Universitários de Londres fazem voluntariado na Horta da Areia

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Em apenas seis horas, um grupo de 70 jovens alunos do Imperial College Business School deu forma a um projeto na Horta da Areia.

Trouxeram madeira, dezenas de ferramentas e a vontade de fazer algo fora das suas zonas de conforto. Foi com relativo à-vontade que um grupo de 70 estudantes do Imperial College Business School, de Londres, jogou mãos à obra na tarde soalheira de quinta-feira, dia 25 de maio. David Fernandes, diretor técnico do Centro Comunitário da Horta da Areia, explicou ao barlavento que a azáfama «é o culminar de um processo que já dura há cerca de um ano, entre contactos e o envolvimento de empresas, de parceiros locais e de outras organizações sem fins lucrativos à volta desta construção relâmpago, chamemos-lhe assim», composta por um ringue desportivo, uma zona de lazer e um palco».

«As bases foram feitas ao longo da semana pelos nossos voluntários e moradores, desde crianças, jovens, adultos, homens e mulheres. Depois, veio este grupo de estudantes de Londres para construírem algo em prol desta comunidade, numa lógica de team building. O nosso objetivo com esta ação é continuar o nosso trabalho da luta contra o estigma, contra a discriminação e visando sempre a integração social», esclareceu.

Neste caso, «estamos aqui junto à Ria Formosa, numa zona onde há muitas pessoas a passear de manhã ou ao final do dia, e também a andarem de bicicleta, para aproveitarem esta vista magnífica, mas que têm as costas voltadas para esta comunidade. Esta estrada também acaba por funcionar como uma espécie de fronteira. A nossa ideia é tentar aproximar as pessoas e criar condições para o entrosamento através do desporto, por exemplo. Pretendemos criar aqui projetos desportivos. Por exemplo, sob a orientação de um profissional ou de um estagiário de Desporto da Universidade do Algarve (UAlg) e convidar as pessoas de Faro a juntarem-se aqui aos residentes».

Phillip Weeks, David Fernandes, Ângelo Santos e Miguel Andrade.

Quem trouxe os alunos foi a britânica Splash Community Projects, um negócio fundado em 2000, que se dedica a fazer a ponte entre empresas ou escolas a instituições (charity) de solidariedade social, segundo explicou o coordenador Phillip Weeks. «Fazemos entre 50 e 60 projetos por ano, um pouco por todo o mundo. Podem durar entre quatro horas a 14 meses. Devido ao networking que já tínhamos feito em Portugal, decidimos regressar. No ano passado, estivemos em Olhão. Por outro lado, tentamos sempre ver quais os projetos mais urgentes, onde estão as maiores necessidades, ou onde poderemos ter o maior impacto».

Na verdade, Fernandes ouviu falar no projeto Splash através de um contacto fornecido pela Associação de Crianças Carenciadas do Algarve (ACCA). «Falaram-nos acerca do Phillip Weeks que precisava da ajuda de um mediador para encontrar outras instituições que  pudessem a ser alvo de um estudo académico. Falei com ele, percebi a lógica do trabalho do Splash e encaminhei-o. Ficou esse contacto. Um dia perguntou-me se conhecia alguma entidade que precisasse de desenvolver um projeto. Respondi que tínhamos alguns na calha há muito tempo, e que o trabalho que fazem seria aqui muito bem-vindo».

E assim foi. «Esta ideia já era antiga, mas devido a questões de falta de financiamento ou de concursos que não foram lançados», nunca saiu do papel, até agora.

Com a zona de lazer, «a ideia é as pessoas poderem usufruir deste espaço, quer quem passa por aqui, quer a comunidade. O palco servirá também para fazer algumas ações culturais».

A única despesa foi a alimentação da equipa. «Trouxeram todos os materiais e toda a logística. São alunos de mestrado, pessoas de todas as nacionalidades, que pagam para participar neste programa. Foi bonito vê-los conviver com os residentes que já estão habituadas a receber e a conhecer pessoas. Não houve qualquer choque, inclusive aproveitei para mostrar o bairro, para criar consciências», acrescentou David Fernandes.

Mostraram-se admirados? «Algumas pessoas sim. Outras já estiveram noutros contextos, em África e na Índia. Mas houve quem me tivesse confidenciado que não esperava ver na Europa, em 2023, pessoas a viver desta forma». Que mais? «Isto é também uma aposta que finalmente conseguimos pôr a funcionar. Agora, se não houver riscos, também nunca veremos resultados», concluiu.

Segundo Phillip Weeks, os alunos chegaram na véspera, têm em média 22 a 23 anos e frequentam o Master Degree in International Management, alguns dos quais já tinham visitado Portugal e o Algarve. Trabalharam acompanhados por uma equipa de seis pessoas da Splash. «Podemos ver claramente que esta é uma comunidade pobre. O interessante no final do dia, depois desta experiência, é que ajudamos um pouco a melhorar a forma como interagem entre si e com os que estão ao seu redor», sublinhou.

Miguel Andrade, responsável pela coordenação das respostas sociais do Algarve da Fundação Victor Reis Morais, concorda. «Iniciativas como esta da Splash são coisas que pensamos que apenas existem noutros países. Nunca pensávamos sequer ser contemplados por uma medida destas, quanto mais vê-la decorrer. Acho que é das coisas mais gratificantes nesta área que tive oportunidade de ver. Gente que não é de cá, que não conhece, que não sabe, desloca-se, tiram tempo das suas vidas e vêm para aqui um dia inteiro, aprendem, aleijam-se até, com as máquinas novas, e fazem algo que é bom para todos. É uma iniciativa que sozinhos potencialmente não conseguiríamos fazer. É bom para o município de Faro, porque se trata de uma requalificação desta zona da cidade e é bom para os alunos que saem da sua zona de conforto, conhecem novas realidades, novos grupos. Todos ganham», afirmou.

Questionado sobre o futuro, Andrade reforça que «o nosso grande papel é fazer a ponte entre a comunidade e todos os tipos de organismos e entidades. O futuro deste Centro Comunitário será o futuro destes moradores, do que acabar por acontecer ao bairro. A nossa vontade sempre foi sermos também o elo das famílias nos processos de atribuição de casas, sabendo que, à partida, este seria um bairro de emergência. Já lá vão 30 anos. Esperamos que o provisório um dia tenha o seu término. Deslocando-se a comunidade para outra zona, haverá sempre necessidade de um acompanhamento social.  Da nossa parte estamos disponíveis para continuar essa interajuda com a comunidade».