Criar circuitos curtos, numa ligação direta do pequeno produtor ao consumidor, sem esquecer a ação social é o plano da Direção Regional de Agricultura e Pescas (DRAP) do Algarve.
Um pouco por toda a região, estão em curso vários projetos de apoio aos pequenos produtores agrícolas. Mas não interagem entre si, uma realidade que Pedro Valadas Monteiro, diretor da DRAP do Algarve, quer mudar.
«Este projeto de rede, do meu ponto de vista, é fundamental para podermos dar sustentabilidade à pequena produção local e também para podermos incentivar outros, nomeadamente jovens empreendedores, a dedicarem-se à produção do agroalimentar», explica ao barlavento.
Pedro Valadas Monteiro reuniu com as associações inLoco, Vicentina e Terras do Baixo Guadiana que viram com bons olhos o projeto.
Também a AMAL – Comunidade Intermunicipal do Algarve está envolvida na criação da futura rede.
«Está tudo em marcha. Reunimos um comité de pilotagem. O que se pretende para já é inventariar onde estão estes produtores, que quantidade produzem e que tipo de produções agroalimentares têm. Vamos perceber se se justifica criar, por exemplo, centros para concentração e preparação, embalamento e controlo das condições higienosanitárias», estruturas de retaguarda que antecedem a venda ao consumidor.
«Isso pode fazer sentido porque queremos criar um escoamento que seja estável de produtos frescos e com menos pegada ecológica, numa vertente da coesão social, territorial e ambiental».
Na perspetiva de Pedro Valadas Monteiro, a Rede de Produtores Locais do Algarve terá três targets: os municípios da região, o consumidor individual e o turismo.
No que toca ao primeiro destinatário «o objetivo é permitir que aquela alimentação coletiva, por exemplo, as cantinas sociais, as escolas ou os centros de dia, com responsabilidade muitas vezes das autarquias, possam preferencialmente abastecer-se nesta rede de pequenos produtores. É importante que as alterações que estão a ser feitas à legislação, que rege a contratação pública, possam permitir este tipo de compras».
Segundo Artur Gregório, presidente da inLoco, «o Estado, neste momento, já é um grande patrocinador de alimentação. As instituições particulares de solidariedade social, as escolas, as universidades, as empresas públicas, são sectores sociais em que a alimentação é suportada pelo Estado, mas que hoje está a ser fornecida por grandes distribuidores, grandes empresas nacionais e empresas de grande dimensão, não dando prioridade nem preferência aos produtores locais. Só com esta vertente já íamos conseguir viabilizar os pequenos produtores e agricultores».
Ouvida pelo barlavento, Aura Fraga, presidente da Vicentina concorda. «Na realidade, o que acontece é que há muitos produtores que não conhecemos, que não conseguem vender a sua produção de forma a que seja mais rentabilizada. É preciso concentrar também a oferta. É preciso que os produtores tenham um sítio onde possam vender e que desse sítio possa ser escoado já com outra dimensão para os consumidores. Por exemplo, para fornecer as cantinas ou a alimentação social», diz.
«É preciso organização, pois nenhum produtor, por si, é capaz de fornecer tudo o que uma instituição necessita. Há muito trabalho por fazer, sobretudo de organização, de estruturação e de capacitação. Ao longo do tempo, a agricultura foi sendo desvalorizada e os pequenos produtores locais foram desaparecendo. Foi-se desvalorizando essa produção local porque se encontraram outras formas de consumo, através dos supermercados e hipermercados, e percebeu-se que isso cria enormes desequilíbrios e que tem uma pegada ecológica muito significativa. Estamos, portanto, a querer dar um passo atrás e a voltar a comer aquilo que se produz, de preferência, localmente», refere Aura Fraga.
Pedro Valadas Monteiro acrescenta ainda que «hoje em dia temos plataformas onde só divulgamos. Dizemos que há o produtor A, B ou C em Alcoutim ou em Aljezur, que eventualmente tem este tipo de produtos, mas precisamos de criar um circuito de comercialização. Se alguns produtores até têm condições, porque já vendem nos mercados e têm carrinhas, outros não o têm».
Por outro lado, «há produtores que só vendem dois ou três produtos e muitas vezes a procura do consumidor é mais diversificada, quer mais coisas, quer um cabaz, quer também juntar uns enchidos, quer juntar um vinho e pode ser um consumidor localizado em Aljezur, que queira comprar um produto típico de Alcoutim. Para isso é necessário criar esta rede que por um lado também deverá ter sempre as tais condições para garantir a segurança alimentar a quem consome, que é um produto de qualidade, e por outro lado também garantir a própria distribuição, através de carrinhas, uma parte logística».
«Bazuca» alavanca pequeno calibre
Questionado sobre o financiamento necessário para materializar a rede, Pedro Valadas Monteiro aponta a «bazuca» europeia.
«Para já, estes vários intervenientes, todos têm projetos em curso na ótica da pequena produção local. O que queremos é ver se dentro desses projetos já aprovados, com financiamento garantido, quais as linhas que estamos a definir que poderão eventualmente ser financiáveis através desses mesmos instrumentos. Depois, tentar nas várias fontes, quer as já existentes, como o CRESC Algarve 2020, ou o PDR, quer também naquilo que se perspetiva futuramente, como o NextGenerationEU, as tais verbas da «bazuca», quer também em termos do futuro quadro de programação dos fundos comunitários, fundos estruturais».
«A nossa meta é, ao longo de três anos, que pensamos que é um prazo exequível porque há aqui um grande envolvimento de inventariação, de dinamização e de animação» tornar a rede numa realidade.
«O NextGenerationEU, na prática, é o programa que alavanca a tal «bazuca», e tem nos seus objetivos a questão da pequena produção local, os circuitos curtos, a sustentabilidade alimentar e é isso que se procura», finaliza.
Pandemia é oportunidade de mudar para melhor
Hoje, poucos terão dúvidas que o confinamento forçado mudou comportamentos. Não apenas de quem vende, mas sobretudo de quem consome, através das lojas digitais.
Mesmo no que toca à pequena produção agroalimentar, como confirma Aura Fraga, presidente da Vicentina: «a procura tem sido maior porque as pessoas estão confinadas, têm a sua mobilidade condicionada e sentem-se com alguns receios. Não sei até que ponto isso não será algo estruturante. Passando a pandemia, não sei se as pessoas não voltam aos seus hábitos anteriores, porque a oferta dos produtos locais não está muito organizada. Houve muitos produtores que sentiram também a obrigação de se organizarem de outra maneira porque deixaram de conseguir vender nos locais onde vendiam. No fundo, há trabalho a fazer. Ou seja, a pandemia veio chamar a atenção de que existe um mercado local que se calhar não está a ser muito bem organizado».
«Há um potencial que importa estruturar e manter no fim disto, quando voltarmos à vida normal. Acho que se mada for feito nada, se calhar, volta tudo aos padrões anteriores. No fundo, temos de aproveitar o contexto atual para estruturar coisas que são importantes em termos de política, dos hábitos alimentares, da oferta e da procura. Esta rede é isso que pretende», sintetiza.
Por sua vez, Artur Gregório, presidente da inLoco concorda. «O objetivo é criar uma espécie de plataforma em que várias entidades partilham o que estão a fazer e cooperem para criar uma alimentação mais equilibrada e mais sustentável».
Neste momento, «a pequena produção, a produção local, a agricultura familiar que esteve em crise durante muito tempo e quase que desapareceu e que foi esmagada pela produção industrial intensiva, está a ter uma procura muito grande. As pessoas estão mais preocupadas com a sua alimentação, estão mais preocupadas com o consumo de proximidade e com as questões do impacto ambiental».
Ou seja, há «um conjunto de fatores que levam os consumidores mais educados e mais informados a preferir, cada vez mais, o consumo de proximidade. Isso está a estimular os pequenos produtores e produtoras para aumentarem a sua oferta, os seus canais de distribuição, começarem a usar plataformas, começarem a usar distribuição direta aos consumidores, começarem a trabalhar em conjunto para fornecerem alimentos de boa qualidade, alimentos locais, sazonais, autóctones e que sigam a lógica da Dieta Mediterrânica».
«Isto está-se a conjugar numa espécie de tempestade perfeita, mas positiva. Com esta procura de produtos de melhor qualidade alimentar e com a alimentação social, vamos conseguir viabilizar a pequena produção. Não é preciso mais nada para que a pequena produção em Portugal seja suportada e sustentada e que grande parte do nosso território volte a ser vivo, participado, produtivo e sustentável, apenas baseado neste consumo de proximidade e no consumo social», conclui Artur Gregório.
Associações de Desenvolvimento Local apoiam o projeto
Vicentina
Aura Fraga, presidente
«A Vicentina é a entidade gestora da medida do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR), onde abre avisos e faz a gestão da aplicação para pequenos investimentos nas explorações agrícolas, para circuitos curtos, para mercados locais. Temos algum trabalho de proximidade com os produtores no âmbito da dinamização dessas medidas e apoios ao investimento. Além disso, a Vicentina também está a executar um projeto no âmbito do plano de ação para o desenvolvimento de recursos endógenos e de criação de uma rede regional de merca – dos locais, de âmbito transversal, com o apoio da AMAL e dos municípios, para a melhoria da produção local e dos circuitos curtos de comercialização. A DRAP entendeu que podíamos ser um dos parceiros, para em conjunto, juntarmos esforços. Acho que a futura rede de produtores locais do Algarve tem uma grande mais-valia que é a de organizar várias iniciativas e articulá-las entre si para objetivos que são comuns e que são importantes de implementar na região. Já haviam algumas iniciativas, mas mais pontuais, circunscritas no território e assim vai ser possível dar outra dimensão a tudo o que está a ser feito pelas diversas entidades. Às vezes é preciso adquirir uma determinada maturidade para que se desencadeiem novos processos. Entretanto há orientações da política europeia e nacional para a implementação dos circuitos curtos, para a sustentabilidade, para a autonomia alimentar das populações. Tudo isso se conjuga de forma a que esta iniciativa, de facto, surja no momento certo».
inLoco
Artur Gregório, presidente
«A DRAP convidou-nos para fazermos parte desta parceria e como suporte deste projeto porque a valorização da produção local é algo que está na fundação e na base da inLoco, enquanto associação de desenvolvimento local. A valorização da produção local sempre foi uma das nossas estratégias fundamentais de intervenção e nas suas múltiplas frentes: no apoio à produção, no apoio à organização dos produtores, no apoio à distribuição, no apoio à comercialização, no apoio aos consumidores e no apoio ao consumo social. Nas múltiplas frentes de trabalho, temos iniciativas e atividades que convergem para esta estratégia. Por exemplo, o projeto de Desenvolvimento Local de Base Comunitária (DLBC) é uma abordagem líder que apoia produtores, os circuitos curtos, a pequena produção, os pequenos comerciantes. Temos diversos instrumentos de apoios financeiros e económicos mesmo para os pequenos produto produtores, que têm um papel importante nas zonas rurais e interiores. Temos projetos de trabalho em rede, de estimulação de circuitos curtos. Temos uma app, a Cá se Fazem e uma base de dados de produtores locais, mercados e cabazes, na plataforma Prato Certo. Temos também uma parceria muito boa com a Câmara Municipal de Loulé, onde estamos a ajudar neste trabalho de criar um sistema alimentar local. Temos ainda um projeto muito interessante, que está a começar este ano, com um patrocínio estrangeiro, não comunitário, o Local Food for Local People, que trabalha a capacitação dos intervenientes num sistema alimentar local, para que estejam preparados para o utilizar quando e onde for criado. Na futura rede de produtores locais do Algarve, o facto de podermos articular os nossos projetos com os da DRAP e com os de outras associações e entidades, dá-nos uma escala muito maior, entre zonas. Podemos criar hipóteses para que toda a alimentação dos nossos filhos, dos nossos idosos e dos nossos universitários seja fornecida por alimentos que são locais, da época, saudáveis, eco nómicos e saborosos».
Terras do Baixo Guadiana
Ricardo Bernardino, diretor executivo e coordenador
«Ficámos bastante entusiasmados com o convite. É a continuação do trabalho que fazemos. Enquanto entidade gestora do Programa LIDER – Liderança para Desenvolvimento Regional, apoiamos muito os produtos locais. A ideia de criar esta rede é contribuirmos com o conhecimento que temos do território e dos produtores locais. Acho o projeto interessantíssimo porque vai desde o apoio à produção, à distribuição e à comercialização. Há ainda um terceiro vetor que é o incentivo ao consumo e a valorização dos produtos locais, desde a estratégia de marketing à promoção. As associações, e mesmo muitas entidades públicas, fazem projetos de promoção e divulgam-nos. O que vamos tentar fazer é integrar tudo, os projetos que cada um fez, para os parceiros se complementarem uns aos outros. Se conseguir-mos pôr em prática o que está no papel acho que é um projeto muito interessante para a região e diria mesmo inovador porque não conheço nenhum, a nível nacional, com esta estrutura, desde a promoção até à comercialização. Estamos com muita esperança. O problema nem é na produção, porque há produção em quantidade e depois não há comercialização. Os apicultores, por exemplo, produzem toneladas de mel e depois vendem a granel para países estrangeiros. Se essa quantidade fosse bem vendida e bem preparada a nível de marketing e embalamento, seria uma mais-valia. Há muito a fazer e estamos muito entusiasmados».