Gouveia e Melo, chefe de Estado-Maior da Armada defende que a guerra na Ucrânia vai criar uma «nova era» geoestratégica e que Portugal tem um «papel forte» na defesa da «autoestrada» que assegura o suporte logístico à Europa.
«Como houve uma era antes da queda do muro de Berlim e após a queda do muro de Berlim, agora vai haver uma era antes do conflito da Ucrânia e depois do conflito da Ucrânia», afirmou Henrique Gouveia e Melo aos jornalistas, a bordo do NRP Hidra que participou na operação de devolução ao mar de uma tartaruga marinha reabilitada pelo Porto d’Abrigo do Zoomarine, ontem, quinta-feira, 19 de maio.
O almirante considerou que «havia uma tendência para uma globalização em que o liberalismo e a economia uniam e evitavam conflitos», mas agora está a voltar-se «à real politik e à geoestratégia antiga» e esses valores «não são suficientes para garantir que não voltasse a haver um conflito num espaço tão importante como o Europeu para a economia global».
Questionado sobre o papel de Portugal nesta nova «era» geopolítica, Henrique Gouveia e Melo respondeu que o país «é decisivo num aspeto que muitas vezes é passado de forma subliminar, sem as pessoas se aperceberem», que é a logística.
Imaginem o que é que está a acontecer à Rússia e qual é a grande dificuldade da Rússia no conflito. É uma dificuldade logística. É uma grande potência e está a enfrentar no conflito uma dificuldade logística fortíssima. E é essa dificuldade logística que, graças a Deus, para nós, que estamos do outro lado, nos tem favorecido», afirmou.
Para o chefe de Estado-maior da Armada, os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO, na sigla inglesa), «que estão à volta do oceano Atlântico Norte», têm também «problemas logísticos» e usam «uma grande autoestrada, que é o oceano Atlântico Norte, para evitar problemas logísticos de suporte à própria Europa».
«Se nós não tomarmos conta dessa autoestrada, qualquer ação na Europa fica imediatamente condicionada. Qual é o papel de Portugal, é que estamos a tomar conta precisamente dessa autoestrada e temos uma rotunda na autoestrada, que se chama arquipélago dos Açores«, acrescentou.
Portugal tem, por isso, uma «importância geoestratégica» que «foi reforçada com este conflito» e que advém da sua «posição marítima», que o diferencia dos restantes países da Aliança Atlântica, argumentou.
Sobre se o investimento militar português é suficiente para essa tarefa, Henrique Gouveia e Melo respondeu que isso são «assuntos de política» e «competência do poder legitimamente eleito pelo povo português».
«A política define objetivos, metas temporais e recursos, nós militares, com os recursos definidos, com as metas definidas e os recursos que nos foram dados, tentamos planear e cumprir o objetivo político que se determinou», justificou.
O chefe de Estado-maior da Armada considerou, no entanto, que os militares têm «sempre meios para defender a rotunda». «Podemos ter mais meios ou menos meios, a rotunda não é só defendida por Portugal, mas Portugal tem um papel forte nessa defesa e os meios são aqueles que o país consegue proporcionar à dimensão do país e esse esforço também tem de ser feito à dimensão do país», sublinhou.
«Se o fizermos bem [a defesa], temos mais liberdade geoestratégica dentro deste mundo internacional e globalizado, se o fizermos mal reduzimos a nossa liberdade geoestratégica», concluiu.