Luís Vicente, diretor artístico da ACTA – A Companhia de Teatro do Algarve, considera que o júri foi «arrogante» e lamenta «teimosia» do ministro neste processo.
Não é o descer do pano no último ato, mas é um longo período de «absoluta incerteza». A exclusão definitiva do Programa de Apoio Sustentado da Direção-Geral das Artes (DGArtes) deixou a ACTA – A Companhia de Teatro do Algarve sem financiamento para os próximos quatro anos.
«Estamos na iminência de deitarmos ao lixo 25 anos de trabalho», lamenta Luís Vicente. «Está em causa a existência da companhia e a gestão e programação do Teatro Lethes, em Faro. Ali decorrem, de segunda a domingo, aulas de dança e expressão dramática que envolvem uma pessoa da ACTA e três externas. Se fechar, vão para onde?», começa por explicar. Além disso, «as digressões que tínhamos por Espanha e também pelo país, com a peça Pedras com Asas, foram todas canceladas. Estava previsto terminar apenas em abril, em Zaragoza».
Na equipa de 12 pessoas, «duas já foram despedidas, a atriz e o ator» daquela que foi a mais recente criação, estreada em outubro. «E tínhamos prevista uma coprodução com a Companhia de Teatro Almada, que nos iria ocupar até final de 2023», entretanto cancelada.
Para o também ator e encenador, «a apreciação do júri à nossa candidatura é um poço de contradições. Não nos são postas em causa razões de ordem artística, mas de gestão».
E explica. «Não há qualquer entidade do Estado Central ou ao nível das instâncias regionais que tenha um discurso que diga que as associações culturais não devem criar a sua autonomia. Sempre levei isso a sério. Em 2008, adquirimos uma casa de função onde instalamos pessoas que vêm trabalhar conosco», o tempo que for necessário, conforme os projetos. «E adquirimo-la porquê? Porque as despesas com hotéis e alojamento tornariam tudo muito caro», sobretudo quando se trata de produções que requerem semanas ou meses de trabalho. «Encontrámos um apartamento que nos custou 150 mil euros. Destes, hoje só já devemos menos de 13 mil euros. Eu próprio dei a minha habitação como garantia ao banco. Mas somos acusados por isso», detalha.
Outra opção criticada foi a compra do estúdio na Rua Cunha Matos, onde a companhia ensaia desde há 22 anos. «Quando foi a crise de 2005, e que nos atingiu em 2011, falei com a senhoria para reduzir a renda. A proprietária, entretanto, resolveu vender tudo e falou conosco, porque temos prioridade. Pedia 220 mil euros, mas acabou por nos vender por 180 mil euros. O banco avaliou a situação e nem precisámos de dar garantias», para o negócio. A ideia de Luís Vicente é fazer uma permuta com alguém interessado em ficar com os andares superiores e manter o estúdio de ensaios nos pisos térreos e cave.
«Há ali um potencial de rendimento considerável. O estúdio está a minutos do Lethes. Em alternativa, procurámos hangares e armazéns fora da cidade, mas as rendas mensais nem se comparam à prestação que agora pagamos. E há estruturas que alugam espaços mais exíguos e muito mais caros». Por fim, «tínhamos duas carrinhas usadas na itinerância pela região, pelo país e pelo estrangeiro» em fim de vida, que foram substituídas por uma nova. O júri também não gostou, «mas eu não retiraria nem uma vírgula de todas estas opções que tomámos», garante.
Em boa verdade, a candidatura da ACTA teve 71,61 por cento no concurso para os apoios quadrienais. «A nota foi positiva. Dinheiro é que já não havia! Não tenho provas e por isso não posso falar em lobbies, mas isto comporta outros aspetos. Surgem duas candidaturas pelo Algarve na área do teatro. A nossa e uma outra que foi apresentada por uma entidade com sede na Amadora, no distrito de Lisboa. Os critérios de análise de ambas são completamente diferentes», aponta. «Soa-me muito estranho como é que o Teatro do Eléctrico, que vem fazer uma intervenção unicamente em Loulé, é financiada, e a nossa entidade que anda pelos 16 concelhos é prejudicada. Não sou dado a teorias da conspiração, mas há aqui qualquer coisa», ironiza, embora ilibe de quaisquer responsabilidades aquele município.
Em relação aos concursos, complexos e muito burocráticos, «há muito que este modelo está indentificado como sendo fracativo. Surgem pequenas alterações, de dois em dois ou de quatro em quatro anos, mas, no essencial, o modelo mantêm-se». E o subfinanciamento da região, também.
No passado, a ACTA chegou a absorver o teto máximo de 250 mil euros disponibilizados para o teatro profissional no Algarve. «Dava comigo numa situação de desconforto. Porque é que não poderia haver mais financiamento para outras entidades com uma feição emergente e com qualidade? Alguém me explicou que o cálculo obedecia a uma fórmula que tinha a ver com o número de habitantes. Foi depois encontrada uma forma manhosa de contronar isso, que ainda hoje se mantém», mas que não tem em conta as especificidades da região.
O recurso à audiência de interessados para reclamar o resultado, «não só não funcionou como ainda nos responderam grosseiramente». Portanto, «isto está irremediavelmente perdido. Não há volta a dar, porque o ministro continua na sua teimosia em não considerar certo tipo de situações e remete tudo para um júri num processo administrativo, sendo que nós também temos razão de queixa do júri que foi um bocado arrogante».
«São tiques de uma certa falta de educação e de consideração. O que está em causa é uma companhia que tem sido prestigiada, por exemplo, com o prémio educação da Gulbenkian pelo projeto VATe», um autocarro com plateia que percorre todos os 16 concelhos com espetáculos de teatro, e que na opinião de Luís Vicente «tem todas as condições para vir a ser autossustentável. Aliás, tem uma programação que, em princípio, será cumprida até julho».
Agora, «estamos a trabalhar em várias frentes ao mesmo tempo e a preparar cinco novas candidaturas aos apoios pontuais», para não deixar cair a agenda da Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses no Lethes, nem despedir pessoal. O responsável revela que tem estado em conversações com o município de Faro e também com a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve. «Tinhamos um vínculo por via do Algarve Central para fazermos o Festival de Objetos e Marionetas (Festival FOMe). No ano passado, já não foi possível organizá-lo, mas estávamos a considerar reiniciar esse processo em 2024, na feição inaugural», conclui.
Ainda assim, e apesar de todas as contrariedades, a ACTA vai apresentar a programação de 2023 do Teatro Lethes, naquele espaço emblemático, no sábado, dia 21 de janeiro, às 21h30.
Luís Graça: «ficamos mais pobres»
A ACTA é uma de sete estruturas profissionais excluídas, face a 48 apoiadas pela Direção Geral das Artes (DGArtes) através do Programa de Apoio Sustentado, na modalidade de Teatro, para o próximo quadriénio. Em audição parlamentar, na quarta-feira, dia 11 de janeiro, o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, admitiu discutir o modelo dos próximos concursos mas escusou-se a falar em reforços. Na ocasião, Luís Graça, pediu para ser substituído enquanto presidente da comissão parlamentar de Cultura, para poder usar da palavra.
«Enquanto algarvio e deputado eleito por Faro, não posso deixar de mostrar o meu desconforto face às consequências para a região do concurso da DGArtes na área do teatro. O edital define um teto mínimo de estruturas que devem ser apoiadas. No Algarve, teria que existir pelo menos uma. O que acontece é que a companhia apoiada pelo Algarve tem sede em Lisboa», criticou, referindo-se ao Teatro do Eléctrico.
«Parece-me que este governo que defende a subsidiariedade, que promove o acesso à cultura, que tem como objetivo a coesão territorial, não pode aceitar os resultados deste concurso sem uma reflexão. Partilho com o sr. ministro que é importante que os criadores se possam deslocar por todo o país e escolher onde querem trabalhar e sediar-se, até, fora da capital. Devem existir programas para essa mobilidade. Não nos parece que este concurso tenha esse objetivo, que sejam financiadas estruturas de Lisboa em concorrência com as que existem ou sobrevivem nas regiões periféricas».
O também líder da Federação Regional do Partido Socialista (PS) exemplificou com uma metáfora: «imagine que a Universidade do Algarve abre, com o apoio financeiro do governo, um curso em Lisboa, certamente muito validado cientificamente, e o governo cessa o apoio à Universidade de Lisboa. Ninguém aceitaria isso! O sr. ministro não aceitaria, também eu não posso aceitar. A ACTA sem este apoio fica em risco e nós ficamos mais pobres», concluiu.