Registo rock para A Voz Humana estreia em Loulé

  • Print Icon

Num registo inédito no historial do Teatro do Elétrico, entre um certo punk rock negro e visceral na emoção e simples na execução, A Voz Humana, de Jean Cocteau vai ter estreia nacional em Loulé na sexta-feira, 21 de maio.

Um coração partido recusa deixar cair o amor em obsessivos monólogos ao telefone. Por vezes a linha cai. Restabelecer a ligação é um ato frenético. Tenta-se salvar por todas as palavras o que já não tem salvação. Um telefonema e depois outro. Um pode ser o último. Ou não.

Patrícia Andrade, ex-vocalista da banda lisboeta de heavy metal Sinistro, que também é a protagonista, e do ator David Pereira Bastos, são os responsáveis por esta nova versão do clássico francês.

«A primeira vez que tive contacto com este texto, teve muito impacto em mim. Teve uma ressonancia interior muito forte, quando ainda estava na faixa dos 20 anos. Pensei que um dia teria de fazer algo com ele, mas não sabia bem como nem quando. Penso que agora é a altura certa porque tem a ver com as experiências de vida e com a maturidade», explicou aos jornalistas Patrícia Andrade, durante o ensaio aberto à imprensa, na Sede do Rancho Folclórico Infantil e Juvenil de Loulé, transformado, por estes dias, em black box.

«Há uma diferença de temperatura entre o teatro, que é mais formal, e este tipo de música que é mais livre e que é onde me sinto mais à vontade. Pensei no conceito, onde o texto ou a música se sobrepõem», resumiu.

A verdade é que numa cenografia despida de adereços, onde há apenas uma guitarra distorcida que por vezes vocaliza as catárses da protagonista, entre raiva e melancolia, dois amplificadores, uma cadeira, um microfone, ilustrados por apontamentos de vídeo de Bruno Simão.

À medida que texto e música se afunilam entre si, Patrícia Andrade mostra-se fortíssima e à vontade nas várias referências plásticas e musicais dos anos 1980 e 90.

David Pereira Bastos, contudo, diz que este é «um espetáculo para todas a gerações, porque o texto fala de uma questão que a partir da adolescência, qualquer pessoa se pode identificar com a noção de abandono amoroso, do final de uma relação, sobretudo quando se está na posição da pessoa que é abandonada, que é disso que fala o texto do Jean Cocteau».

«Claro que depois, em termos estéticos há uma série de fontes de inspiração que se pretende que comuniquem em simbiose com o texto, com a música, com a cena e com o corpo» da atriz, «para criar uma comunicação com o público de todo a diversidade».

A Sede do Rancho Folclórico Infantil e Juvenil de Loulé também cumpre um pressuposto. «Este local alternativo prende-se com a proposta original de apresentar este espetáculo em espaços não convencionais, e que se possa adaptar a qualquer local. Como se estivéssemos numa banda que tanto pode tocar num auditório gigante para 3000 pessoas ou num clube para 20 ou 50», simplificou Patrícia Andrade.

«Tentámos ir ao encontro de um objeto híbrido entre o concerto rock e uma peça de teatro, pede emprestado alguns aspetos em ambos», reforçou o cocriador.

«Estou contente com o resultado no que toca ao cruzamento de linguagens, e penso que este espetáculo até pode funcionar numa sala de teatro, onde o público está sentado quieto, como num festival de música onde está toda a gente a falar e a beber cerveja», comparou.

A ideia teve origem em 2019 e era suposto estrear em maio do ano passado, o que não aconteceu devido à pandemia. Os ensaios só começaram em março último, numa residência artística no Teatro do Mar, em Sines.

E o final é infeliz? «Não quer dizer que seja. No fundo, isto é uma passagem, um luto para depois renascer, como a fénix. Muitas vezes em casos de desgostos de amor é importante passar pelo luto para atingir uma felicidade individual e no fundo é essa a nossa ideia. Qualquer ser humano quando ama, se há uma separação, tem de passar por isto. Depois da cura, será tudo melhor», respondeu a atriz.

David Pereira Bastos corroborou. «Falamos muito sobre a ideia de superação durante todo o processo de criação. O texto de A voz Humana é um telefonema que se percebe que será o último entre uma mulher e o seu ex-amante e em que se percebe que ela não está a lidar nada bem com isso porque, ainda para mais, ele vai casar dias depois. Terá sido uma separação brusca e de facto, o que se percebe, do principio ao fim, é que esta mulher está longe de superar» e o que poderá resultar na autodestruição. «Essa talvez seja a razão pela qual o ex-amante telefona», explicou.

«Mas a nossa intenção foi não atirar o espetáculo para um tom de autocomiseração, de miserabilismo e de autovitimização mas, tendo em conta, o que o texto é, uma coisa forte e triste, tentar não ir por essa via e tentar aproveitar todo o material, que dê expressão a uma voz que se quer artística», concluiu.

A Voz Humana vai estar em cena dias 21 (estreia), 22 e 23 de maiso, às 19 horas na Sede do Rancho Folclórico Infantil e Juvenil de Loulé (Rua Nossa Senhora de Fátima, nº201).

Os bilhetes podem ser reservado por telefone (289 414 604), email (cinereservas@cm-loule.pt) ou na plataforma BOL.

Depois viaja para o Funchal, em julho, e para Sines, no final de setembro.