LS Engenharia Geográfica na vanguarda da Geodesia Espacial

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LS Engenharia Geográfica, com sede em Faro, parceira da Agência Espacial Europeia (ESA) é uma das três empresas mundiais especializadas na área da hidrografia que usam imagens de satélite como fonte primária de informação.

Nasceu no seio da Universidade do Algarve (UAlg), em 2019, e lançou-se no mercado com um serviço especializado na aquisição e edição de informação geoespacial e na produção de cartografia para fins comerciais e industriais.

Luís Sousa, engenheiro geógrafo e sócio fundador da empresa, explica que «aquilo que fazemos é utilizar os vários sensores geoespaciais disponíveis para obter informação da superfície terrestre, sem necessidade de ir ao terreno. Podemos, por exemplo, obter informação topográfica muito variada e criar modelos de elevação de superfície, utilizando apenas os sensores no espaço».

Dito desta forma parece fácil, mas na verdade, «esta é uma área que exige muito conhecimento das ciências da terra e da física. Exige muito estudo e muita validação. Não é apenas carregar num botão. Até a escolha das imagens para análise tem de ser muito criteriosa. Precisa de um olho crítico. Ou seja, até no screening da informação prévia existe muito rigor», esclarece.

O trabalho envolve também «programação avançada, utilizando linguagens orientadas para a deteção remota e sistemas de informação geográfica. Hoje existem sensores no espaço que estão subaproveitados. O cliente tem de nos dizer o que precisa e nós desenvolvemos novos algoritmos e ferramentas para gerar informação de qualidade, utilizando fontes de programas espaciais como o Copernicus, o programa de observação da Terra da Agência Espacial Europeia (ESA).

A empresa, apesar da juventude, já tem parcerias com a Autoridade Nacional de Proteção Civil e a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) para, com recurso à deteção remota, estimar áreas afetadas por fogos florestais, gerir recursos hídricos ou identificar zonas de elevado risco de incêndio e até erosão costeira.

«Conseguimos até determinar parâmetros de qualidade do ar e da água e fazer monitorização de estruturas artificiais com barragens e aeroportos, através de satélite», acrescenta.

Os métodos tradicionais estão obsoletos? «Não. Há elementos que podem obstruir os sensores óticos dos satélites, entre outras limitações. Diria que as duas vertentes serão sempre complementares. Neste momento a deteção remota é um complemento à topografia tradicional e tem campos de aplicação diferentes. Acredito que no futuro isso irá inverter-se». Em relação à aceitação do mercado, «há muito potencial em Portugal, mas lá fora estão mais recetivos à aplicação destas novas tecnologias», admite.

Olhos no mar

A LS Engenharia Geográfica, além da deteção remota, presta serviços nas áreas da geodesia (ciência que analisa a determinação da forma, das dimensões e do campo de gravidade da Terra), hidrografia (que inclui a topografia do fundo do mar para diversos fins, como o apoio à navegação, obras marítimas e outras áreas da engenharia) e posicionamento marítimo.

Embora também disponha de meios convencionais para fazer levantamentos hidrográficos, como são exemplos recentes, o estudo do estuário do Arade para a Administração dos Portos de Sines e do Algarve (APS) e dos Portos do Funchal, a empresa usa a batimetria derivada de satélite como ferramenta para a produção de cartografia náutica. «Funciona muito bem para fundos mais rasos, por exemplo, como as barras naturais e zona costeira da Ria Formosa, portanto, ambientes muito dinâmicos».

Um exemplo foi o apoio aos trabalhos de dragagem da Praia da Fuseta, pela Sociedade Polis Litoral Ria Formosa, que consistiu em retirar areia do canal de navegação (que vai assoreando e, por conseguinte, dificultando a navegação) e usar esses inertes para realimentar a praia. A intervenção teve o apoio da parte da hidrografia e da deteção remota, de forma a se perceber melhor as movimentações das areias.

Outro caso de estudo recente é a conclusão da monitorização do cordão dunar litoral, desde Vila Real de Santo António a Odeceixe, para a APA. «Neste caso, identificamos os pontos críticos relacionados com a subida do nível médio da água do mar, e também as zonas mais vulneráveis. O relatório técnico apresentou ainda algumas sugestões de melhoria e sustentação», explica Luís Sousa.

Um levantamento desta envergadura demorou cerca de quatro meses. «Está tudo dentro do expectável. Sabemos que a costa do Algarve tem uma grande dinâmica geológica e considerando o ritmo a que o ambiente está a mudar, penso que será necessário, daqui para a frente, fazer este tipo de monitorização a cada ano. Utilizando os satélites podemos também prever o que poderá vir a acontecer, de modo a nos precavermos enquanto sociedade», através da gestão e planeamento costeiro.

«Através de imagens de satélite conseguimos fazer deteção de bacias hidrográficas de pequena e grande dimensão, e estimar as suas profundidades e capacidade de acumulação, isto com uma taxa de atualização desta informação, quase semanal. Neste momento, os recursos hídricos são críticos. Esta é uma questão que está mais premente nos municípios do Alentejo e Algarve, mas sentimos que na região centro já há problemas com as reservas de água muito abaixo do que estavam em anos anteriores; a informação sobre estes recursos no âmbito de planeamento e gestão de emergências, tornou-se essencial», sublinha.

Parceria com a ESA

A LS Engenharia Geográfica é uma das poucas empresas europeias selecionadas no âmbito do ESA Space Solutions, um programa de apoio ao desenvolvimento e crescimento de startups vocacionadas para as tecnologias geoespaciais. O contrato bianual data de dezembro de 2020 e está em vigor até ao final deste ano.

Sónia Fernandes, gestora de projetos da empresa, revela que «foi um processo de seleção rigoroso e formal. Tivemos de elaborar uma candidatura que foi sujeita a análise e justificar bem que havia competência nossa para realizar o projeto».

A parceria ESA BIC, ao nível formal, tem validade de 24 meses, mas «correndo bem este período experimental, a ideia é mantê-la continuamente. Há outras vertentes para as quais estamos a apresentar candidaturas».

No que toca à batimetria derivada de imagens de satélite, Sónia Fernandes salienta que há apenas três empresas no mundo. Nós somos a primeira a utilizar satélites em simultâneo com veículos de voo autónomo».

E a tecnologia europeia está suficientemente madura? «Os americanos têm o programa de observação terrestre LANDSAT há muito anos. A Austrália também está forte e a querer entrar nesta vanguarda. Mas a Europa talvez seja o continente onde a aceleração do desenvolvimento destas tecnologias seja mais notável. Penso que será o futuro. Basta ver a crise energética e o aumento dos custos que tornarão insuportáveis a realização de certos trabalhos de obtenção de dados no terreno. Terá que haver outras ferramentas para os realizar», prevê Luís Sousa.

«Quando falamos em imagens da terra captadas do espaço, o programa europeu, por exemplo permite a obtenção de dados com resolução espacial de 10 metros, portanto, pixeis com uma dimensão de 10 metros no terreno; mas hoje já existem programas comerciais que fornecem dados desse tipo com 30 a 50 centímetros de resolução. Estamos a falar de valores avultados na aquisição deste tipo de imagens, mas penso que é vantajoso no caso de grande áreas. Se quisermos utilizar as técnicas da fotogrametria convencional (produção de cartografia com recurso a fotografia aérea obtida por avião) isso implica custos que, se calhar, podem representar uma despesa superior à utilização dos satélites, com os quais conseguimos ter um produto atualizado, por vezes a cada sete dias», acrescenta.

Ainda sobre a parceria com a ESA, «estamos a utilizar as imagens de radar do Sentinel-1 para a deteção de recursos hídricos, à procura de água. Trata-se da pesquisa de onde poderá haver água através de satélite, juntando também a isto a caracterização geológica dos locais, tudo a partir do espaço. É um projeto experimental e embrionário. Não exige grande movimentação de meios, apenas uma validação no terreno», detalha o engenheiro.
«Temos também um projeto em estudo para uma região de Angola, de mapeamento geológico do solo, e isso consegue-se fazer através de deteção remota», avança.

Fundos europeus mudam a imagem do país e da região

A empresa candidatou-se a um apoio, no valor de 183.617,28 euros do CRESC Algarve 2020, através do Fundo Social Europeu, para a criação de três postos de trabalho qualificados, durante três anos.

Para Sónia Fernandes, «os fundos europeus, quando bem aplicados são fundamentais para o crescimento sustentável das empresas e das instituições. Para nós foi fundamental. De outra forma precisaríamos de mais tempo para contratar certos recursos».

No âmbito do próximo quadro comunitário, a empresa considera uma nova candidatura. Desta vez, para um projeto de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico (IDT).

A gestora justifica. «É o próximo passo que faz sentido. Esta é uma área que está em constante evolução e mudança. Como empresa temos os nossos compromissos profissionais, e nas horas de menor afluência fazemos alguma investigação. Seria importante ter um apoio para uma investigação mais dedicada relativamente ao uso de outros sensores orbitais existentes (Sentinel-3 e Sentinel-5), puxar pela cabeça e desenvolvermos mais produto final. Isto é um mundo que está por descobrir», garante.

Por outro lado, «temos noção que no nosso país há um problema de retenção de talentos e que há uma constante fuga de cérebros. Portanto é importante haver quem tente lutar para que os talentos fiquem a trabalhar cá para que se promova a imagem de Portugal sem ser na vertente do turismo ou da gastronomia. Claro que essas são áreas fundamentais, mas há possibilidade para outras coisas. Há outras realidades que merecem ser potenciadas e que promovam a imagem do país» e também do Algarve.


No ano passado, a empresa abriu uma vaga para um engenheiro geoespacial. «Tivemos 77 candidaturas e nenhum português. Eram pessoas do Paquistão, Índia, Espanha, Argentina e Israel». A falta de formação no nosso país talvez explique a lacuna.

Em breve, vai surgir uma nova licenciatura em deteção remota na Universidade de Coimbra e existe também um mestrado no Porto. A empresa está disponível para a ajudar a UAlg a montar uma oferta formativa nesta área e também não teme uma futura concorrência.

«Claro que não. A concorrência quando é saudável é boa. Só conseguimos crescer quando há alguém que nos obrigue sermos ainda melhores. Isso é estimulante. Até podíamos trabalhar em parceria e construir algo maior em conjunto», conclui.

De estudantes a peritos geoespaciais

Luís Sousa, engenheiro geógrafo e Cláudio Sousa, engenheiro hidrógrafo, amigos e colegas do curso de Engenharia Topográfica da Universidade do Algarve (UAlg), começaram, quase autodidatas, a explorar o potencial dos satélites de observação da Terra, há mais de uma década. Um percurso que os levou a fundar, em 2019, a única empresa do mundo contratada pela Agência Espacial Europeia (ESA) para operar na área da batimetria derivada de imagens multiespectrais. As outras duas estão associadas à norte-americana NASA.

A empresa esteve sediada durante algum tempo no CRIA – Divisão de Empreendedorismo e Transferência de Tecnologia da UAlg, em Gambelas, até à recente mudança para o ecossistema do novo Algarve TEC Campus, na Penha, em janeiro último.

Ao nível interno, além dos fundadores, a LS Engenharia Geográfica conta com cinco colaboradores especializados em de várias áreas e contrata colaboradores externos conforme as necessidades. Trabalha também com sistemas de informação geográfica, topografia e cadastro predial, com gabinetes de arquitetura, advogados, solicitadores e instituições públicas.

Boas práticas de responsabilidade social

A equipa da LS Engenharia teve uma parceria especial na iniciativa «Espaço à Quarta», um ciclo de debates gratuito, organizado pela Ciência Viva e pelo ESERO Portugal (European Space Education Resource Office), com a colaboração da Agência Espacial Portuguesa, destinado ao público e à comunidade educativa, no final de julho.

Esteve em debate o tema «Do Espaço ao Oceano» e a monitorização do oceano e do litoral com recurso à tecnologia espacial, através da utilização de satélites. Este é um exemplo das boas práticas de responsabilidade social em que a empresa algarvia também se quer destacar.

«Queremos fornecer informação que não esteja coberta por confidencialidade ou que elaboramos gratuitamente para a comunicação social e sector do ensino, de forma a que a sociedade possa saber em que estado está o ambiente. O que podermos fazer para ajudar a construir uma sociedade mais sustentável, faremos», garante a gestora de projetos Sónia Fernandes.

Prémio Copernicus Masters Azores 2021

A Agência Espacial Portuguesa – Portugal Space procura as melhores ideias para o uso dos dados Copernicus no âmbito dos novos desafios sociais e ambientais, num concurso muito focado no oceano e nas zonas costeiras. Em 2021 foi atribuído o prémio Copernicus Azores, à empresa LS Engenharia Geográfica por um projeto que utiliza dados do satélite Copernicus Sentinel-2 para recuperar a batimetria em áreas de pouca profundidade com níveis de precisão distintos para diferentes aplicações.