Plataforma Água Sustentável refuta Pomarão no âmbito do PRR

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A Plataforma Água Sustentável (PAS), apresentou uma participação na Consulta Pública relativa ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

Essa participação, questiona as opções de fundo previstas para a resolução do problema da água para o Algarve e apoiando outras medidas em alternativa.

«Nestes últimos dias têm-se assistido a uma forte pressão das entidades nacionais e regionais no sentido de convencerem (os cidadãos? os governantes europeus?) de que houve uma auscultação alargada dos cidadãos (stakehorders) para a elaboração quer do Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve (PREHA), quer para o PRR».

«Houve participação da sociedade civil alargada na elaboração do Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas do Algarve (PIAAC), mas este plano foi em grande parte ignorado em todos os documentos oficiais que se lhe seguiram», defende a PAS, em comunicado enviado à redação do barlavento.

Quanto ao PREHA, «basta consultar os seus documentos finais para se verificar que isso não aconteceu. Apenas participaram as entidades ligadas ao sector económico e nem de todos os ramos, apenas os representantes da agricultura de regadio e da indústria do golf. Outro facto sujeito a grande pressão na opinião pública é o que diz respeito à escolha da captação de água no Guadiana (Pomarão) e a dessalinização como soluções de futuro para o problema hídrico do Algarve».

A PAS salienta na participação que «o processo de escolha destas entre outras soluções do PREHA era suposto estar em curso», lê-se no comunicado da PAS.

No que respeita à captação no Pomarão, «não tendo sido equacionada no PIAAC, esta escolha está ferida de falta de transparência já que pelo menos um dos especialistas constituintes do grupo de estudo sobre as mesmas é juiz em causa própria já que defendia essa solução muito anteriormente. Quanto à dessalinização aparece no PIAAC como uma medida a ser analisada se a situação climática se agravar. No PREHA aparece igualmente como uma entre outras soluções a serem avaliadas. Quando e quem tomou a decisão destas obras serem as soluções para o problema da água no Algarve?», questiona esta plataforma.

Quanto ao PRR, «foi elaborado e apresentado em Bruxelas; só recentemente divulgado um resumo, para efeitos de uma consulta pública, que decorreu durante 15 dias, num portal pouco conhecido, com um funcionamento muito deficiente, cujas regras mudaram em pleno decorrer da consulta».

Ontem, dia 2 de março de 2021, um dia após o termino da consulta pública, houve um webinar sobre o PRR – Recursos Hídricos, promovido pelo governo, embora «nessa sessão só foram tornados públicos os montantes que cada uma dessas obras custará, já que o PRR é omisso. E foi afirmado que o preço da água vai ser aumentado, por efeito delas».

Participação da PAS no Plano de Recuperação e Resiliência de Portugal (PRR)

Congratulamo-nos com o facto do Plano de Recuperação e Resiliência de Portugal estar em fase avançada de elaboração.

No entanto, assinalamos a exiguidade do prazo de 15 dias da consulta pública, absurdamente curto para analisar e fazer sugestões para um plano que pode ser a última oportunidade para levarmos a cabo ações estruturantes que tornem o país capaz de ultrapassar a atual crise decorrente da pandemia e de se tornar mais resiliente, com uma resposta eficaz aos problemas sociais, económicos e ambientais existentes e previstos para o futuro.

Acerca do PRR
Um Plano Estrutural não pode ser mais um plano de obras públicas propondo uma «chuva» de obras só porque há dinheiro para as executar; tem que planear, com base em propostas com consistência científica e técnica, estabelecer prioridades e ações exequíveis para os prazos estabelecidos. No caso presente, o PRR tem por objetivo a recuperação económica e social, mediante reformas e investimentos exequíveis no curto prazo, mas de efeito estruturante.

Sobre a Componente C9 – Gestão Hídrica

Esta componente tem como objetivo: Mitigar a escassez hídrica e assegurar a resiliência dos territórios do Algarve, Alentejo e Madeira aos episódios de seca.

Antecedentes
Centrando-nos no problema de escassez hídrica do Algarve, devemos assinalar que o problema é conhecido, estudado e tem soluções propostas para o ultrapassar pelo menos desde meados do século passado, sendo que essas soluções estruturais, como é suposto serem as iniciativas no âmbito do PRR, são intervir sobretudo na serra algarvia nas seguintes áreas:

  1. Conservação do solo, que, como é sabido, por intermédio da matéria orgânica, é o principal fator de retenção de pluviosidade e o maior sumidouro terrestre de carbono;
  2. Reflorestação com espécies endémicas, diversificadas e resilientes;
  3. Promover pequenas retenções de água, quer para abastecimento de pequenos regadios a jusante, quer para hidratação da paisagem envolvente e recarga de aquíferos subterrâneos.

Recentemente, foi apresentado um documento, o Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas PIAAC [junho de 2019], encomendado pela AMAL.

O Plano foi elaborado por uma equipa de cientistas e especialistas de renome,  teve a colaboração da Universidade do Algarve (UAlg) e a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, demorou um ano a fazer, foi pago com o dinheiro dos contribuintes, e contou, nas suas várias etapas, com os contributos pro bono de um leque alargado de representantes da sociedade civil.

Como medidas de curto e médio prazo propõe:

  • Melhorar as políticas atuais (remodelar as infraestruturas de rega de modo a suprimir as perdas na rede e reduzir as necessidades de água nos espaços verdes urbanos);
  • Implementar técnicas de retenção de água (paisagens de retenção de água, lagos artificiais, bacias de retenção, açudes e reservatórios);
  • Reutilizar águas residuais.

E considera que «caso o cenário climático venha a revelar-se o menos gravoso essas medidas serão suficientes para manter a disponibilidade hídrica atual até ao final do século».

Quase simultaneamente, (julho de 2020), foi apresentado o documento Bases do Plano Regional de Eficiência Hídrica (PREHA) do Algarve, da responsabilidade da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), que lista uma série de medidas, sem ordem de prioridades, nem prazos de execução atribuídos.

Para a definição dessas medidas, contou com os stakeholders interessados e ignorou olimpicamente quer a sociedade civil quer o PIAAC recentemente elaborado.
Entre as medidas definidas constam, entre outras:

  1. Reduzir perdas de água na adução e distribuição;
  2. Utilizar Água para Reutilização (ApR);
  3. Construir, altear, interligar barragens, utilizar volume morto das albufeiras, ou implantar outras captações superficiais.

Apesar de não estar listado nas medidas principais considera que que se deve «promover a reflorestação com espécies endémicas ou autóctones, recorrendo às práticas de gestão adequadas»

Medidas Previstas no PRR

Foi, pois, com surpresa que verificámos que o PRR prevê para o Algarve na Componente C9 200 milhões de euros, a implementar exclusivamente sob a coordenação geral da APA com fundamento nas Bases do PREHA.

Entre as várias medidas listadas incluem-se, entre outras, quer a Redução de Perdas de Água quer a reutilização de Águas Residuais, ambas previstas no PIAAC e no PREHA e com as quais concordamos.

No entanto, está igualmente previsto:

  1. Aumentar a capacidade disponível e resiliência das albufeiras/sistemas de adução em alta existentes … designadamente pelo reforço das afluências à albufeira de Odeleite através de uma captação no rio Guadiana;
  2. Promover a dessalinização de água do mar.

Ora, ambas as intervenções agora contempladas foram apresentadas no PREHA como possibilidades ainda a precisarem de ser avaliadas e, complementarmente têm os seguintes óbices:

No que respeita à captação no Rio Guadiana
No âmbito do PREHA, via APA, foi contratada uma equipa de experts para elaborar o Estudo de Viabilidade das Medidas a longo prazo com objetivo de tomar decisões entre as várias soluções inicialmente preconizadas.

Essa equipa de experts, integra Carmona Rodrigues que foi o responsável pelo projeto de captação de água no Guadiana – Pomarão que a Algarfuturo apresentou em primeira-mão e defendeu, anteriormente ao PREHA, em diversas sessões no Algarve, durante os anos de 2019-2020.

Há, pois, um claro conflito de interesses entre uma ação que deve visar o bem comum (/PRR) e a defesa de interesses privados ao tentar viabilizar um projeto já pré formatado;

A opção de captar água no Rio Guadiana carece, numa fase inicial, de estudar a sua fundamentação e viabilidade técnica, de estudos e avaliação dos impactos ambientais e dos impactos económicos, de negociações internacionais e será altamente lesiva para os ecossistemas dependentes desses caudais, sobretudo a jusante da captação.

Há uma plantação recentemente instalada de abacates, de 600ha, em Ayamonte / Villablanca que vai buscar água diretamente ao embalse / barragem do Chança, alimentada pelo Rio Guadiana, que está localizada a montante da captação prevista.

Só essa plantação retirará volumes de água de cerca de 14.000.000l / dia, ou seja 5.110.000.000l/ ano;

Obrigará a um grande investimento público, atravessará uma área de grande sensibilidade ambiental e não garante uma efetiva disponibilização de água, já que todas as previsões apontam para a continuidade de baixas precipitações e consequente diminuição de caudais, que, mesmo a existir, terão muito provavelmente que ter luz verde de Espanha para ser utilizados.

Trata-se, pois, de uma não solução, que não será seguramente implementada no curto prazo, como é desiderato do PRR, não é uma opção que tenha garantida a disponibilização de água, e que, em última análise, em vez de aumentar a resiliência da Região vai tornar-nos mais dependentes de energia, aumentar a nossa pegada ecológica, e prejudicar ou mesmo extinguir os ecossistemas dependentes dos caudais excedentários que se pretendem captar.

Quanto à dessalinização

Tem enormes impactos ambientais e cria o problema da deposição dos efluentes salinos;
Não respeita o compromisso relativo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável assumido por Portugal com a ONU de alcançar o acesso universal e equitativo à água potável segura e acessível até 2030.

Está previsto que a dessalinização seja entregue a empresas privadas, que serão compensadas sempre que não tenham necessidade de tratar e vender água, o que, aliado aos preços elevados da própria tecnologia, fará disparar o preço para o consumidor doméstico desse bem essencial à vida que é a água.

Foi uma hipótese estudada no âmbito do PIAAC que a admite como eventualmente a analisar no longo prazo.

A escolha destas duas obras para o PRR, é agravada pelo facto, sistematicamente reafirmado pelos responsáveis oficiais, de que a água a captar no Guadiana, custeada por dinheiros públicos, se destina ao uso agrícola privado, e será comercializada a um preço mais baixo do que a obtida por dessalinização, destinada ao consumo público, mas proveniente de uma empresa privada ou em parceria público-privada.

Manifestamos a nossa discordância quanto à inclusão destas duas medidas no PRR.

Conclusões e Proposta de Alteração ao PR

Sintetizando, estamos de acordo com as medidas que visam atingir efeito estruturante ao nível do combate às alterações climáticas e os investimentos em projetos de Transição Climática deveriam ser os mais significativos, como é a orientação da EU.

Discordamos das intervenções «Captação de Água no Guadiana» e «Dessalinização» pelas razões supra invocadas e porque não aceitamos que dinheiro públicos sejam aplicados para sustentar prioritariamente negócios privados e que negócios privados se perfilem para lucrar com o erário público, ao arrepio dos direitos humanos.

Nesse entendimento, propomos a retirada das medidas «Captação de Água no Guadiana» e «Dessalinização» da Componente C9 do PRR e a inclusão, na mesma componente C9, das seguintes medidas:

  • Conservação do solo para otimizar a retenção de água pluviais, combater a erosão e promover o sequestro de carbono;
  • Reflorestação com espécies endémicas, diversificadas e resilientes recorrendo às práticas de gestão adequadas, sobretudo na serra e nas bacias hidrográficas (como é preconizado no PREHA);
  • Execução de pequenas retenções de água, quer para abastecimento de pequenos regadios a jusante, quer para hidratação da paisagem envolvente e recarga de aquíferos subterrâneos (como é preconizado no PIAAC).

Esta participação expressa não apenas a posição da associação cívica CIVIS, mas a posição conjunta das associações, ONGAs e movimentos de cidadãos que constituem a PAS- Plataforma Água Sustentável, plataforma que a CIVIS integra, e que é constituída pelas organizações:

  • Almargem – Associação de Defesa do património Cultural e Ambiental do Algarve
  • Água é vida – Movimento
  • A Rocha Portugal – Associação
  • Civis – Associação para o Aprofundamento da Cidadania
  • Faro 1540 – Associação  de Defesa e Promoção do Património Ambiental e Cultural de Faro
  • Glocal Faro – Movimento
  • Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza
  • Regenerate – Associação de Proteção e Regeneração dos Ecossistemas