma das peças nucleares» do conceito que há oito anos começou tomar forma. Trata-se da criação de um «Quarteirão Cultural», uma «meta ambiciosa que tem vindo a ser metódica e sistematicamente prosseguida» pelo executivo. A empreitada compreende ainda a requalificação do Museu Municipal de Loulé, «dotando-o de valências como um laboratório de paleontologia e na área expositiva de uma novidade na museologia regional. Vai contar a história da Terra e do Homem».
«A oferta de património histórico, com as intervenções que têm vindo a ser feitas nos últimos anos, constitui uma atração poderosíssima, e isso vai ter reflexo na economia da região, muito mais que em Loulé», considerou aos jornalistas. A Estratégia municipal para o Património inclui a reabilitação da Igreja Matriz, monumento nacional e antiga Mesquita, atualmente em obras. Reabrirá ao culto em setembro.
Trabalho de equipa
A equipa que preparou os conteúdos museológicos incluiu Susana Goméz Martinéz (Campo Arqueológico de Mértola e Universidade de Évora) e Luís Oliveira (Universidade do Algarve). Pela parte do Câmara Municipal de Loulé/ Museu Municipal, o trabalho alinhou Dália Paulo, Ana Rosa Sousa, Alexandra Pires e Rui de Almeida. No seu discurso, o autarca louletano Vítor Aleixo agradeceu também o contributo dos técnicos da Reabilitação Urbana e do Departamento de Obras Municipais e uma «enorme gratidão» a Cláudio Torres, fundador e diretor do Campo Arqueológico de Mértola.