Aleluia Martins, decano dos jornalistas algarvios olha para o presente e faz uma retrospetiva da sua carreira.
«Penso que Portugal cresceu, os portugueses cresceram e pensaram que eram maiores do que aquilo que são. Agora, aconteceu um colapso. De vez em quando, há um colapso e este parece ser renovador. Uma doença que veio alterar consideravelmente, não só no aspeto meramente logístico, ou espacial, mas na parte económica e cultural, que vai ter influências consideráveis no futuro. Penso que esta pandemia, depois de consolidada ou neutralizada dos efeitos que possa trazer, vai mudar de forma considerável o futuro de Portugal e dos portugueses. As pessoas terão de ser mais modestas, mais objetivas, e terão de tentar construir, utilizando algo importante, a harmonia e a paz. Em qualquer atividade, mesmo no desporto, há exageros, coisas sem lógica nenhuma. Penso que as pessoas têm de ser mais cordatas, mais equilibradas e mais educadas. Portanto, o futuro vai ser diferente, até para a comunicação social, que vai deixar de ser tão agressiva, para ser mais construtiva».
Assim fala o decano dos jornalistas algarvios, Arménio Aleluia Martins, a pouco mais de um mês de comemorar o seu 80º aniversário e a escrever para jornais desde os 13 anos de idade.
Natural de Paderne, onde reside e tem sido impulsionador de várias atividades, ao longo da sua vida, Arménio Aleluia é um homem simples, afável, culto e bem-humorado, sempre disposto a ajudar quem necessita. Foi desportista, praticou várias modalidades, sendo campeão do Algarve de ténis de mesa por diversas vezes, e ainda pratica golfe, tendo vários prémios em casa, que diz ter ganhado, quando os outros se distraíam.
Foi dirigente da Sociedade Musical e Recreio de Paderne e músico na sua banda filarmónica, que é a mais antiga do país (1859). Esteve ligado a três conjuntos musicais.
Foi, durante vários anos, presidente da Associação da Imprensa Regional Algarvia. Teve uma breve ligação à política, que ele considera um acidente de percurso, embora tenha sido vereador na Câmara de Albufeira. Mas o jornalismo foi, na verdade, a sua grande paixão. Desde quando?
«De começar como pseudojornalista, lembro-me. Tinha 10 anos e foi uma coisa inesperada. Deve-se a um senhor chamado Manuel Henrique Passos, que mais tarde foi presidente da Casa do Algarve, pessoa dinâmica que esteve aqui uma década, a chefiar a Casa do Povo de Paderne. Estava ligado à igreja, à pré-JAC (Juventude Agrária Católica), que tinha equipamentos para os miúdos, e convidou-me para ser correspondente do jornal que eles publicavam, o Grão de Bico. Esse jornal pequenino, mas de nível nacional, foi o embrião», recorda.
No ano seguinte, Aleluia Martins foi estudar para Albufeira e criou um jornal na escola. Depois, transitou para Faro, tornou-se escuteiro e criou um jornal. Eram jornais de parede. Mas, aos 13 anos, «o meu pai, que recebia um jornal editado em Vila Real de Santo António, chamado Notícias do Algarve, um dia disse-me que, se estava com tanto entusiasmo, devia escrever para esse jornal, com as notícias de Paderne. E assim aconteceu».
Quando tinha 16 anos, foi contactado por Mário Lyster Franco, diretor do jornal Correio do Sul, de Faro, que também era o correspondente no Algarve do Diário de Notícias, a convidá-lo para ser correspondente local.
«Disse-lhe que ficava muito satisfeito, mas acrescentei que só tinha 16 anos. Ficou muito admirado, porque já lia as minhas notícias há vários anos, noutros jornais. Perguntou se o meu pai sabia escrever, disse-lhe que sim. Pediu para falar com ele, chamei-o, conversaram e, como aquilo lá não vinha quem assinava por baixo, comecei a escrever para o Diário de Notícias com essa idade. Depois, fui correspondente de vários jornais, até do Record e de O Jogo, quando este começou. Cheguei a ser o seu delegado no Algarve».
Mas Arménio Aleluia disse-nos que só se assumiu como verdadeiro jornalista, quando tomou as rédeas de A Avezinha, onde permaneceu durante mais de 40 anos. «Só tive carteira profissional de jornalista, a partir dessa altura. Antes, só tinha cartões de identidade dos órgãos de comunicação social com que colaborava».
A Edigarbe, a empresa que criou para editar A Avezinha, chegou a ter nove jornais, entre os quais Diário do Algarve, Hora de Albufeira, Hora de Lagoa, Hora de Silves, o jornal desportivo Zona Sul, o jornal cultural Leia e a revista Promontório. Também foi sócia do nosso barlavento.
«Três ou quatro tiveram uma vida normal. As outras foram fogachos que lançámos. Foram umas frustrantes e outras concretizadas», disse-nos, a rir, o homem que também foi pioneiro das rádios locais, no Algarve (ver caixa) e trabalhou na Emissora Nacional, em Faro, com o Casimiro de Brito e, depois, com Marcelino Viegas. Fazia relatos de futebol por todo o Algarve. Quando apareceu a ideia das rádios locais, foi um dos primeiros a dar-lhe seguimento.
Hoje, Arménio Aleluia Martins está reformado, mas encontra-se a escrever o seu décimo livro, uma cronologia histórica de Paderne, desde a sua fundação aos dias de hoje. «É uma coisa que dá gosto fazer, mas é um trabalho árduo, escrever tudo o que aconteceu em oitocentos anos». Mas já tem convite para escrever mais dois.
Graças à música, tornou-se escritor, embora ele diga ser escrevinhador, ou investigador cultural. Começou a apresentar os festivais de acordeão no Algarve, incluindo o primeiro campeonato do mundo na região. Mais tarde, por sugestão do diretor do Museu do Acordeão, situado em Paderne por influência do nosso entrevistado e único em Portugal, escreveu o seu primeiro livro, «Os anos de ouro do acordeão no Algarve». Os outros vieram por tabela e já são nove.
Também mantém a funcionar o museu e biblioteca do jornal, aberto todos os dias, onde há 10 mil livros e todo o material que foi usado, ao longo dos anos, para fazer o jornal. É uma daquelas pessoas que se mantêm jovens e dinâmicas ao longo da vida. E que nos fazem sentir bem, a seu lado. Bem hajas, Arménio, «o moço traquina que conseguiu, até hoje, não sossegar».
A Avezinha
A Avezinha é um dos jornais mais antigos do Algarve, fundado em 1921 por quatro poetisas padernenses e com todas as cópias manuscritas, no início. Estava desativado, desde 1960, mas Arménio Aleluia Martins tinha o sonho de o revitalizar. «Falei várias vezes com o major Capela, o responsável pela Comunicação Social no Algarve, mas ele mais não fazia do que encolher os ombros. Dizia que o proprietário já tinha morrido e não dava saída. Isto durou alguns anos, até que saiu uma lei a dizer que, a partir de 1974, todas as publicações que não eram impressas há mais de um ano podiam ser revitalizadas. Aí, tive a esperança de que podia ativar o jornal. Falei com a Junta de Freguesia, fiz a inscrição, coloquei como proprietária e diretora a única sobrevivente das fundadoras, Maria da Conceição Elói, nome literário Madressilva, que ficou como diretora durante um ano, até ao seu falecimento».
O jornal saiu pela primeira vez em maio de 1977 sob a direção de Arménio Aleluia, sediado na Junta de Freguesia, durante um ano e pouco. Depois, já com alguns colaboradores, foi criada uma empresa, a Edigarbe, que assumiu a liderança. Alugaram uma casa a seu pai e o jornal passou imediatamente de mensário a quinzenário. Passado um ano, tornou-se semanário, sendo Paderne, uma aldeia com uma centena de habitantes, a única em Portugal a ter um jornal semanário.
«O tecido empresarial de Paderne era fraco. Mas nós ganhámos um pouco de Albufeira e algumas localidades circunvizinhas. Mas aquilo era mais carolice do que necessidade de ganhar dinheiro, porque um jornalista é um pobre com aspeto de ser rico», brinca.
As rádios
«A rádio era uma das minhas grandes paixões. Eu tive uma rádio na década de 1970, a Rádio Paderne. Erámos eu, a minha irmã e o meu irmão. Estava instalada no edifício da estação dos correios, da qual a minha mãe era chefe. Era terrível, porque era impossível haver rádios autorizadas. As rádios funcionavam em onda média e exigiam antenas com cerca de 20 a 30 metros de altura. O meu irmão, que é mais novo do que eu, na altura tinha 16 anos, mas que também andava metido nestas coisas, teve a ideia de injetar aquilo na rede telefónica, tornando-a uma antena magnífica. Assim, onde havia telefones, havia acesso à rádio», recorda Arménio Aleluia Martins.
«Na inauguração do Hotel Sol e Mar, em Albufeira, em 1964, o fiscal veio dar comigo e disse-me que tinha sido detetada uma emissão clandestina, que dava oito anos de cadeia e multa de 200 a 2000 mil contos. Disse-me que não conseguia detetar, mas sabia que era eu. Vim para casa, contei ao meu irmão e o moço, a chorar, desligou aquilo tudo e acabou-se a rádio».
Parece que os guardas da GNR todos os dias pediam discos, da porta do posto para a janela da rádio, que ficava em frente. Quando as emissões terminaram, o comandante do posto, um cabo, sentiu a falta e quis saber porquê. Arménio explicou-lhe o que se passava e contou-nos que «eu nunca tinha visto um tipo que era autoridade e que devia ter denunciado, no meio da rua, de braços no ar, chamando nomes aos governantes, porque só se metiam com coisas que não faziam mal a ninguém». Quando foram autorizadas as rádios locais, os dois irmãos estiveram envolvidos no arranque das Rádios Barrocal e Albufeira.