Pedro Valadas Monteiro, diretor regional de Agricultura e Pescas do Algarve revela a sua visão de futuro para o sector, numa altura em que o perímetro de rega da Bravura está «praticamente seco».
barlavento: Qual deve ser a política agrícola para o Algarve com esta tendência de invernos secos e falta de chuvas?
Pedro Valadas Monteiro: O fenómeno das alterações climáticas veio para ficar e para se agudizar. Estamos a observar uma distribuição cada vez mais irregular da precipitação. Os volumes de precipitação média anual vão reduzindo e isso lança um conjunto de desafios à agricultura, cada vez mais dependente de água. Para já, a prioridade deve ser para as áreas regadas instaladas, as que têm culturas permanentes, como fruteiras. Temos de tentar tudo por tudo, porque são investimentos que já estão feitos, para que tenham condições de viabilidade. Isso é fundamental para o desígnio de diversificação da base económica do Algarve. Por outro lado, este problema já afeta as pastagens naturais e cereais. Alguns produtores pecuários e apicultores já são obrigados a alimentar artificialmente. Começamos a ver árvores altamente adaptadas ao clima mediterrânico, que são extremamente rústicas, nalgumas alturas do ano, a terem dificuldades. Basta ver, as amendoeiras em flor já no final de janeiro. Em norma, a floração devia ocorrer entre fevereiro e abril. Isto quer dizer que a árvore está a tentar adaptar-se a algo que é contra natura.

Não é bom sinal as amendoeiras já estarem em flor?
Nesta fase não é bom sinal. A floração deve vir na altura adequada, porque é o que dá origem à frutificação e a frutificação é que dá origem ao rendimento, tanto na amêndoa, como no miolo. Aliás, hoje conseguimos ver que uma parte dessa floração até já caiu e mesmo a que ocorreu foi com menor intensidade. Porquê? Porque a árvore antecipou, no desespero de enfrentar algo que não é normal. Também vemos isso nalgum do candeio, inflorescências, nas alfarrobeiras do Algarve Central, que é a zona que está pior do ponto de vista do índice de água no solo.
Qual é a atual situação de seca meteorológica?
Algumas zonas das bacias do Sado e Mira, no Alentejo estão em seca extrema. No que toca ao índice de água no solo, na prática, aquilo de que dependem as culturas de sequeiro e a vegetação natural, algumas porções do Algarve Central estão inferiores a 10 por cento, que é o chamado coeficiente de emurchecimento permanente. Quer isto dizer que a quantidade de água que existe no solo já não é suficiente para garantir o abastecimento hídrico dessas plantas.
Estamos a repetir o cenário de 2018?
Se fizermos um paralelismo, ainda não estamos tão mal como na grande seca de 2005, mas começamos a ombrear com a seca de 2018 e estamos na contingência de rapidamente ultrapassarmos os seus efeitos se não chover o necessário daqui até abril. Nalgumas zonas do Algarve, hoje estamos piores do que estávamos na seca de 2018/2019. Não nos podemos esquecer que o Algarve dispõe de dois grandes tipos de reservas de água: as barragens e os aquíferos que no Algarve Central e no Barlavento estão com um armazenamento inferior a 20 por cento da sua capacidade total.

Que outras prioridades aponta?
Cada vez que utilizamos a água, estamos a gerir um recurso, ou estamos a impactar um recurso que é cada vez mais escasso. Sermos mais eficientes na agricultura de regadio significa, por exemplo, utilizarmos a melhor tecnologia que existe, do ponto de vista da monitorização do solo, da precipitação, daquilo que são as necessidades de cada momento da planta, para aplicarmos só a rega absolutamente essencial. E combater as perdas nos sistemas de distribuição.
O que está em risco neste momento?
De momento, não temos indicações de haver riscos. Temos risco na Bravura, é preciso ver qual a evolução até abril. Tudo o mais, quer das pessoas que regam a partir de furos, quer dos outros aproveitamentos hidroagrícolas, ainda não recebemos comunicação de situações críticas. Agora, temos de atender que ainda estamos numa fase em que teoricamente deveria chover, não deveria ser campanha de rega ainda, só se deveria iniciar o mais cedo em março, e por outro lado as exigências da cultura também são bastante inferiores àquelas que vamos ter no verão.

Já alguma vez a Bravura secou? Que valores têm hoje as outras barragens do Algarve?
Quando se fala em precipitação, pensa-se que quando está a chover num lado, está também a chover no outro do Algarve. Não é verdade. Dentro do território, há porções que têm comportamentos diferentes. O que acontece é que a Bravura tem recebido menos precipitação. As afluências à albufeira reduziram substancialmente. Tal não aconteceu nas outras barragens, que estão com valores mais ou menos superiores a 45 por cento. A do Funcho está com valores superiores a 60 por cento. Odeleite-Beliche ronda os 48 por cento. Odelouca deve estar nos 50 por cento, o Arade também está com cerca de 50 por cento.
Que mais pode ser feito a médio prazo?
Temos de ter um planeamento e um ordenamento. Ou seja, temos de ter consciência que face à situação atual do Algarve, não é possível expandir determinado tipo de culturas mais exigentes em água. Apesar de termos tecnologia e agricultores muito bem preparados, mesmo assim, nalgumas zonas do território estamos numa situação limite, em que aquilo que consumimos ou está mesmo à bica de ser igual ao que temos disponível, ou então ameaça mesmo ultrapassar. Também não podemos esquecer os aquíferos, que necessitam de ter condições para haver a infiltração da água nos solos. Não quer dizer que nessas zonas deixemos de ter agricultura, temos é de ter espécies menos consumidoras de água, espécies mais adaptadas à seca, ao stress hídrico e também temos de ter determinadas práticas agrícolas que sejam melhoradoras do solo, aquilo que hoje em dia é muito vulgar chamar à agricultura regenerativa. Hoje, há condicionantes em sede de Plano Diretor Municipal (PDM) para determinadas práticas, como as despedregas e as ripagens muito profundas, para não afetar a capacidade de infiltração para os aquíferos. A licença da utilização de recursos hídricos também está condicionada. Não podemos criar um monstro burocrático e administrativo, mas não me incomoda que por exemplo, para áreas de maior dimensão e para culturas mais exigentes em água, se crie, por exemplo, um processo de comunicação prévia com o envolvimento das entidades com competência na gestão do território e dos recursos hídricos.
A Direção Regional de Agricultura e Pescas está a estudar esta problemática?
Sim. No Centro de Experimentação Agrária de Tavira (CEAT) temos uma candidatura submetida e em fase de análise ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) «Terra Futura» sob gestão do Ministério da Agricultura para estudar espécies e variedades mais adaptadas a condições de stress hídrico, testar equipamentos de rega de precisão e técnicas de agricultura regenerativa, cuja aplicação impacta positivamente na qualidade do solo. Por outro lado, temos de pensar que temos uma região altamente desequilibrada do ponto de vista demográfico e se não damos condições das pessoas terem algum rendimento, estas zonas vão ficar cada vez mais suscetíveis ao abandono e desertificação. Para tal é crucial apostar numa produção agroalimentar cada vez mais eficiente no uso dos recursos, que compagine conservação com rendimento. Apostar na agricultura de precisão, que utiliza a água e os nutrientes da forma mais eficaz possível. Só uma nota que é importante, isto tem de ser feito por todos.
Que mais gostaria de ver implementado?
É verdade que é preciso diversificar as fontes de água, por exemplo dessalinização e reutilização de águas residuais tratadas. Mas temos de ter consciência que a agricultura está longe do mar e das Estações de Tratamento de Águas Residuais. Alguns agricultores vão poder utilizar a água das ETAR, mas nem todos têm condições para receber uma fatura de água onde estejam os custos de transporte deste recurso. A Direção Regional propôs agora, no âmbito do Plano Regadio 2030, a construção de dois açudes móveis. Um na ribeira da Foupana, outro na ribeira de Monchique. É algo exequível do ponto de vista técnico. Estamos a falar de verbas bem inferiores à construção de barragens, e com menos impactos ambientais mas que permitem um reforço de milhões de metros cúbicos. A barragem de Odelouca está ligeiramente a montante da ribeira de Monchique. O propomos é instalar lá um açude móvel, insuflável, que permita fazer uma retenção temporária de água, deixando passar o caudal ecológico, e que permita também a regularização de cheias. Será um reforço adicional para adução à barragem de Odelouca. A mesma coisa na Foupana. Sabemos que quando chove, estas ribeiras enchem e secam rapidamente. O que queremos é reter temporariamente esses escoamentos, que podem ser muito significativos, para depois serem bombeados.

Que mensagem final quer deixar?
A gestão da água é e será cada vez mais uma questão central e crítica, obrigando a agricultura e todos os outros utilizadores a serem cada vez mais eficientes face a um cenário previsível de crescente escassez e irregularidade na precipitação. Será que o tipo de áreas jardinadas que temos no Algarve, tanto públicas como particulares em moradias, são as mais indicadas para uma região com as características climatéricas como a nossa? Será que determinadas práticas que temos em meio urbano, no qual utilizamos a água, são as mais indicadas? Será que numa região que tem uma população flutuante, os turistas estão sensibilizados para a necessidade de, tal como os agricultores, cada vez que abrem uma torneira, sabem que a água que estão a utilizar é altamente escassa e só deve ser gasta naquilo que é estritamente necessário?
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Sotavento prepara sistema de gestão de ponta
Cuidado com os aquíferos Segundo Pedro Valadas Monteiro, a Associação de Beneficiários do Plano de Rega do Sotavento do Algarve está a colocar em prática uma plataforma digital de gestão e monitorização de consumos de água naquele que perímetro que serve mais de 6000 hectares, abastecido pelo complexo Odeleite-Beliche.
«A monitorização inteligente é algo que temos de adotar na agricultura moderna» considera o diretor. A ideia é informar, em tempo real, «como deveria ser a rega ideal, a boa prática no momento. Posteriormente, a meu ver poder-se-á inclusive evoluir para um sistema de faturação escalonada. Ou seja, os regantes que não acatarem a recomendação de rega e aplicarem mais água do que o necessário, serem sujeitos a uma tarifação mais elevada na parte dessa utilização em excesso. Na prática, é uma forma para dissuadir os consumos excessivos. Na minha ótica, esse sistema pode ser estendido a outros perímetros quando tiverem em condições para tal». Na outra ponta da região, os regantes de Silves, Lagoa e Portimão fizeram um investimento avultado numa nova rede. Segundo o diretor regional, as obras estarão finalizadas em 2023, «com a conclusão da pressurização do último dos três blocos de rega. Quando a ligação ao adutor [do Funcho] for efetivada, haverá um ganho substancial de eficiência ao nível da distribuição de água e do consumo energético». No Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve (PREHA) «há 17 milhões de euros diretos para o sector agrícola. Dentro dessa verba, há mais de três milhões para investimentos na modernização de sistemas de rega em pomares já instalados. Na zona de Silves temos pomares com 15 a 20 anos. A tecnologia que usam é a que existia então no mercado, mas hoje em dia há sistemas mais eficientes».
Cuidado com os aquíferos
Segundo Pedro Valadas Monteiro, «atualmente temos 75 por cento de utilização de água da agricultura feita a partir de recursos subterrâneos. Os aquíferos devem ser um recurso estratégico para o Algarve, para fazer face a situações de seca extrema. Não podem continuar a ser explorados com esta intensidade porque além de estarmos a abrir mão dessa reserva para situações de emergência, temos também um outro problema que é intrusão salina» sobretudo em áreas costeiras. Com as obras previstas para reduzir as perdas e aumentar a eficiência dos perímetros de rega, o diretor acredita que será possível até aumentar as áreas de regadio coletivo baseadas em águas superficiais, que são mais eficientes. «É possível fazer uma reconversão de áreas já existentes de regadio privado servido por furos para regadio público, com a vantagem de atacar o problema ambiental da pressão que existe sobre os recursos hídricos subterrâneos». No Algarve, o custo rondará os 35 milhões de euros.
Fotos (Bravura): Debby Burton.