Associação empresarial AlgFuturo pediu a Carmona Rodrigues uma proposta técnica para mitigar a seca na região. Em entrevista ao barlavento, o especialista hidráulico explicou o projeto.
barlavento: Em que consiste a sua ideia?
Carmona Rodrigues: É uma proposta que passa essencialmente pela captação direta de água na margem direita do Rio Guadiana, perto do Pomarão, antes da confluência com o Rio Chança.
O Guadiana tem capacidade para tal captação?
Sim. E de várias maneiras. Desde logo, esta solução não foi pensada nos anos 1980, se calhar porque ainda não havia o sistema Alqueva/Pedrogão. Com esse sistema garante-se um caudal mínimo do Baixo Guadiana que está consagrado na Convenção sobre cooperação para a proteção e o aproveitamento sustentável das águas das bacias hidrográficas luso-espanholas, de dois metros cúbicos por segundo, o que representa, mais ou menos, 60 hectómetros cúbicos por ano. Mas isto é o mínimo. Desde 2006 até hoje, o caudal médio que tem vindo do sistema Alqueva/Pedrogão para sul, ultrapassa os 30 metros cúbicos por segundo, portanto 15 vezes mais que o mínimo. Há muita água.
Mesmo no cenário de seca e falta de chuva?
Sim. Temos o grande efeito regularizador do Alqueva que é uma bacia muito grande. Foi feito e foi pensado justamente para se traduzir aquilo que foi concordado na convenção luso-espanhola, de garantir um mínimo no Pomarão de dois metros cúbicos por segundo, valor que tem sido largamente ultrapassado.
Qual o destino da água a captar no Guadiana?
Iria abastecer a albufeira de Odeleite e a partir daí, o sistema multimunicipal do Algarve.
E qual seria o valor do investimento?
Estimamos algo entre 20 a 25 milhões de euros.
O adutor funcionaria por gravidade?
Não, teria de ter bombagem para vencer o desnível e as perdas de energia entre a captação da margem direita, em frente ao Pomarão até Odeleite. Estimamos que o preço de metro cúbico saia a cerca de 20 cêntimos. Esta solução está a ser feita pelos nossos vizinhos há quase 30 anos, justamente no lado espanhol do rio. Há muitas pessoas que não sabem isso.
A AMAL considera hoje a barragem da Foupana. O que acha dessa solução?
Não acho mal. Tanto a Foupana como esta solução que apresento não são incompatíveis, antes pelo contrário, podem ser complementares. Tanto uma como outra são possíveis reforços muito importantes das disponibilidades de água superficial no Algarve e são integráveis na mesma solução.
Como surge esta proposta?
Não é coisa nova porque de alguma forma já foi pensada anteriormente e na Convenção luso-espanhola está ainda consagrada a possibilidade de se estudar o aproveitamento do Baixo Guadiana através da construção de um açude, mas no troço internacional. Sendo uma captação em troço nacional será relativamente mais fácil. Trabalho nestas matérias há muitos anos e acho que esta é uma boa solução, fácil de implementar, de curto prazo e complementar com outras que se venham a desenvolver para o Algarve.
Já estamos a utilizar os caudais de água subterrânea. Como vê este cenário?
A região do Algarve tem alguma limitação em termos de disponibilidades de águas subterrâneas e águas superficiais. É o clima que temos, uma precipitação média à volta dos 500 milímetros e é isso que garante as afluências de águas superficiais às seis barragens do sistema do Algarve e também à recarga dos aquíferos. Portanto, aí temos uma limitação da própria mãe Natureza. Agora se queremos mais garantia temos de a ir buscar a algum outro lado, ou com reforço na região com a Foupana, ou uma dessalinizadora, ou, neste caso, uma captação direta.
A proposta em números
Carmona Rodrigues, engenheiro e especialista em hidráulica e gestão de recursos hídricos, apresentou a proposta para a Algfuturo na quarta-feira, dia 22 de janeiro, no auditório da Biblioteca Municipal de Faro.
A solução consiste numa captação de água na margem direita do Guadiana, junto ao Pomarão, no troço nacional, com uma tubagem adutora para bombear a água até à albufeira de Odeleite, o que permitirá reforçar as disponibilidades de água no Sotavento e Barlavento, através da conduta adutora existente.
O reforço poderá ser da ordem de 30 a 60 hm3/ano, segundo as contas da associação liderada por José Vitorino, «correspondente a cerca de dois terços do consumo de água faturada pela Águas do Algarve durante um ano e correspondente a um valor superior à água consumida pelos perímetros de rega com origem superficial».
Ainda segundo os números da Algfuturo, o custo da intervenção é considerado «baixo», tendo em conta «os enormes riscos perante uma eventual falta de água, podendo a execução demorar apenas cerca de 18 meses. A solução é muito vantajosa em relação a outras, porque é mais rápida e mais barata» em relação às que estão hoje a ser discutidas.