S2AQUAcoLAB quer elevar a aquacultura nacional a um novo nível

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A S2AQUAcoLAB, infraestrutura colaborativa de vanguarda, pretende apoiar as empresas do sector, numa altura em que Portugal quer aumentar a produção aquática em 25 mil toneladas até 2030.

Fundado em Olhão, em 2021, o S2AQUAcoLAB é um laboratório colaborativo que junta instituições de investigação e desenvolvimento experimental, várias empresas, um município e uma cooperativa do sector da aquacultura.

Do ponto de vista formal, é uma associação sem fins lucrativos, cuja direção é presidida por Pedro Pousão, responsável pela Estação Piloto de Piscicultura de Olhão (EPPO) do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). O objetivo é alavancar a inovação, facilitar a transferência de conhecimento e tecnologia e a criação de novos produtos.

S2AQUAcoLAB
Pedro Pousão

Para arrancar, o colab conta com um apoio para a contratação de recursos humanos altamente qualificados, na ordem dos 1.940.882,92 euros, financiados a 80 por cento pelo Programa Operacional do Algarve (CRESC Algarve 2020), através do Fundo Social Europeu (FSE), até final de 2023, através da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve.

A equipa inicial alinha 20 pessoas, das quais 13 têm doutoramento e sete têm mestrado para cobrir as várias linhas de trabalho previstas.

O S2AQUAcoLAB vai ainda contar com financiamento de projetos europeus, da «Missão Interface» da Agência Nacional de Inovação (ANI) e do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para avançar com vários projetos.

«Temos um projeto, dirigido pela Necton, para utilização dos resíduos das estufas de frutos vermelhos na produção de microalgas. Nós, colab, vamos testar a sua aplicação no cultivo marinho de peixes. O vertical algas tem vários subprojetos. Um dos quais é a produção de biomassa de alga que vai ser utilizada na fabricação de rações que podem ser utilizadas para incorporar na produção de peixe», revela Pedro Pousão.

Nas suas palavras: «temos dezenas de ensaios com robalo, dourada, corvina e linguado para fazer e sobretudo toda a analítica associada. Um outro projeto em que participamos envolve o crescimento de macroalgas e outros organismos em IMTA (Integrated Multi-trophic Aquaculture) e a verificação das contaminantes em mar aberto associados à de produção de macroalgas. As recolhas serão feitas na proximidade das jaulas que o Grupo Jerónimo Martins está neste momento a instalar ao largo de Vila Real de Santo António».

E é neste âmbito, que «temos mais um projeto de apoio ao offshore, em que vamos tentar perceber o que é que se passa dentro de uma jaula e como é que estas se podem adaptar àquilo que nós sabemos de cultivo de dourada e robalo, de acordo com as ondas e correntes», acrescenta.

S2AQUAcoLAB

Ainda segundo o responsável, «temos também um projeto para a colaboração na criação de um biobanco nacional que será fiel depositário de novos vírus, novas bactérias e de organismos vivos de interesse para a ciência no futuro. Recentemente vimos ainda aprovado um outro projeto para um sistema de produção de células in vitro, cujo objetivo é a substituição do soro bovino, vulgarmente utilizado nas culturas de células animais, por constituintes de origem vegetal».

Além disso, «temos submetidos diversos projetos de base ambiental para Marim, no âmbito do PRR que ainda estão sujeitos a avaliação. Um deles pretende rever a compatibilidade entre a aquacultura e a proteção do meio ambiente», sobretudo no que toca à avifauna.

Outra iniciativa de impacto regional é «um projeto para estudar eventuais doenças e parasitas de todas as pisciculturas do Algarve. E temos ainda a participação em vários projetos europeus, mais vocacionados para outro tipo de produção em aquacultura sem ser peixes, com por exemplo, bivalves, macroalgas, ouriços do mar e holotúrias (pepinos-do-mar), de uma forma mais industrial», diz Pedro Pousão.

No entanto, explica o responsável, «a ideia é que as nossas investigações base se apliquem à produção. É nessa fase que o S2AQUAcoLAB entra, para resolver problemas naquilo que já se faz no sector, ou ajudar a implementar coisas novas. Ou seja, somos um interface entre o sector científico, de investigação e o sector produtivo. Temos como associados instituições de investigação e também doutorados que são recursos altamente qualificados e estão cá para dar resposta à inovação».

«O nosso lema é elevar a aquacultura para outro nível. Isso inclui também trabalhar as resistências que ainda existem, sejam elas por parte dos consumidores ou por parte das entidades da administração» central e local.

Isto porque «não há aquacultura sem espaço. Mesmo quando se fala em offshore (mar aberto), toda a parte dos juvenis é feita em terra. Portanto, o crescimento da aquacultura é proporcional ao espaço que temos para ela, seja em terra ou no mar», acrescenta.

Aliás, neste momento, a falta de espaço é também um dos principais constrangimentos, numa altura em que estão a ser montados vários laboratórios para apoiar os pedidos das empresas associadas. No futuro, o S2AQUAcoLAB espera utilizar um edifício novo no porto de Olhão.

Por outro lado, «fizemos um inquérito junto dos associados para perceber quais são as necessidades a curto, médio e longo prazo e vamos seguir esse caminho», detalha.

S2AQUAcoLAB

Algumas empresas associadas de aquacultura pura e dura já têm doutorados nos quadros e os seus próprios departamentos de investigação, «o que facilita muito o relacionamento e os avanços. Muito do progresso desta atividade tem a ver não só com a implementação de infraestruturas, mas sobretudo com a inovação.

Hoje, com os desafios energéticos, os desafios da falta de matérias-primas e da globalização, a competitividade passou a ser ainda mais fundamental. Isto porque é preciso encontrar alternativas para a alimentação de peixes. Não se podem introduzir novos produtos sem que sejam testados primeiro. E para que possam entrar novos players no sector, é preciso haver informação-base e vão querer ter um apoio.

Se um grande grupo quiser investir em aquacultura, estará muito mais à vontade se tiver um colab a seu lado, independentemente dos consultores privados que possa ter.

Ao ter o S2AQUAcoLAB terá também uma universidade, um instituto politécnico, o IPMA, o CCMAR, e outros produtores. Sentir-se-á muito mais confortável na resolução de problemas que às vezes são comuns a todos».

Para Pedro Pousão, o apoio do CRESC Algarve 2020 «foi fundamental porque os recursos humanos altamente qualificados são caros. Esta é a parte mais difícil». Fazendo uma metáfora com o futebol, «precisávamos de ter muito bons jogadores. Já temos alguns. Agora é organizar a equipa e começar a marcar golos».

Até final de 2023, os salários da equipa estão garantidos, mas o responsável não tem dúvidas que daí para a frente, não será difícil encontrar financiamentos e novos projetos e oportunidades.

«Temos a certeza que sim, quer através dos nossos meios, quer através do Estado (está previsto na génese dos laboratórios colaborativos que contribua com um terço do financiamento), o S2AQUAcoLAB será uma unidade de sucesso, considerando que faremos a nossa parte» em angariar os restantes dois terços.

«Sim, é uma sociedade complicada. Teremos de prever fontes de rendimento, ganhando projetos, ganhando prestações de serviços ou trabalhos variados», reforça.

«O S2AQUAcoLAB é algo para o futuro. Estamos a falar de empresas que faturam milhões de euros, até as mais pequenas. Se um investigador conseguir melhorar alguma coisa na cadeia de produção, pode pedir que contribua com uma percentagem para a inovação ou para melhorar os laboratórios», exemplifica.

«A diferença é que, por exemplo, no IPMA ou na universidade, temos missões do Estado para cumprir e as pessoas que lá estão têm um currículo, competitivo entre elas, para fazer. Num colab, a sua missão é ajudar as empresas privadas que estão associadas a crescer, a melhorar a faturação e a resolver problemas. É claro que isso tem um valor económico. Seja porque se conseguiu melhorar a cadeia de produção, ou o aspeto de um produto, há aqui muito por onde intervir», compara.

Em relação a congéneres, Pedro Pousão garante que este é o mais vocacionado para a aquacultura no país. «A ideia do governo é que os colabs possam ter uma margem de intercessão mas que, em termos gerais, não haja sobreposições entre si. Têm missões mais ou menos específicas para não duplicar esforços e recursos que são parcos no país».

A Estratégia Nacional para o Mar (2021-2030) identifica a aquacultura como uma das áreas de intervenção prioritária. Perspetiva-se, neste horizonte temporal, um aumento da produção aquícola portuguesa para 25 mil toneladas.

Origem do S2AQUAcoLAB

Tudo começa em 2021 com um projeto submetido à Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), que atribuiu um selo para a criação de um laboratório colaborativo e a constituição de uma associação sem fins lucrativos.

Neste caso, o S2AQUAcoLAB tem como associados a Universidade do Algarve (UAlg) e o Politécnico de Leiria, assim como instituições de investigação como o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), através da Estação Piloto de Piscicultura de Olhão (EPPO), o Centro de Ciências do Mar (CCMAR) da UAlg e o município de Olhão, onde está sediado.

A ideia é aproximar a investigação e os produtores. Por isso, os colabs têm de ter, na sua maioria, empresas privadas que lhes permitam determinar quais são os caminhos seguir. Neste caso, as empresas são a Acuinova, Atlantik Fish, Docapesca, Formosa (cooperativa), NaturaFish, Necton, Oceano Fresco, PVL –  Pesca de Alvor, Riasearch e Sparos.

S2AQUAcoLAB

O consórcio tem ainda associados como a Agência Regional para o Desenvolvimento da Investigação, Tecnologia e Inovação (ARDIT) da Madeira e o em breve grupo Modelo Continente (Grupo Sonae). No conjunto, são 49 investigadores associados.

Linhas de investigação organizam as tarefas

O trabalho do colab S2AQUAcoLAB vai ser organizado em linhas de investigação. A primeira será dedicada à procura das oportunidades de financiamento, projetos internacionais e gestão corrente. Abrangerá também toda a parte da propriedade intelectual, de registo de patentes, a segunda a formação dos técnicos das empresas associadas, ou treino especializado com parceiros académicos (mestrado ou doutoramento em contexto de trabalho).

As outras linhas de investigação estão relacionadas com a otimização da produção, ou seja, com tudo o que está relacionado com as questões técnicas desde a reprodução ao cultivo de juvenis, seja de peixes, algas ou bivalves. No fundo, as diversas ferramentas analíticas para o bem estar-animal.

A biologia, as alterações climáticas e as questões ambientais e os contaminantes também têm um pacote de trabalho dedicado. Há ainda um último que engloba os desenvolvimentos tecnológicos, desde a robótica à inteligência artificial, aos novos produtos de pescado (sendo a sardinha em cativeiro um bom exemplo, ou a corvina enriquecida com iodo).

Sardinha em cativeiro é o futuro da indústria

Pescar e trazer sardinhas vivas para terra foi uma operação que os investigadores da Estação Piloto de Piscicultura de Olhão (EPPO) do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) fizeram em maio de 2018, com vista a obter um stock para estudar a reprodução em cativeiro, em várias fases, embora os primeiros trabalhos de investigação tenham tido início dois anos antes. Desde então, já nasceram três gerações.

Segundo o responsável Pedro Pousão, «cada vez mais a indústria conserveira está a olhar para isto. A produção de sardinha em conservas diminuiu muito nos últimos anos, e o que tem mantido a fileira é o atum. Na verdade, a sardinha portuguesa em termos internacionais é muito apreciada. E portanto, as empresas querem que se avance mais» com a produção em cativeiro. «Esperemos que no próximo quadro MAR 2030 se dê mais tempo e espaço à investigação da sardinha, para termos números em qualidade e quantidade e um produtor interessado» numa operação de larga escala.

«Estamos a falar num produto para ser colocado dentro de uma lata. Não é propriamente o mesmo tipo de sardinha do mar».

No entanto, tal como acontece já com a dourada e o robalo, uma aquacultura de sardinha «até é mais interessante porque é possível calibrar o pescado. Por exemplo, produzir sardinha com um peso entre os 40 ou 60 gramas. Podem fazer essa afinação».

E quão perto estamos de atingir esse objetivo? A resposta surge em forma de pergunta: «como é que se monta uma empresa para fazer dois milhões de sardinhas e que me custem cada uma, 0,40 euros? Para chegar a esses números temos de afinar ainda mais a ração e a reprodução.

Saber se será possível daqui a um ano ou dois, tudo depende do que se investir na investigação. Imagine que uma indústria quer comprar 200 mil juvenis para o ano. É essa parte é que temos de dominar».

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