No final de janeiro último, a Barragem da Bravura armazenava apenas 14,4 por cento da sua capacidade máxima.
É um número que coloca a descoberto a severidade da escassez de água que parte do Algarve já enfrenta.
A situação na Bravura ganhou até dimensão nacional porque o governo deliberou a interrupção do consumo da pouca água que ainda resta, para efeitos de rega, durante o mês de fevereiro, para atenuar os impactes dos graves problemas que se adivinham, caso não chova entretanto.
Mas, na verdade, o que está agora a acontecer iniciou-se no outono de 2019. Desde então, não voltou a verificar-se a habitual recarga da albufeira durante o período chuvoso e os níveis de água mantiveram-se persistentemente baixos.
A situação voltou a repetir-se no período chuvoso de 2020/21 e a albufeira manteve-se em níveis que não se observavam desde 1995.
Nesse ano, um outono e um inverno chuvosos permitiram que, em poucos meses, se tivesse atingido o nível de pleno armazenamento.
Agora, em 2022, teima em não chover e teme-se que a albufeira da Barragem da Bravura chegue ao verão vazia. É importante destacar que o que está a acontecer na Bravura pode ser ainda mais sério. As alterações climáticas e o aquecimento global parecem já manifestar-se de forma evidente.
Durante a primeira década do século XXI o valor do armazenamento médio anual era de 26,8 x 10⁶ metros cúbicos (m³) de água. Na década seguinte, esse número baixou mais de 20 por cento, para 21,2 x 10⁶ m³.
A segunda metade dessa década é ainda mais preocupante, porque o valor do armazenamento médio anual ficou-se pelos 16,3 x 10⁶ m³.
Em resumo, na retaguarda da situação atual, de cariz provavelmente episódico, começa a revelar-se um padrão de lenta e progressiva redução da água efetivamente armazenada na
albufeira da Bravura.
Os dois gráficos, ilustram os armazenamentos médios mensais na Barragem da Bravura e na Barragem de Odeleite, durante as décadas de 2001/02-2020/11 e 2011/12-2020/21 (respetivamente a verde e a azul), durante a segunda metade da década de 2011/12-2020/21 (a cor-de-laranja) e o atual ano hidrológico (a vermelho). Ilustram ainda o ano com menor armazenamento de que há registos disponíveis (a preto).
Situação em Odeleite
O que está a acontecer na Bravura não é muito diferente do que tem sido observado, por exemplo, na albufeira de Odeleite, uma barragem fundamental para os recursos de água do Sotavento algarvio.
Durante a primeira década do século XXI, o valor do armazenamento médio anual era de 101,0 x 10⁶ m³. Na década seguinte esse número baixou mais de 15 por cento, para 85,7 x 10⁶ m³, e na segunda metade dessa década o valor ficou-se pelos 79,9 x 10⁶ m³.
No final de janeiro de 2022 a Barragem de Odeleite armazenava 52,4 por cento da sua capacidade máxima, um número bastante mais tranquilizador do que o da Bravura mas, mesmo assim, abaixo do habitual para o primeiro mês de cada ano.
Conclusão
Há em todos estes números uma chamada de atenção que merece ser escutada. O volume de água armazenado por qualquer barragem depende de três fatores fundamentais: a precipitação na bacia hidrográfica, a evapotranspiração real e o consumo de água.
Destes três fatores, apenas um, o consumo, pode ser objeto de gestão. Gerir os consumos de água é uma tarefa desafiante, mas com possibilidade de proporcionar bons resultados a curto prazo. Esse é o caminho que os algarvios têm pela frente. Caso contrário, poderão ter barragens sem ter, de facto, água suficiente para lá armazenar e consumir.
Fonte dos dados: Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH).