Chuva de abril foi pequena ajuda ao Sotavento algarvio

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Neste início de maio, as Barragens de Odeleite e Beliche tinham as reservas abaixo de 50 por cento. É provável que no final do próximo verão estejam esgotadas as suas reservas de água e que no Sotavento algarvio os problemas da escassez de água vão ser mesmo muito sérios.

A chuva de abril foi uma pequena ajuda de água ao Sotavento algarvio, mas em maio, e nos meses seguintes, já não é de esperar precipitação em quantidades dignas de registo. Quer isto dizer que será com a água que caiu até ao final de abril que vamos viver até ao próximo inverno. E, agora que a COVID-19 vai dando tréguas e o confinamento social vai afrouxando, começa a ser tempo de enfrentar outras realidades e assumir outras calamidades.

Como, por exemplo, a da escassez persistente de água no Algarve, especialmente acentuada no Sotavento algarvio.

É verdade que a precipitação que caiu no Algarve durante o presente mês de abril aumentou os níveis de água armazenados nas barragens da região, suavizando a severidade da seca e da escassez de água.

Mas não se pense que as barragens de Odeleite e do Beliche, no Sotavento algarvio, encheram ou, no mínimo, ficaram com níveis confortáveis de armazenamento. Nada disso. Na melhor das hipóteses a situação apenas passou de muito dramática para muito preocupante.

Acompanhámos as duas barragens fazendo três visitas: no dia 6 de abril as duas escalas marcavam 37,16 metros, valor que subiu 2,72 metros até ao dia 3 de maio, atingindo os 39,88 metros.

No meio do intervalo de tempo, no dia 18 de abril, as cotas estavam em 39,42 e 39,30 metros, respetivamente. Será com estes volumes de água que viveremos no Sotavento algarvio até que volte a chover em quantidades apreciáveis.

Para perceber melhor o real significado destes números vale a pena olhar para outros dados disponíveis, como sejam os dos armazenamentos das duas barragens. Segundo o Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH), para a Barragem de Odeleite, o volume armazenado no final de abril de 2020 (cota 39,89 metros), que corresponde a 49,07 por cento da capacidade máxima de armazenamento, é o segundo mais baixo registado desde a construção da Barragem, em 1996.

O pior final de abril foi o de 2005, quando se registou a cota de 38,14 metros, que correspondia a 43,14 por cento da capacidade máxima de armazenamento. Entre o final de abril e o final de outubro de cada ano, numa média calculada para os anos de 2001 a 2019, o decréscimo de armazenamento é de 20,60 por cento.

Se esta percentagem se aplicar à situação actual, no final de outubro de 2020 o armazenamento corresponderá a cerca de 28,48 por cento da capacidade máxima de armazenamento.

No entanto, considerando a existência de 10 por cento de volume morto, será útil apenas cerca de 18 por cento da capacidade máxima de armazenamento. Os recursos hídricos armazenados na Barragem de Odeleite estarão, consequentemente, muito próximo do seu limite mínimo de segurança.

E para a Barragem do Beliche, o volume armazenado no final de abril de 2020 (cota 39,86 metros), que corresponde a 41,25 por cento da capacidade máxima de armazenamento.

É o segundo mais baixo registado desde a construção da Barragem, em 1986. O pior final de abril também foi o de 2005, quando se registou a cota de 38,23 metros, que correspondia a 36,29 por cento da capacidade máxima de armazenamento.

Em 2016, no final de abril, a quantidade de água armazenada era igualmente reduzida, estando a aproximadamente 43 por cento da capacidade máxima de armazenamento.

Entre o final de abril e o final de outubro de cada ano, numa média calculada para os anos de 2001 a 2019, o decréscimo de armazenamento é de 20,18 por cento; para os anos de 2011 a 2019 esse valor eleva-se para 23,19 por cento.

Se este valor se aplicar à situação atual, no final de outubro de 2020 o armazenamento utilizável corresponderá a cerca de 18,06 por cento da capacidade máxima de armazenamento, considerando que o volume morto nesta barragem é muito reduzido.

Os recursos hídricos armazenados na Barragem do Beliche estarão, consequentemente, muito próximo do limite mínimo de segurança, em igualdade de circunstâncias com o que acima se concluiu para a Barragem de Odeleite.

Resumindo e concluindo, no início do próximo outono é muito provável que estejam quase totalmente esgotadas as reservas das Barragens de Odeleite e do Beliche, fundamentais para as disponibilidades de água no Sotavento algarvio.

Depois, voltar a existir água armazenada vai mesmo depender do que chover no próximo ano hidrológico, que começará em outubro de 2020.

A reforçar este cenário pessimista estará a expectativa de que 2020 poderá ser o ano mais quente desde que há registos.

A atenuar, só mesmo um eventual decréscimo de consumo de água resultante de um Verão turístico mais fraco. Mas a verdade é que os avisos são muitos e a vontade política para os ouvir é, aparentemente, quase nula.

A questão da emergência climática e da escassez estrutural de água no Algarve eclipsou-se completamente com a emergência sanitária, e corre o elevado risco de continuar eclipsada com a emergência económica que se aproxima a grande velocidade.

Em fevereiro passado, Matos Fernandes, Ministro do Ambiente e da Ação Climática, afirmou em Loulé que até março haveria um Plano de Eficiência Hídrica para o Algarve.

No Dia Mundial da água (22 de março), a Águas do Algarve afirmava já ter um Plano delineado em cima da mesa, embora nada de consistente ainda fosse revelado. Agora que estamos no início de maio é possível confirmar, uma vez mais, da urgência da conclusão e aprovação desse tal Plano e, especialmente da concretização de ações concretas.