Projeto MARSW abre novo conhecimento à conservação da biodiversidade marinha e tomada de decisão no presente e futuro do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV).
Apesar de ter decorrido entre 2017 e 2021, para desenvolver um sistema de informação e monitorização da biodiversidade marinha do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV), as conclusões do projeto MARSW começam agora a chegar ao público.
Esse foi o objetivo da apresentação que teve lugar na tarde de quarta-feira, dia 12 de abril, na sede do Parque Natural da Ria Formosa, em Olhão.
Este sistema permitirá conhecer a distribuição das espécies e dos habitats existentes nesta área marinha, bem como criar ferramentas para avaliar o seu estado de conservação ao longo do tempo.
Segundo explicou João Castro, investigador do MARE | Centro de Ciências do Mar e do Ambiente da Universidade de Évora, «não é um mero trabalho científico. É um trabalho de ciência aplicada à preservação com o objetivo de contribuir para a presente e sobretudo futura gestão do PNSACV, que guarda a maior área marinha protegida de Portugal continental».
Apesar de reconhecido desde a criação da área de paisagem protegida, em 1988, só em 2011 nasce o parque marinho. São 290 quilómetros quadrados de costa desde Vila do Bispo até Sines. Nesse ano foram também criadas áreas especiais de proteção da biodiversidade, onde a atividade da pesca é condicionada ou até mesmo proibida: ilhotes do Martinhal, Rogil, Cabo Sardão e, mais a norte, na ilha do Pessegueiro.
«Há ainda várias áreas protegidas relacionadas com zonas estuarinas e fluviais», acrescentou. De forma sucinta, este estudo pretendeu responder a algumas questões-chave. A primeira é esclarecer polémicas e perceber se estas zonas de proteção total ou parcial foram bem escolhidas.
Responde Jorge Gonçalves investigador do Centro de Ciências do Mar (CCMAR) da Universidade do Algarve: «aquilo que concluímos é que foram muito bem escolhidas, de forma equilibrada e que representam um pouco de tudo, até as zonas que não sendo tão ricas, fazem parte do nosso património natural».
A outra pergunta tem a ver com a possibilidade de extensão do PNSACV. «Sim, há. Ao largo de Sines temos jardins de gorgónias espantosos. Em Sagres, no canhão submarino de São Vicente, há jardins de coral vermelho e agregações de esponjas» e o mapeamento de habitats abre a possibilidade de se criarem novas zonas de proteção ou de extensão das existentes em profundidade.
«Sim. Ao largo do Rogil, na Arrifana, na Carrapateira e na Azenha do Mar», por exemplo, embora existam outros hotspots de vida marinha. Por outro lado, «as grutas, sobretudo na falésia da Baleeira, precisam de algum tipo de proteção. Não quer dizer que seja proibida a visitação, mas que seja feita considerando que são sensíveis». Esse produto até pode ser mais valorizado pelas empresas marítimo-turísticas, por exemplo. «Quem as quiser visitar pode ter que pagar mais, mas saberá que está a contribuir para a sua preservação. Isso é importante», exemplificou.
Aos jornalistas, Castelão Rodrigues, diretor regional do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), parceiro institucional do consórcio, afirmou que «este projeto foi muito importante porque se conseguiu ver a riqueza daquela área marinha. Conseguiu-se fazer a identificação de todos os habitats e das espécies que lá habitam. É um instrumento de trabalho importante na medida em que a decisão agora torna-se mais fácil e baseada em conhecimento científico. A pressão da pesca ilegal ou para diminuir as áreas protegidas é grande. Com este instrumento, temos argumentos para dizer que não e que, efetivamente, as áreas têm de ser protegidas. Essa proteção vai fazer com que haja mais biomassa» e mais disponibilidade de peixe e outros recursos marinhos fora das áreas com estatuto de proteção.
O projeto MARSW foi promovido pela LPN – Liga para a Proteção da Natureza (promotor e coordenador geral) em parceria com o ICNF, e financiado através de uma candidatura ao Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência do Uso de Recursos (POSEUR).
A comparticipação nacional foi assegurada pelos três municípios: Aljezur, Vila do Bispo e Odemira. Envolveu as Universidades do Algarve (CCMAR), de Évora (MARE) a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, na coordenação e execução científica. «Terminou em 2021, mas a sua importância leva a que, em 2023, tenhamos de pensar na continuidade, quer com novas candidaturas, quer com potencial financiamento de entidades privadas que querem fazer investimentos nas áreas protegidas. E queremos ter algumas contrapartidas. Isto faz com que nós, conhecendo melhor a nossa costa, possamos perspectivar melhor a conservação dos nossos valores», rematou Castelão Rodrigues.
A informação do projeto MARSW, que já deu origem a 10 relatórios finais, vem de estudos científicos, novos ou efetuados anteriormente, e do conhecimento de pessoas que vivem e trabalham nesta região, bem como de entidades como associações de pescadores, empresas marítimo-turísticas e da administração local.
No conjunto, é um «catálogo» sobre a área marinha do PNSACV, que inclui características ambientais (por exemplo, que espécies e que tipos de fundo foram observados em cada zona) e informação sobre atividades humanas exercidas (como a pesca, sobretudo, a comercial).
Todos estes dados vão permitir avaliar de forma continuada o estado de conservação das espécies e habitats, perceber se as medidas de proteção estão a ser bem-sucedidas e apoiar a gestão destas áreas.
Pesca lúdica marinha tem impactos
Segundo Mafalda Rangel, investigadora do CCMAR, «a quantidade de informação foi extraordinária, aprendeu-se bastante, mas há muito em falta».
Uma lacuna é o caso da «pesca lúdica à cana apeada ou embarcada. É uma atividade importante em Portugal, praticada por 170 a 200 mil pessoas que tiram a licença todos os anos. Apesar destes números, tem sido historicamente negligenciada na definição de estimativas de capturas totais e na criação de estratégias de conservação de recursos».
Ainda assim, já há pescarias documentadas em que a pesca lúdica rivaliza com a pesca comercial, como é o caso do sargo-legítimo (Diplodus sargus) na zona do PNSACV.
Comparando os dados atuais com os estudos anteriores, «em 2006, e para a pesca lúdica apeada de cana, esta espécie representou 48 por cento das capturas estimadas em peso e 44 por cento em número. A proporção subiu para 73 por cento da proporção em peso das capturas e 80 por cento em número em 2018», estimou.
Segundo a investigadora, «há capturas não contabilizadas e salienta-se a importância de se perceber se a fiscalização é efetiva e se as regras são cumpridas. É importante manter o defeso» no caso do sargo-legítimo, e deve também considerar-se a possibilidade de aumentar o período para abranger toda a época de reprodução da espécie, além de alargar a obrigatoriedade de pausa para as restantes modalidades de pesca que capturam sargo (na pesca comercial e lúdica) no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.
Por outro lado, «há um total desconhecimento em relação à pesca submarina e à pesca turística e a pesca lúdica embarcada está subavaliada. O esforço de pesca devia ter uma estatística feita de forma sistemática, mas não existe. Faltam estimativas para as várias modalidades. Não há uma efetiva percepção das medidas de proteção pelos pescadores. Devia haver estudos dedicados ao sargo-legítimo e ao pargo-legítimo (Pagrus pagrus), que são as espécies mais visadas. E devia incluir-se, de forma efetiva, os pescadores lúdicos na definição e implementação das medidas de gestão do parque, até considerando uma futura cogestão desta área do país», concluiu Mafalda Rangel.
Cogestão terá de envolver todos os intervenientes
«Acho que o principal mesmo, nas áreas marinhas protegidas, é os pescadores estarem, desde o início, envolvidos na formulação dessas zonas, perceberem a vantagem protegidas e serem eles a fiscalizar e a quererem que lhes sejam proveitosas, porque fiscalizar numa área de 290 quilómetros quadrados (km²), não será fácil», opinou Jorge Gonçalves.
Ouvido pelos jornalistas, o investigador do CCMAR sublinhou que «toda a parte do mapeamento de habitats foi muito importante para conhecermos tudo mais a fundo. Esta informação agora existe e está disponível disponível a todos».
«Uma das coisas que já vimos é que algumas espécies beneficiam das áreas de proteção, onde há alguma proibição de pesca, são relativamente pequenas e correspondem a oito por cento» dos 290 km².
«Beneficiam espécies como o sargo, o safio, a moreia, a santola e o percebe, que está cada vez mais estudado e gerido em conjunto com as associações de pescadores. Tudo isto já teve alguma melhoria. Agora, sabemos que essa percepção não é fácil».
Um solução, na opinião do cientista, poderia ser a cogestão. «Sem dúvida. Já deveria ter começado antes, mas não foi possível. Agora estamos a criar outras áreas marinhas protegidas, que terão de ser feitas com os pescadores e não para os pescadores. Na costa sul também temos as marítimo-turísticas, as aquaculturas e outras atividades que se passam no mar e na costa ocidental muito, provavelmente, teremos também as eólicas» e claro, a exploração de hidrocarbonetos ainda é uma questão que não desapareceu.
Já a atividade das marítimo-turísticas está «em plena expansão. E é de tal maneira forte que tem de entrar, digamos, nesta gestão do espaço marítimo. É fundamental que percebam que há capacidades de carga que têm de ser respeitadas. O facto de existirem populações de golfinhos saudáveis e abundantes é bom para o negócio. O facto de as grutas estarem em boas condições de preservação e que não haja acidentes quando as estamos a visitar, é bom para todos», finalizou.